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A falta de resposta para a “cupinização” do licenciamento ambiental paulista

Artigo do vice-presidente da ANAMMA desconsidera fragilidades na norma aprovada pelo Consema e não responde nossos questionamentos sobre os rumos do licenciamento ambiental paulista

27 de fevereiro de 2024
  • Carlos Bocuhy

    Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)

O artigo de Antonio Marcos Barreto, vice-presidente nacional da Anamma, publicado no último dia 26 nesse veículo, que tenta se contrapor a outro de minha autoria, sobre a “cupinização” do licenciamento ambiental no Estado de São Paulo, faz apenas uma defesa entusiasta do licenciamento ambiental municipal, autorizada pela Deliberação Consema 01/2024, de empreendimentos de alto potencial poluidor.

Mas o texto desconsidera que a norma aprovada pelo Consema se baseia em uma definição errônea de “impacto ambiental no âmbito local”, considerando-o como o “impacto ambiental direto que não ultrapassar o território do município”. Este equívoco torna toda a estruturação da norma falha. Não poderá haver licenciamento ambiental responsável e eficaz partindo-se de tamanho deslize.

Reconheço que há muita boa-vontade no setor de gestão municipal, não sendo, portanto, a minha posição desrespeitosa. Tem essencialmente, por objetivo, assegurar eficácia para o licenciamento ambiental.

Porém, a pretensão de rebater nossas críticas fundamentadas configurou-se, na prática, em um relato de experiência individual e genérica, com citações de atuação e méritos pessoais, sem se ater aos pontos de preocupação que são de caráter sistêmico.

Já de início a resposta de Barreto se perde no autoritarismo. Argumenta que, quem não passou pelo serviço público, não deve exercer posições críticas, o que, por tabela, atinge o papel do Ministério Público, do Judiciário e dos conselheiros ambientais em todos os conselhos ambientais do Brasil. Ou seja, distorce o próprio conceito de controle social, quando este atua demandando providências das instituições e autoridades constituídas.

Os argumentos utilizados denotam falta de aprofundamento, especialmente por não considerar questões de essência que são determinantes para a eficácia do licenciamento ambiental, assim como princípios basilares da gestão participativa.  

Queremos solução para a temeridade criada pelo Consema, mas o artigo traz apenas uma resposta que pretende atribuir simples temor à nossas críticas fundamentadas. A resposta não se manifesta sobre vários equívocos e deficiências concretas que surgiram ao longo das discussões, colocadas por várias entidades e instituições, inclusive o Ministério Público — e que não foram devidamente consideradas pelo Consema.

As representações sociais apontaram falhas e pediram aprofundamento da discussão, o que lhes foi negado. Nosso questionamento se soma aos demais pleitos sobre a norma. É específico, reportando-se a problemas sérios de ordem técnica e legal.

Outro ponto que chama a atenção é que o licenciamento ambiental é tratado no artigo como algo que possa ser visto como uma experimentação, como se fora um teste, gerando expectativas amadorísticas de “dar chance” à municipalização. Ora, seria como emitir carteiras de motorista com base em instruções equivocadas e insuficientes, além de fazê-lo sem a comprovação prévia da capacidade para dirigir. É argumento frágil, não responde à densidade e a quantidade de questionamentos levantados.

As precauções associadas têm que ser feitas antes de editar a norma e, como já dissemos em nosso artigo, não foi realizado um diagnóstico da realidade em relação a como cada município apto para licenciar está atuando.

Além disso, negar o cenário de vulnerabilidade dos municípios, as pressões políticas, econômicas e os interesses locais é, no mínimo, subestimar a inteligência e a realidade. Principalmente porque sobre este ponto as salvaguardas de controle social são necessárias, seja qual for o escopo do impacto. Este ponto crucial só seria equacionado, de forma satisfatória, com a comprovação da eficácia do controle social com conselhos ambientais democráticos, realmente paritários, o que inexiste no cenário paulista.

O fato de estruturar a normativa com base em definição de impacto local, só considerando o impacto direto, é um equívoco que reduz a norma à completa ineficácia.

A réplica que obtivemos não responde a isso. Quando se refere à importância de licenciar empreendimentos com alto potencial poluidor, é preciso observar que, em muitos casos, estes poderão afetar áreas para além das fronteiras do município, se forem considerados devidamente os impactos indiretos e também a cumulatividade e sinergias. Este é um ponto que levantamos e que continua sem resposta.

O Consema pode definir o que é impacto local. Mas definir impacto local de forma equivocada é erro estrutural, que levará a equívocos e permissividades elevadas. Este é apenas um forte exemplo da debilidade da normativa aprovada, mas há vários outros aspectos.

Nesse sentido, vale lembrar que os questionamentos da sociedade civil e do Ministério Público no Consema não foram respondidos, não foram considerados — e estão presentes nas manifestações documentadas.

Por fim, cabe salientar que essa discussão não será resolvida sem resposta adequada ou com demagogia, mas sim de forma técnica e com embasamento legal, considerando, notadamente, o ponto que elencamos logo ao início de nosso artigo, que é a própria fragilidade democrática do Consema, que está permitindo a elaboração de produtos pouco eficientes para a gestão ambiental pública, como é o caso da Deliberação Consema 01/2024.

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Comentários 1

  1. Míriam Leite diz:

    Obrigada por esta tréplica esclarecedora. A resposta mencionada incomodou muito, sabia que alguém argumentaria solidamente perante tamanha superficialidade. O alcance de “impacto local” e “dar uma chance à municipalidade” são de uma inocência que beira a má fé. Temos visto a pressa em aprovar mudanças em leis para favorecer pessoas e grupos a qualquer custo, e este nunca é pequeno, local e neutro…