O ENDS Report, serviço pago de informações ambientais do Reino Unido e da Europa, trouxe, na sua edição de janeiro, a notícia de que 2006 foi um ano recorde em multas aplicadas a empresas de saneamento, águas e esgotos da terra de Tony Blair. Na maioria dos casos, a origem das multas foi o vazamento de águas poluídas em rios e canais, provocando a morte de peixes, o fechamento de praias, ou impedindo a pesca e o consumo de água em determinadas localidades.
Segundo a matéria, no ano passado 11 companhias de águas do Reino Unido foram condenadas, no total, ao pagamento de multas e custos processuais que ultrapassaram £870 mil (R$ 3,6 milhões), um crescimento de cerca de 85% em comparação com 2005. O crescimento seria devido a um maior número de multas aplicadas e a um aumento dos seus valores médios. Os números comprovam isso: em 2005, foram aplicadas a essas empresas 62 multas com valores médios de £6.210; em 2006, esses números subiram para 82 multas e £7.939 de média.
Quem olha para esses números daqui do Brasil, sente de cara que alguma coisa está errada.
Em primeiro lugar, o valor médio das multas é muito baixo. Oito mil libras são cerca de R$ 33 mil. A empresa Thames Water, a mais multada de 2006, tanto em valor (£226.126) quanto em número de multas (14), vai pagar pouco mais de R$ 1 milhão. Desse total, consta a maior multa aplicada no ano, £50.000 (cerca de R$ 200 mil), por causa de um vazamento ocorrido em tanques em condições precárias, que deveriam estar desativados e que encheu de esgoto um córrego que cruza uma área densamente povoada de Londres. A Thames Water já havia sido, em 2005, a empresa com as multas mais pesadas do ranking.
Outro caso exemplar é o da United Utilities que causou a morte de mais de mil peixes e pôs em risco uma importante fonte de pescado com um vazamento de esgoto no rio Croco. A multa aplicada por esse incidente foi de £35.000 (R$ 145 mil).
Se os valores parecem inexpressivos é porque são. Não apenas porque no Brasil as multas aplicadas em casos semelhantes facilmente alcançariam a casa de um milhão de reais, mas porque as multas aplicadas no Reino Unido dão todos os sinais de que não estão servindo ao seu propósito.
Das 11 empresas de saneamento citadas na reportagem do ENDS, todas são reincidentes, ou sejam, já haviam sido multadas em 2005. Destas, seis apresentaram um número maior de incidentes ambientais em 2006 do que em 2005. Duas mantiveram-se estáveis nesse quesito. Apenas três reduziram seus números de acidentes. Com isso, fica fácil entender o altíssimo número de acidentes em que essas 11 empresas se envolveram em 2006. Oitenta e dois acidentes ambientais representam um aumento considerável em relação aos 62 ocorridos em 2005, mas não parecem ser nenhuma aberração: em 2004 esse número chegou a 85.
No caso específico da Thames Water, que é a maior das empresas de água do país, a população tem colocado pressão para que o Ofwat, órgão regulador da indústria de água do Reino Unido, multe a empresa que, há anos, não consegue atingir as suas metas de vazamentos. Em 2006, a notícia de que a empresa continuava perdendo cerca de 900 milhões de litros de água e esgoto por dia através de suas tubulações velhas e mal cuidadas veio logo após o anúncio de um lucro bruto da empresa 30% maior do que no ano anterior, chegando a £346 milhões.
Nesse caso, a pressão feita pelos consumidores se deve menos a preocupações ambientais do que ao fato de a empresa planejar aumentar as suas tarifas em 24% nos próximos 5 anos.
Independentemente da magnitude dos acidentes, isso é prova inequívoca de que essas empresas não têm medo de serem multadas. Muito pelo contrário. Tudo indica que, pondo na balança os gastos que elas teriam para prevenir esses acidentes e o valor que vêm pagando a título de multa, a segunda opção tem saído mais barata. Com isso, essas multas perdem uma de suas maiores funções, que é a de desestimular a reincidência da conduta ilegal ou danosa.
Diante desse quadro, o aumento no número e no valor das multas, em vez de significar um aumento na fiscalização e na rigidez na aplicação das penas, só tem demonstrado a ineficiência das medidas adotadas. Enquanto for mais barato para essas empresas pagar as multas do que fazer a manutenção periódica de suas tubulações e equipamentos, elas continuarão a assumir o risco desses acidentes.
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