Certo dia, há mais de dez anos, Marcos Sá Corrêa veio até minha casa, confesso que não tinha noção que haviam se passado tantos anos, parece que foi outro dia mesmo. Vínhamos conversando sobre nossa vontade comum de continuar no jornalismo digital e dar seguimento à experiência com o No. (lia-se “no ponto”). Uma bem sucedida, infelizmente fugaz, plataforma digital de notícia e opinião que ele havia criado com um timaço de jornalistas, entre eles vários amigos comuns, e do qual eu me tornara colunista. Naquele dia, Marcos me disse: “consegui recursos da Fundação Avina para fazer um site de jornalismo ambiental. É para treinar jovens jornalistas a cobrir meio ambiente e ver o ângulo ambiental em qualquer pauta. Por que não começamos com meio ambiente e depois ampliamos e fazemos algo parecido com o No., mas com uma concepção atualizada?” Topei na hora e disse que dava o local. “Sério?”, ele respondeu. “Então temos tudo que precisamos.”
Havia espaço ocioso no escritório construído nos fundos de minha casa na Gávea e que podia ser imediatamente convertido em uma redação. No dia seguinte, Marcos me ligou e disse, “chamei o Kiko, tudo bem?”. Respondi que estava mais do que bem, seria um prazer, seríamos três amigos fazendo o que mais gostávamos de fazer: pesquisar/apurar, escrever e conversar. Kiko é o Manoel Francisco Brito, como Marcos um super-repórter e ótimo jornalista. Ali começava o projeto de O Eco. Nem nome tinha. Era preciso desenhar o site, identificar um grupo de jornalistas jovens para formar a redação, definir sua postura e identidade editoriais. Tudo saiu basicamente da cabeça do Marcos. Com seu humor ia dando soluções e ria com gosto das ideias que tinha. O nome O Eco, surgiu assim. “Tipo jornalzinho de grêmio escolar”, propôs às gargalhadas. Ficou.
Uma redação inesquecível
“Trabalhar ao lado de Marcos e Kiko era uma alegria enorme. Eu havia começado a vida como repórter, mas me afastara do jornalismo para fazer carreira acadêmica como sociólogo e cientista político.”
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O Eco entrou no ar em agosto de 2004, alguns meses depois de Marcos, Kiko e eu termos começado a trabalhar juntos para coloca-lo em pé. Nesses meses de preparação, Marcos e Kiko já estavam instalados no escritório que compartilhamos por cinco anos. Ainda hoje nos referimos aos lugares que eles ocuparam como “do Marcos” e “do Kiko”. Com nossa primeira reunião, começou um dos períodos mais venturosos de minha vida recente. Trabalhar ao lado de Marcos e Kiko era uma alegria enorme. Eu havia começado a vida como repórter, mas me afastara do jornalismo para fazer carreira acadêmica como sociólogo e cientista político. Nos cinco anos em que O Eco esteve hospedado no nosso escritório na Gávea, fiz doutorado em jornalismo, convivendo e trabalhando com três expoentes do jornalismo brasileiro: Marcos, Kiko e Miriam Leitão. Míriam havia trabalhado com Marcos e Kiko no JB. Estávamos casados há 13 anos. Éramos quatro amigos trabalhando muito e nos divertindo muito. Marcos tem uma alegria no trabalho que é contagiante. Texto primoroso, tiradas impagáveis e argutas, quando escrevia uma de suas frases dava gargalhadas, levantava-se e vinha nos contar. Daí rolava uma conversa divertida. Kiko também se diverte com o que faz e tem um humor diferente, mas tão contagiante quanto o de Marcos. Muitas vezes descíamos até a esquina para tomar um expresso, só para caminhar um pouco e conversar às gargalhadas. Não raro, quando estava dedicado a outras e inarredáveis tarefas, as gargalhadas de Marcos e Kiko me atraíam para a conversa e de volta para o ambiente de O Eco, pelo qual eu tinha clara preferência.
Vocação ambiental irredutível
“Claro que nunca expandimos O Eco para torná-lo um site de jornalismo geral. Meu segundo sentimento é de orgulho. Marcos concebeu uma das mais bem sucedidas plataformas de jornalismo ambiental do Brasil.”
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A redação cresceu e houve momentos, em que chegamos a ter 10 jornalistas na produção do material do site acomodados na ilha que O Eco havia herdado da equipe que desfiz. Olhando hoje, surpreso de se terem passado dez anos, meu primeiro espanto é com a alegria daqueles dias. Como foi bom e quanto prazer me deu aquela convivência diária com Marcos, Kiko e jovens jornalistas inteligentes e entusiasmados. Claro que nunca expandimos O Eco para torná-lo um site de jornalismo geral. Meu segundo sentimento é de orgulho. Marcos concebeu uma das mais bem sucedidas plataformas de jornalismo ambiental do Brasil. Criou um modelo que está se mostrando sustentável. Dez anos é longo prazo no ambiente digital que se tem mostrado efêmero. Depois que saímos, O Eco recebeu vários prêmios importantes. Relembro hoje essa trajetória com o sentimento misto de saudade e certeza de que fizemos um bom trabalho. Impossível superar a falta daqueles dias de redação, ao lado de casa. Às vezes eu deixava a redação antes de Marcos e Kiko, para compromissos fora e os dois brincavam: “é bom ir logo mesmo, porque vai pegar o maior trânsito até chegar em casa”: eram vinte passos para ir do escritório à casa. Era um ambiente entre o doméstico e o profissional, que só a sólida amizade permite. Míriam e eu lembramos e comentamos esses tempos com carinho e saudade frequentemente. Foi muito bom.
Houve momentos tensos, sem dúvida. Mas foram tempos muito divertidos, fizemos aventuras sensacionais, viagens espetaculares, juntos e separados. Fizemos duas reuniões agradabilíssimas sobre o futuro de O Eco no Brejo Novo, a reserva que eu e Míriam temos em Minas Gerais. Houve momentos impagáveis. Creio que a única ideia que tive foi a de uma entrevista longa, tipo entrevista do Pasquim, em que todos nós entrevistávamos um convidado. Entrevistamos, nesse formato, alguns ícones do ambientalismo brasileiro, como Adelmar Coimbra Filho e o almirante Ibsen Câmara, recentemente falecido. Entrevistamos climatologistas e biólogos de destaque na ciência brasileira e mundial. Vivemos nessas entrevistas situações impagáveis e outras impublicáveis que, como dizia o Kiko, ficariam para anais secretos de O Eco.
É com sentimentos fortes, de contentamento e nostalgia, que escrevo sobre os dez anos de O Eco. Faço votos para que o time que hoje o mantém com brilho, com Eduardo Pegurier à frente, tenha sucesso em mantê-lo vivo e relevante. Tenho certeza de que o Kiko há de concordar comigo que quem deve ser celebrado e homenageado por mais uma grande ideia de sua mente brilhante é o Marcos Sá Corrêa, que deu vida e alma a O Eco, antes mesmo que ele fosse ao ar.
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