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A perda de biodiversidade gera instabilidade econômica do planeta

Políticos e empresariais precisam colocar a natureza no centro de seus processos e tomada de decisões, identificando, avaliando e mitigando os riscos relacionados à perda de biodiversidade

22 de janeiro de 2020 · 4 anos atrás
  • Rafael Loyola

    Diretor Executivo do Instituto Internacional para Sustentabilidade, professor na UFG e membro da Academia Brasileira de Ciências

Se é caro preservar o meio ambiente, experimente o custo de recuperá-lo. Foto: Pixabay.

Entre os dias 21 e 24 de janeiro de 2020 acontece o Fórum Econômico Mundial, em Davos, nos Alpes Suíços. Esse ano, o evento é especial pois tem foco na sustentabilidade. Segundo a própria organização do Fórum, seu objetivo é “auxiliar governos e instituições internacionais a acompanhar o progresso em direção ao Acordo de Paris e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e facilitar discussões sobre tecnologia e governança comercial.”

O evento eleva o tom das preocupações com a crise climática e também com a perda de biodiversidade e serviços ecossistêmicos. Como publicado aqui no ((o))eco, “pela primeira vez desde que o Global Risk Report começou a ser publicado, em 2007, fatores ambientais dominam a lista dos principais riscos à estabilidade e à economia global”. Esse ano, o relatório global de riscos aponta formalmente a perda de biodiversidade e o colapso dos ecossistemas como uma das cinco principais ameaças que a humanidade enfrentará nos próximos dez anos.

Concomitantemente, foi lançado um relatório especial sobre economia e biodiversidade chamado Nature Risk Rising: Why the Crisis Engulfing Nature Matters for Business and the Economy. O relatório faz parte da série New Nature Economy que vêm sendo desenvolvida por atores comprometidos com ideias e esforços em preparação para a Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica – a COP15 – que acontecerá na China, em outubro de 2020.   A série abrangerá três relatórios que se concentram na defesa de que atual crise de biodiversidade precisa ser seriamente considerada pelos negócios e pela economia, na identificação de um conjunto de sistemas socioeconômicos prioritários para transformação – levando-nos à uma economia sustentável – e no escopo do mercado e oportunidades de investimento em soluções baseadas na natureza para enfrentar os desafios ambientais. Vale muito a pena ficar de olho nessas publicações.

O fresquíssimo relatório sobre os riscos da natureza deixa claro a dependência que não só as pessoas, mas especialmente os negócios e a indústria, têm da biodiversidade. A pesquisa mostra que mais da metade do PIB total do mundo (cerca de 44 trilhões de dólares em geração de valor econômico) é dependente da natureza e de seus serviços. Os três maiores setores altamente dependentes na natureza – construção, agropecuária e alimentos e bebidas – geram, respectivamente, cerca de 8, 4 e 2,5 trilhões de dólares em valor agregado bruto, todo ano. Quer uma medida de comparação? Isso é aproximadamente duas vezes o tamanho da economia da Alemanha!

“O fresquíssimo relatório sobre os riscos da natureza deixa claro a dependência que não só as pessoas, mas especialmente os negócios e a indústria, têm da biodiversidade.”

Como já mencionei em outra coluna aqui no ((o))eco, a perda de biodiversidade e serviços ecossistêmicos impacta as pessoas e precisa tornar-se também um fator extremamente relevante para as empresas que são impactadas diretamente – quando seu produto ou mercado está diretamente ligado aos recursos naturais – ou indiretamente, por meio de impactos nas operações, cadeias de suprimentos e mercados.

O relatório cita uma frase de Sir David Attenborough, dita no fórum mundial do ano passado, com a qual me identifico muito: “Nunca tivemos tamanha consciência do que estamos fazendo com planeta e jamais tivemos tanto o poder para fazer algo sobre isso”. É isso. Como otimista, acho que nossa consciência vem aumentando a passos largos. Contudo, a taxa atual de extinção é centenas de vezes superior à média dos últimos 10 milhões de anos, os padrões de consumo, uso da terra e urbanização, dinâmica populacional, crescimento dos negócios e da indústria são absolutamente insustentáveis. Ou seja, a humanidade precisa repensar urgentemente sua relação com a natureza se quiser interromper e reverter a perda de biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos.

Nossos líderes políticos e empresariais têm um papel crucial a desempenhar, colocando a natureza no centro de seus processos e tomada de decisões e identificando, avaliando, mitigando e divulgando sistematicamente os riscos relacionados à perda de biodiversidade e serviços para evitar consequências ainda mais graves. Declarações infelizes e que vão na contramão da consciência mundial não vão ajudar. Essa semana, em Davos, nosso ministro da economia, Paulo Guedes, disse que “somos animais que escapamos da natureza; demonstrando que o alcance de nossa dependência da natureza parece não ser de seu conhecimento. Ele ainda alimentou a velha falácia do “desenvolvimento vs. conservação da natureza” ao dizer que o problema do desmatamento no Brasil acontece porque há pessoas que passam fome no país. 

A hora de tapar o sol com a peneira acabou. O Fórum Econômico Mundial de 2020 subiu o tom sobre a necessidade urgente de considerarmos a crise climática e de biodiversidade como fatores que ameaçam a estabilidade política e econômica em uma escala global. Resta saber por quanto tempo o Brasil vai aguentar andar na contramão ou se nossos reais líderes dos diferentes setores da sociedade ajudarão a colocar o país em um caminho seguro e sustentável. 

As opiniões e informações publicadas na área de colunas de ((o))eco são de responsabilidade de seus autores, e não do site. O espaço dos colunistas de ((o))eco busca garantir um debate diverso sobre conservação ambiental.

 

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