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As águas que sustentam o Brasil 

Por que um novo projeto de lei propõe o Sistema Nacional de Rios de Proteção Permanente para garantir segurança hídrica, energética e alimentar

15 de abril de 2025

O Brasil tem uma matriz energética predominantemente limpa, com destaque para a energia hidrelétrica, responsável por cerca de 60% da eletricidade consumida no país em 2023. O que poucos percebem é que essa eletricidade não depende apenas de barragens e turbinas: ela depende, antes de tudo, da chuva – e boa parte dessa chuva depende da floresta amazônica.

Estudos recentes conduzidos pelo Climate Policy Initiative (CPI/PUC-Rio), no âmbito do projeto Amazônia 2030, reforçam que a geração de energia elétrica e a produção agrícola no país estão diretamente associadas à integridade da floresta amazônica. Os relatórios “O Desmatamento Corta a Luz: Itaipu, Belo Monte e o Preço da Floresta Perdida” e “(Des)matando as Hidrelétricas: A Ameaça do Desmatamento na Amazônia para a Energia do Brasil” mostram que a derrubada da vegetação amazônica reduz o volume de chuvas, o que compromete o funcionamento de hidrelétricas e a produtividade no campo.

A geração hidrelétrica depende de fluxos estáveis e volumosos de água nos rios. A perda de vegetação compromete o ciclo hidrológico, pois é a floresta que atua como uma “bomba biótica”, puxando a umidade do oceano Atlântico e redistribuindo a água para outras regiões do país por meio dos chamados “rios voadores” — correntes de umidade atmosférica geradas pela evapotranspiração da floresta. O desmatamento fragmenta esse ciclo hidrológico, provocando queda nas precipitações e perda de capacidade de geração elétrica.

O Amazônia 2030 aponta que 17 das 20 maiores hidrelétricas brasileiras estão localizadas em áreas diretamente influenciadas pelas trajetórias dos rios voadores. Isso sugere que o impacto do desmatamento não é pontual, mas sistêmico – afetando o equilíbrio da matriz energética nacional. A substituição da energia hídrica por fontes fósseis, como termelétricas, tende a aumentar os custos de produção e as emissões de carbono, comprometendo tanto a segurança energética quanto os compromissos climáticos do país.

Pesquisadores demonstram que a perda de vegetação prejudica a produção de três usinas hidrelétricas (UHE) situadas na Bacia do Paraná. Mesmo distante do bioma Amazônia, o desmatamento na floresta pode provocar uma perda de cerca de 3% na capacidade de geração de energia e em torno de 10% de perda de lucro anual. A hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, já enfrenta variações significativas em sua produção, com períodos de estiagem diretamente relacionados à perda de cobertura vegetal na bacia do Xingu. Isso se traduz em contas de luz mais altas e risco de apagões.

A UHE Itaipu já sofre perdas atribuídas ao desmatamento na região. O estudo estima que, entre 2002 e 2022, a usina deixou de gerar 29.030 GWh. Essa perda equivale a uma média de 1.382 GWh por ano, ou R$ 500 milhões anuais em receita, o que corresponde a cerca de 6% do lucro líquido médio da hidrelétrica.

Na UHE Belo Monte o impacto também é expressivo. O desmatamento nas áreas de influência da usina entre 2002 e 2022 provocou uma perda acumulada de 50.259 GWh, com média anual de 2.393 GWh – o equivalente ao consumo de 956 mil brasileiros em 2023. A perda de receita associada é estimada em R$ 13,4 bilhões no total, ou R$ 638 milhões por ano. Isso representa aproximadamente 21% do EBITDA da empresa operadora da usina.

Esse cenário não afeta apenas o setor energético. A agricultura nacional, especialmente em áreas de alta produtividade como o MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), também sofre com a escassez de chuvas. A redução na produtividade agrícola aumenta a vulnerabilidade do país a choques inflacionários causados pela alta no preço dos alimentos, afetando de maneira mais severa as famílias de baixa renda.

A integridade dos rios da Amazônia e da floresta que os protege não é apenas uma questão ambiental: é um pilar de segurança nacional. A produção de alimentos e de energia está interligada ao bom funcionamento dos sistemas naturais que mantêm o Brasil abastecido de água. Destruir a floresta é cortar a fonte da eletricidade e da comida, com impactos que vão da economia doméstica à balança comercial do país.

Manter a Amazônia em pé significa proteger os fluxos de água que garantem produtividade agrícola, estabilidade energética e preços acessíveis para a população. Trata-se de uma equação simples: sem floresta, sem água. Sem água, sem energia nem alimentos.

Por isso tudo, combater o desmatamento (legal e ilegal) é do interesse nacional. A floresta preservada e as áreas de regeneração florestal garantem a saúde dos rios. Investir em ciência, tecnologia e vigilância ambiental não é apenas proteger a natureza – é garantir a sobrevivência do modelo econômico brasileiro que depende da abundância hídrica que a Amazônia proporciona.

Diante desse cenário crítico, o Projeto de Lei nº 2842/2024 surge como uma resposta legislativa essencial. A proposta institui a Política Nacional de Proteção de Rios e estabelece o Sistema Nacional de Rios de Proteção Permanente (SNRPP), preenchendo uma lacuna na legislação ambiental brasileira. Ao reconhecer os rios como bens públicos essenciais à vida e estabelecer critérios claros para sua preservação e conservação, o projeto propõe um modelo de gestão que une proteção ambiental, segurança hídrica, resiliência climática e justiça social. A iniciativa prevê planos de manejo, participação ativa de comunidades locais e instrumentos eficazes para preservar ecossistemas fluviais vitais para a estabilidade do país.

Por isso, é importante defender a construção de um “Pacto Pelos Rios” – um compromisso coletivo entre sociedade civil, parlamento e Estado para garantir a aprovação e implementação do PL 2842/24. A proteção dos rios não é apenas uma questão ambiental, mas uma estratégia fundamental para garantir energia, alimentos, água potável e qualidade de vida para as futuras gerações. Com esse projeto, o Brasil tem a oportunidade de alinhar desenvolvimento e sustentabilidade, assumindo seu papel de liderança na proteção dos recursos hídricos e no combate à crise climática global.

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