A vitória de uma facção política é ordinariamente o princípio da sua
decadência pelos abusos que a acompanham.
Marquês de Maricá
Indicadores são instrumentos que permitem identificar aspectos relacionados a um determinado problema. No Brasil, a necessidade de acompanhamento e proposição de políticas públicas, desde os anos 1990, levou ao aprimoramento do uso de informação estruturada para diagnóstico e avaliação da gestão pública.
Um dos desafios da gestão estatal no Brasil é a contenção do desmatamento da Região Amazônica. Há uma anomalia extremamente grave que assola o ordenamento territorial brasileiro: o arco do desmatamento, também conhecido como fronteira da destruição. Continuamento mapeado com o auxílio de avançadas técnicas de georreferenciamento, estende-se do Acre para o oeste do Pará, ao arrepio da legislação e de acordos internacionais.
A atual destruição da floresta equivale, a cada mês, a uma área com o tamanho aproximado da cidade de São Paulo. Faz-se necessário aplicar todos os indicadores disponíveis, visando identificar a causalidade para estancar a devastação.
Um fato que chamou a atenção da mídia nacional e internacional foi o mapa de votos de Jair Bolsonaro que, no primeiro turno das eleições, foi notadamente predominante nessa região mais desmatada.
André Trigueiro, jornalista da Rede Globo, publicou o seguinte comentário: “Levantamento do @mapbiomasbrasil revela que o presidente ganhou o 1º turno das eleições em 265 municípios da Amazônia Legal (cor azul no mapa). São justamente os municípios onde ficam 70% das áreas desmatadas nos últimos 30 anos. Atual governo não reprime avanço da destruição ilegal da floresta, e conta com o apoio explícito de alguns políticos inescrupulosos da região”.
Na busca da compreensão sobre essa informação georreferenciada, esbarramos com outros indicadores que permitiram maiores detalhamentos. Dos dez municípios com maior degradação ambiental na região, oito deram vitória a Jair Bolsonaro. Também é possível constatar que, em termo comparativos, os votos bolsonaristas aumentaram expressivamente de 2018 para 2022 exatamente nas áreas com maior degradação ambiental.
Esses indicadores apontam tendência político-econômica, classificada pelo site Mídia Ninja como “bolsonarismo intrinsecamente ligado ao desmatamento e às possibilidades que advém dele”.
Mapas da região sobre a questão agrária brasileira apontam predominância de atividade agropecuária, especialmente pecuária e soja, assim como em parte da região se concentra a prática da grilagem e da mineração ilegal.
Durante o período eleitoral, o acumulado de alertas de desmatamento continua a bater recordes. Em setembro de 2022, na Amazônia, o desmatamento foi de 1.455 km², segundo dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). É o pior setembro da série histórica que começou em 2015.
As causas do aumento de 73% no desmatamento da Amazônia no atual governo são conhecidas: a falta de aplicação e anistia de multas a infratores ambientais, a fragilização dos meios de fiscalização, discursos antiambientais do governo e paralisação de mais de R$ 3 bilhões do Fundo Amazônia que apoiariam iniciativas comunitárias para conter a devastação.
Além disso, negociações políticas foram explicitadas por matérias jornalísticas investigativas ao longo dos últimos anos, referentes a facilitações para exportação de madeira, com atuação governamental para liberação de madeiras apreendidas, o que culminou com o inexplicável afastamento da autoridade policial federal responsável.
Além disso, o próprio governo americano classificou como suspeita a ação do Ministério do Meio Ambiente brasileiro na tentativa de “esquentamento de madeira” apreendida em portos americanos, denunciando o fato ao próprio governo brasileiro.
O histórico demonstra o contínuo depauperamento dos meios estatais para a contenção do desmatamento. Esse estado de anormalidade foi qualificado pela ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, como “Estado de Coisas Inconstitucional”, uma perda do controle estatal que classificou como decorrente de “cupinização institucional”.
As consequências não se restringem apenas aos danos ambientais. São caracterizadas por um quadro de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais e ligadas a condições desfavoráveis para a proteção de lideranças comunitárias e de defensores do meio ambiente. O exemplo recente mais conhecido foi o assassinato de Don Phillips e Bruno Pereira.
Ronilson Costa, da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra, afirmou recentemente: “A lógica internacional da divisão do trabalho colocou o país na posição de um mero produtor de commodities, principalmente agrícolas e minerárias…”, e concluiu: “A ausência do Estado virou um prato cheio para os criminosos”.
Segundo levantamento divulgado em setembro pela ONG britânica Global Witness, que monitora as vítimas da proteção de seus territórios e recursos naturais, o Brasil é o líder em assassinatos de ambientalistas no mundo na última década. Das 1.733 mortes registradas globalmente no período de 2012 a 2021, foram 342 no Brasil, somando quase 20% do total. Destes, mais de 85% dos assassinatos aconteceram na Amazônia e a maior parte das vítimas eram indígenas ou negros.
Maquiavel dizia que “a política tem pelo menos duas caras. A que se expõe aos olhos do público e a que transita nos bastidores do poder”. Aos olhos do público, a Fundação Nacional do índio (Funai) tem por missão institucional “proteger e promover os direitos dos povos indígenas no Brasil”. Em seu relatório de 2022, referente ao ano de 2021, o Conselho Indigenista Missionário afirma sobre o desempenho da Funai: “Está posicionada de forma alinhada e subordinada aos interesses políticos e corporativo-capitalistas que buscam, fundamentalmente, lucrar com a exploração e a drenagem dos recursos naturais presentes no interior dos territórios indígenas”.
Em consonância com os descaminhos da Funai, o mandatário da Nação afirmou que se orgulha de não ter demarcado, em sua gestão, “um centímetro de terra indígena”. De outro lado, o Papa Francisco declarou recentemente: “Devemos garantir que os indígenas não percam suas raízes e bebam sempre de suas próprias fontes”.
Centenas de campos de pouso ilegais e milhares de quilômetros de estradas clandestinas estão entremeadas dentro do arco de desmatamento, segundo o Amazon Mining Watch. A exploração ilegal em territórios indígenas está dentro de um contexto de bilhões de reais extraídos em ouro, em áreas que lideram na região o desmatamento por mineradores.
Segundo a antropóloga Luísa Molina, que pesquisa os avanços das atividades ilegais do garimpo em povos indígenas do Médio Tapajó, “não são trabalhadores humildes que usam essas pistas, são grandes empresários. Se o governo quiser combater de verdade o negócio do ouro ilegal, tem que fiscalizar a cadeia logística por terra, rio e ar. Até porque essa logística não serve apenas para a economia do ouro ilegal, mas também para tráfico de drogas e armas”.
A Amazônia merece um estudo integrado sobre os indicadores relacionados à criminalidade ambiental em conjunto com a realidade política e socioeconômica. É evidente que os detentores desses processos de degradação, bastante lucrativos, irão externar seu apoio político aos setores que promovem as facilitações para seus negócios escusos.
As mudanças no clima global se revestem hoje da maior gravidade. Os cientistas apontam que a degradação ambiental provoca a perda das condições naturais, condenando a floresta à morte lenta e inexorável.
Até parece uma ficção científica distópica onde predadores, em consonância com lideranças políticas, de forma impune, drenam recursos naturais essenciais de planetas desregrados e pouco desenvolvidos.
Mas é real. Essa distopia se abate sobre o Brasil, detentor da maior biodiversidade planetária e de uma pioneira e robusta Constituição Ecológica, ao arrepio dos direitos fundamentais ambientais e humanos, ampliando mais e mais essa vergonhosa faixa territorial brasileira fora-da-lei.
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