De onde vem a denominação “unidade de conservação” para se referir a uma área protegida? Muitos já devem ter percebido que o Brasil é o único país – salvo erro ou omissão – que denomina genericamente as suas áreas protegidas como “unidades de conservação” e que tem uma lei que consagra esta denominação e institui um “Sistema Nacional de Unidades de Conservação”. Em todos os demais países, inclusive os vizinhos da América do Sul, os espaços dedicados a conservar amostras da natureza se denominam simplesmente de “áreas protegidas” ou, dentre outros nomes, “áreas naturais protegidas”, “parques nacionais e reservas equivalentes”, “áreas silvestres”. Mas, a denominação largamente dominante no mundo é “áreas protegidas”.
O nome mais clássico para as áreas que se protegem da atividade econômica humana para conservar amostras duradouras dos ecossistemas originais é o de parque nacional, que foi dado à região de Yellowstone em 1872, quando foi decidido que ela seria preservada. Durante muito tempo as áreas dedicadas a este fim foram todas denominadas “parques”. Mas, logo ficou óbvio que nem todas eram iguais e, por isso, outras denominações começaram a ser usadas para caracterizá-las. Ou seja, pouco a pouco o nome “parque nacional” foi perdendo sua hegemonia. Quando criada em 1960, a atual Comissão Mundial de Áreas Protegidas da União Internacional para a Conservação da Natureza denominou-se “Comissão Mundial de Parques Nacionais” que logo se transformou em “Comissão Mundial de Parques Nacionais e Áreas Protegidas” antes de retirar “parques nacionais” do seu nome. De fato, é mais fácil falar simplesmente de áreas protegidas, englobando todas as múltiplas categorias atuais.
O Código Florestal brasileiro de 1934 fala de parques nacionais e é ratificado por um decreto legislativo de 1948 que adotou a Convenção de Washington de 1940, a qual trata dos parques nacionais e reservas equivalentes. No Serviço Florestal existia uma Seção de Parques e Florestas Nacionais. O Código Florestal de 1965 também se refere às áreas a proteger como parques (nacionais, estaduais e municipais) e reconhece assim mesmo as reservas biológicas e florestas nacionais, estaduais e municipais. Em 1967, cria-se se cria o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) com um Departamento de Pesquisas e Conservação da Natureza a cargo dos parques e reservas. Em 1979 saiu o Regulamento dos Parques Nacionais Brasileiros sem menção ao termo “unidade de conservação”. Nos anos 70 e 80, o Brasil viveu um intenso processo de reformas sobre assuntos de meio ambiente e se criou numerosas áreas protegidas. Porém o termo “unidade de conservação” continuou a não ser mencionado nas normas legais. A primeira norma que o menciona seria o Decreto N0 78 de 05 de abril de 1991 que cria (Art. 22) o Conselho Nacional de Unidades de Conservação que substituiu o Conselho de Valorização de Parques. Nos anos 1990 o termo aparece com maior frequência. Parece que é só a Lei N0 9.985 de 18 de julho de 2000 que cria o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – que na prática existia dede 1979 – que essa denominação é definida (art. 2o, inc. I) e formalmente sancionada.
Contudo, o termo e o conceito de “unidade de conservação” vinham sendo usados pelos profissionais desde meados dos anos 1970. Ele aparece numa publicação técnica oficial pela primeira vez em 1976. Logo vai se tornando de uso comum entre os especialistas. Numa publicação de 1978, Maria Tereza Jorge Pádua discute os objetivos de manejo das “categorias de unidades de conservação”. A primeira versão do Plano do Sistema de Unidades de Conservação do Brasil foi publicada em 1979 e a sua segunda etapa foi publicada em 1982. O plano de 1979 foi aprovado pelo Presidente da República, mas, sem um documento legal específico.
Enigma
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Consultada sobre a origem do termo, Maria Tereza Jorge Pádua, que trabalhou no IBDF desde a sua criação e que nos anos 1970 e até 1982 era diretora do Departamento de Pesquisas e Conservação da Natureza, acredita que seu uso foi consequência do fato de o Código Florestal de 1965 ter estabelecido as áreas de preservação permanentes (APPs). Estas, na linguagem do dia a dia eram chamadas de áreas protegidas. Por isso, segundo ela, usar o nome “áreas protegidas” também para parques, reservas e outras áreas semelhantes poderia gerar confusão. Isto pode explicar o uso do termo “unidade de conservação”, mas não a sua origem.
O Peru foi outro país que, por cerca de 20 anos, utilizou “unidades de conservação” para descrever a seus parques nacionais e outras áreas protegidas. Até o final dos anos 1960 toda referência à preservação de espaços naturais se referia a “parques nacionais e reservas equivalentes”. Mas, o termo “unidade de conservação” apareceu na literatura especializada desse país no começo dos anos 1970. Sua consagração veio com a Lei Florestal de 1975, que tinha um capítulo sobre as unidades de conservação indicando que estas podem ser parques, reservas ou santuários nacionais e santuários históricos. Essa lei não definiu diretamente o que é uma “unidade de conservação” embora nela se subintenda o que significa. A partir de então, o termo foi extensamente utilizado e reiterado no regimento da lei e refletido na estrutura da Direção Geral Florestal do Peru. Em 1977, já existia formalmente um Sistema Nacional de Unidades de Conservação. O termo foi amplamente utilizado nos anos 1980 e começou a cair em desuso nos anos 1990 sendo gradativamente substituído por o de “áreas naturais protegidas”. A extinção do nome “unidade de conservação” no Peru foi sancionada pela Lei N0 26834 de 1997, Lei de Áreas Naturais Protegidas, que está vigente. Na atualidade só alguns nostálgicos ainda o usam.
O autor desta nota é peruano e, como a sua colega Maria Tereza, esteve na origem da criação das áreas protegidas de seu país nos anos 1960, 1970 e 1980, tampouco se lembra de onde veio o termo “unidade de conservação”. Consultas feitas a colegas da época não levantaram nenhuma explicação sobre o assunto. É possível que naqueles tempos outros países também o usassem. Mas, de fato, o mistério continua.
O certo é que usar “unidades de conservação” para se referir às áreas protegidas não tem nada de errado. Ao contrário, é original. De fato, esta nota só tem por finalidade ressaltar o fato que é curioso se procurar uma explicação para essa terminologia distinta. De outra parte, seu uso “sem tradução” pode confundir e, de fato, por isso a literatura brasileira sobre o tema usa a cada ano com mais frequência o termo “área protegida”, que é conhecido universalmente.
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