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A inaceitável poluição do Polo Petroquímico de Capuava

A poluição gerada pelas indústrias petroquímicas em Capuava, São Paulo, tem impactos diretos na saúde da população do entorno

22 de junho de 2022 · 2 anos atrás
  • Carlos Bocuhy

    Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)

Um mundo melhor é possível, improvável, mas possível. Esse é o caminho da esperança

– Edgar Morin

A falta de um efetivo controle da poluição atmosférica que possa proteger as comunidades representa um estágio de imaturidade social e ética. Decorre de um modelo econômico defasado, de um modelo industrial obsoleto, da falta de uma política ambiental e de efetivo controle social.

A poluição existente hoje na região do Polo Petroquímico de Capuava, em Mauá (SP), decorre de vários determinantes. A Refinaria de Capuava foi instalada em 1954, dentro da matriz fóssil que antecedeu a lógica global da sustentabilidade e que deu origem à ameaça do aquecimento global.

A atração local das indústrias petroquímicas teve início em 1972, no mesmo ano em que se instalava a Conferência de Estocolmo, na Suécia, que marcou o primeiro avanço supragovernamental das Nações Unidas em direção aos limites do crescimento.

 Ao longo do tempo a cadeia produtiva do polo cresceu, enquanto a população se aglomerava no entorno. Mais de 30 anos de estudos sobre a saúde da população local, promovidos pela médica endocrinologista Maria Ângela Zaccarelli, demonstram que a poluição vem afetando a saúde e a qualidade de vida da população.

Há um elevado índice de Tireoidite de Hashimoto e um número anormal de casos de bronquite, asma, sinusite, faringite e rinite alérgica, entre outros.

A situação exige solução imediata. É preciso analisar as causas do problema de forma conjuntural, incluindo a ineficácia estatal. A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) possui a atribuição de conter as emissões de poluentes decorrentes das atividades industriais dentro de padrões seguros à saúde pública.

Parece haver um cenário de minimização e neutralização do órgão fiscalizador. Influências político-econômicas não podem se sobrepor aos direitos fundamentais constitucionais que priorizam a proteção da saúde e do meio ambiente sobre os demais interesses.

 A permanência das atividades poluidoras é mantida sob argumentos econômicos como a geração de empregos, a arrecadação de impostos e a contribuição para com o PIB paulista.  É preciso desnudar a lógica da produção à custa da vida das pessoas. O Produto Interno Bruto (PIB) sempre foi o indicador de gestão bem-sucedida aos olhos dos governantes brasileiros. Os empreendimentos visam ao lucro e o governo busca uma arrecadação que demonstre gestão econômica bem-sucedida.

A poluição e a saúde da população tendem a ser jogadas debaixo do tapete. Essa lógica fóssil não resiste à modernidade, que não admite indicadores dissociados da sustentabilidade e da qualidade de vida, como preconiza o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

O PIB não é um indicador de qualidade de vida. Se houver uma guerra com mísseis e bombas, sua fabricação, assim como os custos para reconstrução do território, movimentariam a economia e entrariam na conta do PIB. Produção agrícola à custa de contaminantes e agrotóxicos também integram o PIB brasileiro, apesar dos efeitos adversos da poluição que não são contabilizados. Assim, o PIB não é um indicador de governo bem-sucedido para a proteção da saúde e do desenvolvimento humano: é apenas o indicador da movimentação econômica, para o bem ou para o mal.

Em São Paulo, os setores econômicos sempre estiveram próximos dos centros do poder, com capacidade de influenciar sucessivos governos estaduais. O velho modelo do business as usual ainda resiste dentro do pensamento empresarial para postergar investimentos em processos corretivos.

A história paulista é rica em exemplos sobre a necessidade de eliminar desconformidades ambientais, como foi o caso de Cubatão, que já foi conhecido como Vale da Morte. Processos de poluição continuada, não solucionada, demonstram uma inaceitável acomodação de conflitos, cuja explicitação se faz necessária para mover forças em defesa da vida e do ambiente.

A capacidade de resolução das desconformidades ambientais depende da capacidade de controle social, da luta das comunidades locais em defesa de sua saúde. No caso de Capuava, depende dos esforços e estudos da dra. Zaccarelli e das contínuas denúncias da população e de entidades não governamentais.

Também é este o papel da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada no âmbito da Câmara Municipal de São Paulo e do relevante acompanhamento e ajuizamento de ações, que tramitam há anos, de autoria do Ministério Público Estadual e da Procuradoria Regional da República.    

A justiça é lenta e a proteção da saúde é urgente.  Assim, quando as práticas ESG (compromissos ambientais, sociais e de governança) são apenas greenwashing, o velho modelo predatório apenas discursa enquanto descura dos bens públicos, dos elementos vitais para a sustentação da vida – e da qualidade do ar que respiramos.

As plantas industriais necessitam de melhorias, de controle com uso da melhor tecnologia disponível. A renovação da Licença de Operação possibilita à Cetesb novas exigências e, nas orientações contidas em seu site, encontramos no item 13: “Apresentar os documentos solicitados nas exigências técnicas contidas na licença anterior (estudos, relatórios, manifestações de outros órgãos etc.)”. Dessa forma, a Cetesb detém em suas mãos instrumentos para exigir melhorias e adequações necessárias. Então, por que não faz?

A falta de regularidade ambiental do Polo Petroquímico de Capuava exige uma abordagem multissetorial e deve considerar, em primeiro lugar, a realidade local, a existência de um mix insustentável entre atividades industriais poluidoras e a presença de uma grande população que habita seu entorno.

Se o licenciamento ambiental do polo fosse realizado hoje, seria baseado em dados sobre a qualidade ambiental local e a projeção dos impactos do empreendimento. Certamente concluiria pela inviabilidade ambiental, em função da intensidade dos processos produtivos e da inadequação da alternativa locacional.

Não basta licenciar, é preciso atuar no pós-licenciamento mantendo controle sobre as fontes de poluição.

Capuava é uma área já saturada por alguns poluentes atmosféricos, inserida em um contínuo urbano com capacidade de suporte ambiental comprometida. Apresenta sucessivos episódios em nível crítico, especialmente em alguns padrões de qualidade do ar como ozônio troposférico e material particulado.

O polo representa uma somatória insustentável de poluentes em alguns parâmetros, além de agregar novos elementos como os COVs, os Compostos Orgânicos Voláteis, apontados nos estudos da dra. Zaccarelli como responsáveis pela Tireoidite de Hashimoto. Fatos similares são também citados em artigos existentes na literatura científica internacional.

A pluma de poluição, em um raio de dois quilômetros do polo, vem impactando a saúde da população, segundo apontam os estudos conduzidos pela endocrinologista, apoiados por estudos complementares da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, com contribuição expressiva do IAG, Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo, todos sob acompanhamento atento do Ministério Público do Estado de São Paulo e da Procuradoria Regional da República.

Não nos falta legislação. A Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), a Lei da Política Nacional (Lei 6.938/81) e Estadual do Meio Ambiente (Lei Nº 9.509/1997) são perfeitamente aplicáveis à essa situação, inclusive nos aspectos de responsabilização.  Ademais, a Lei n° 13.542/2009 estabelece as atribuições da Cetesb para fiscalizar e controlar atividades poluidoras.

Em casos como este, apenas a aplicação de multas não é uma solução aceitável. As multas são passíveis de longos protelamentos administrativos e judiciais – e muitas vezes acabam sendo engavetadas. É preciso buscar soluções estruturais, verificando se há necessidade de aprimoramento do próprio sistema de controle ambiental estatal.

A história é reveladora. Criada para proteger a saúde pública em 1968, a Cetesb sofreu uma guinada ao longo do tempo, reduzindo seu foco para o controle da poluição, como especialização, distanciando-se mais e mais da área de saúde – e se aproximando da Escola Politécnica da USP, da engenharia de controle.

Ao divorciar-se de sua própria origem, a lacuna de percepção dificulta bons resultados, situação que guarda muita proximidade com a teoria da complexidade do filósofo francês Edgar Morin, que aponta os malefícios da especialização e da fragmentação do conhecimento.

Na lógica da complexidade defendida por Morin, a ação da médica representou um processo de controle social que acabou por suprir, com geração de conhecimento, a forma fragmentada e ineficaz que vem caracterizando as ações da Cetesb.

Importante lembrar que no local existem pessoas residentes, mais vulneráveis e expostas à poluição, como as crianças pequenas e idosos, que normalmente permanecem 24 horas por dia no local.   

É inaceitável que o órgão ambiental continue a agir de forma aleatória e superficial, enquanto tem poderes para fiscalizar, aplicar sanções, interditar atividades e exigir a adequação por meio de um plano de controle estrutural, como ocorreu em Cubatão. 

O Acordo de Escazú, do qual o Brasil é um dos proponentes, afirma que só a transparência, o acesso à informação ambiental e a plena participação social permitirão uma governança ambiental eficiente. O sistema de controle social possibilitado pela plena participação social implica não só exercer exigência social sobre os poluidores, mas também sobre os órgãos de controle.

É evidente a manutenção de um erro histórico. Temos comprovações sobre os efeitos da poluição, temos constatações concretas sobre a queima de gases em flare acima do volume normal de forma frequente, intranquilizando a comunidade. O flare é um sistema de segurança, onde o excesso de queima denota um processo de produção que necessita de correções.

Sobre a queima excessiva, lembro que a cadeia do petróleo está condenada a uma drástica redução em função dos danos que tem provocado ao clima global. Temos hoje um processo de emergência climática, segundo denuncia o último Relatório (AR6) do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC).  

Concluindo, há de se partir para soluções imediatas e estruturantes, o que demanda diagnóstico, levantamento das fontes de emissão e das inconsistências no processo, implementando adaptações possíveis com o uso da melhor tecnologia disponível, dentro de um rigoroso programa de controle com cronograma, metas e prazos, e com efetivo controle social.

Há uma hierarquia de valores nos objetivos de um processo de gestão. Os direitos fundamentais à vida e à saúde devem prevalecer sobre todos os demais interesses. Portanto, há de se dar um basta nesta anormalidade contínua, há de se tomar medidas efetivas com relação ao Polo de Capuava. Há vidas humanas em jogo e isso deve ser priorizado.

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