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Não chore por mim, Brasil

A depender dos candidatos que disputam o 2º turno das eleições, país fica na mão da sociedade civil para manter suas conquistas ambientais.

15 de outubro de 2014 · 10 anos atrás
  • Guilherme Purvin

    Pós-doutorando junto ao Depto. de Geografia da FFLCH/USP, graduado em Direito e Letras pela USP. Doutor em Direito (USP). Membro da Academia Latino Americana de Direito Ambiental. Escritor.

O nome dado à sede do governo paulista, Palácio dos Bandeirantes, é um dos tantos tristes tradições dos governos brasileiros, que prestigiam quem dizima o meio ambiente e comunidades nativas em nome de um suposto progresso. Foto: Divulgação
O nome dado à sede do governo paulista, Palácio dos Bandeirantes, é um dos tantos tristes tradições dos governos brasileiros, que prestigiam quem dizima o meio ambiente e comunidades nativas em nome de um suposto progresso. Foto: Divulgação

Em 2012, a presidente Cristina Kirchner anunciou a substituição da imagem de Julio Argentino Roca pela de Evita Peron nas cédulas de cem pesos. Esse personagem que aparecia nas cédulas foi o presidente da Argentina que conduziu a nação vizinha a um grau de prosperidade econômica suficiente para atrair a imigração de europeus no final do Século XIX. O fundamento da anedota brasileira de que los hermanos são italianos que falam em espanhol e pensam que são ingleses deve-se muito à passagem de Roca pela vida política daquele país. No início da 1ª Guerra Mundial praticamente 1/3 da população de Buenos Aires era formada por italianos. Já com relação ao “complexo de inglês”, basta ler o conto “A história do guerreiro e da cativa” (em O Aleph), do genial Jorge Luis Borges, para confirmá-lo.

Para alcançar o ideal iluminista da civilização europeia, Julio Argentino Roca, poucos anos antes de alcançar a presidência da república, comandou o exército em 1878 numa expedição rumo à Patagônia que ficou conhecida como a “Campanha do Deserto”. A finalidade da missão era bastante simples: dizimar as populações indígenas. Nesse sentido, Roca foi muito bem sucedido. Mas não tanto quanto o Brasil. De acordo com o livro “América Indígena“, de José Matos Mar, em 1994 a Argentina contava ainda com 1,1% de indígenas em sua população de aproximadamente 34 milhões de habitantes, enquanto em nosso país, dos 155 milhões de habitantes há vinte anos, apenas 254 mil eram indígenas. Ou seja, 0,16% da população brasileira.

Apenas a título de comparação, nessa mesma época o Canadá, tido como exemplo da civilização europeia nas Américas, computava em números absolutos quatro vezes mais indígenas em seu território – o equivalente a 3,59% de sua população de 29 milhões de habitantes – do que o Brasil. Isso para não falar em países como a Bolívia, a Guatemala e o Perú, onde o percentual de indígenas em sua população era, respectivamente, de 50,51%, 48,01% e 38,39% de indígenas.

Os sucessivos governos brasileiros da era pós-ditadura continuam investindo em obras faraônicas que só fazem a alegria de empreiteiras como a Camargo Correia, Andrade Gutierrez, Odebrecht e OAS. Território indígena e Unidade de Conservação, sob essa perspectiva, são obstáculos para o PAC. Em 2012, apenas sete terras indígenas foram homologadas pela presidente Dilma. O jornalista Cláudio Angelo, em excelente artigo publicado em ((o))eco, destacou que estudos realizados na última década têm demonstrado que terras indígenas são institutos mais eficientes para a proteção da biodiversidade do que Unidades de Conservação. A manchete de ((o))eco informa que 127 dos 199 deputados que votaram pela flexibilização do Código Florestal foram reeleitos. Parte deles integrará a bancada de sustentação da candidata PT, outra parte a do candidato do PSDB.

Terras indígenas usurpadas

“Abrir os cofres públicos, dar dinheiro para os ruralistas! (…) O assunto já está pacificado na jurisprudência: é indevido o pagamento de indenização pela demarcação de terras indígenas.”

Em seu programa de governo, antes da adesão de Marina Silva, o candidato Aécio Neves limitava-se a fazer uma referência genérica a políticas afirmativas em relação a setores vulneráveis, colocando no mesmo balaio os povos indígenas, ciganos, idosos e pessoas com deficiência. Selado o apoio da ex-ministra do Meio Ambiente, Aécio concede que Dilma Rousseff tem sido negligente na questão da demarcação das terras indígenas, mas imediatamente acena para seu eleitorado, citando em primeiro lugar os produtores rurais como vítimas de tal negligência. A solução? Abrir os cofres públicos, dar dinheiro para os ruralistas! Só faltava inclui-los na listinha dos setores vulneráveis… Não é assim que um bom gerente cuida de seu estabelecimento. O assunto já está pacificado na jurisprudência: é indevido o pagamento de indenização pela demarcação de terras indígenas. Conquista da Advocacia-Geral da União (AGU) em defesa dos cofres públicos que o candidato do PSDB de antemão joga no lixo. O candidato deveria ao menos ler a Constituição do país que pretende dirigir, em especial o art. 231, § 4º, que diz: “As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”. Em outras palavras, terras indígenas serão sempre terras indígenas e, se são inalienáveis e indisponíveis, quem avançou sobre elas praticou esbulho – deve indenizar pelo ato ilícito que cometeu e não ser indenizado, como quer o candidato.

Quanto a Dilma, nem é preciso consultar seu novo programa. O PT tem seguido à risca a tese exposta por Lula em 21 de novembro de 2006, de que ambientalistas, índios, quilombolas e Ministério Público, são “entraves para o crescimento”. Na área ambiental, porém, Dilma foi muito além de seu criador. Chega ao final de seu (primeiro?) mandato conhecida na área ambiental pelas reduções de tamanho de UCs para a construção de hidrelétricas na Amazônia e por ter sido a lanterninha na criação de UCs desde a redemocratização do país, posição que ela parece querer reverter de última hora (nos dias 13 e 14 de outubro, a menos de duas semanas do 2º turno das eleições presidenciais, ela criou seis novas unidades, que incluem dois parques nacionais).

Vença quem vencer o segundo turno das eleições presidenciais de 2014, fato é que, sem a mobilização da sociedade civil, a vigilância do Ministério Público e a rapidez nas respostas do Poder Judiciário, a legislação socioambiental brasileira e a biodiversidade continuarão sendo violentamente atacadas por aqueles que detêm o comando da nação no âmbito legislativo e executivo.

Cristina Kirshner fez bem ao propor a retirada da imagem de Roca das cédulas de 100 pesos. Infelizmente, não cogitou de substitui-la pela de qualquer indígena, mapuche, araucano, pampa ou guarani, preferindo homenagear Evita Peron que, de resto, já havia sido suficientemente homenageada por Madonna em Don’t cry for me Argentina. Já aqui entre nós, se não temos nenhum genocida nas cédulas, em compensação somos o país com o menor percentual de povos indígenas na população em todo o continente americano. E, se a literatura argentina não conta com nenhum Peri, Iracema ou Ubirajara, em compensação a sede do governo paulista chama-se Palácio dos Bandeirantes e as estradas estaduais homenageiam Fernão Dias e Raposo Tavares.

 

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