Colunas

Que inveja da repercussão do caso “leão Cecil”

A morte do animal criou uma polêmica mundial, enquanto no Brasil ninguém se importa com peixes-boi, tubarões ou incêndios criminosos em áreas protegidas.

31 de julho de 2015 · 9 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Por que esse tipo de massacre não desperta o mesmo clamor? Foto: divulgação/Batalhão de Policiamento Ambiental do Amazonas
Por que esse tipo de massacre não desperta o mesmo clamor? Foto: divulgação/Batalhão de Policiamento Ambiental do Amazonas

Como invejo a repercussão mundial que causou a notícia da caçada de um leão jovem e icônico em um Parque Nacional do Zimbábue. Principalmente o barulho feito pelos cidadãos dos Estados Unidos da América, onde a caça esportiva de determinadas espécies é praticada legalmente e aceita pela sociedade. Lá, é grande o clamor contra o abate, que também está sob investigação de ter sido ou não um ato legal, um assunto que pertence à Justiça. Afinal, não é impossível que o caçador, um dentista americano, tenha sido enganado.

Mas quem dera se outros atos atrozes também tivessem a mesma repercussão. Já pensaram se aqui no Brasil alguns crimes que matam muito mais indivíduos de várias espécies, quer do reino animal e/ou vegetal, recebessem o mesmo repúdio barulhento da população? Por exemplo, os enormes incêndios criminosos de muitas áreas protegidas do Brasil, e em especial nos nossos Parques Nacionais. Nossa biodiversidade teria mais futuro.

Já pensaram se a população expressivamente se voltasse contra a pesca predatória de espécies marinhas ameaçadas de extinção, ou à caca ilegal de espécies terrestres? Contra a presença de espécies invasoras que tanto prejuízo causam à nossa fauna ou flora silvestres, como, por exemplo, o javali, considerado o 20º predador do mundo, ou bambus exóticos, ou o capim Jaraguá nas nossas áreas protegidas? Já pensaram quão importante seria eliminar os teiús predadores de Fernando de Noronha, que comem os ovos de aves das espécies nativas?

O que não dá mesmo para discutir são os posicionamentos religiosos sobre o tema de se manejar ou não áreas silvestres. De se matar, quer seja necessário ou não, espécies de flora e fauna. Posicionamentos pessoais e mesmo aqueles sem base científica têm de ser respeitados.

Uma pergunta colocada por um filho meu, que não é caçador, no Facebook dele, merece ser repetida: porque a população não se revolta tanto quando se trata de peixes, tubarões, golfinhos, ou tartarugas? Por quê?

Não quero defender o dentista. Não o conheço, também não gosto de caçadores em geral, mas a discussão deve estar centrada na legalidade ou não do ato por ele praticado. Foi bonito? Não posso acreditar que alguém tenha coragem de dizer que foi. Mas o problema como tentei explicar vai além de só se proibir como querem muitos. A caca esportiva é legal na grande maioria dos países africanos. Hoje, ouvi na CNN que se matam legalmente 700 leões por ano na África. Muitas populações vivem de caça e pesca, mesmo dentro de áreas protegidas.

Por enquanto, eu fico com a versão, antes de crucificar o tal dentista, de que ele foi enganado, pois era muito dinheiro envolvido. Fico também com a inveja de não assistir tanto protesto aqui quando se mata ilegalmente um bicho não tão bonito, seja de que espécie for, como o peixe boi, tartarugas, baleias, o temerário tubarão; ou quando se comercializa e se exporta à vontade aves atraentes de nossa fauna, em especial as araras.

A discussão novamente deve ser fundamentada na ciência e na Lei e não em achismo, pelo menos é o que eu ACHO.

 

*Essa coluna foi publicada originalmente no Blog do Planeta, da revista Época

 

 

Leia também
Caçador que matou o leão Cecil enfrenta clamor por processo
A caça ao javali e outras pragas

 

 

 

Leia também

Podcast
22 de novembro de 2024

Entrando no Clima#41 – COP29: O jogo só acaba quando termina

A 29ª Conferência do Clima chegou ao seu último dia, sem vislumbres de que ela vai, de fato, acabar.

Manguezal na maré baixa na Ponta do Tubarão, em Macau (RN). Foto: Alex LN / Creative Commons
Salada Verde
22 de novembro de 2024

Supremo garante a proteção de manguezais no país todo

Decisão do STF proíbe criação de camarão em manguezais, ecossistemas de rica biodiversidade, berçários de variadas espécies e que estocam grandes quantidades de carbono

Reportagens
22 de novembro de 2024

A Floresta vista da favela

Turismo de base comunitária nas favelas do Guararapes e Cerro-Corá, no Rio de Janeiro, mostra a relação direta dos moradores com a Floresta da Tijuca

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Comentários 1