“(…) é inegável que a velocidade muda o modo como percebemos o que nos rodeia. Não é o mesmo a contemplação da paisagem andando a pé, de bicicleta ou de trem-bala. Quando nos deslocamos rápido, percorremos muito mais paisagens em menos tempo, mas também perdemos os detalhes do caminho”. JERUSALINSKY, J. “Intoxicações eletrônicas. O sujeito na era das relações virtuais”. Álgama, 2017.
Cronologicamente, chegamos ao final de 2021 (no nosso calendário gregoriano), um ano que para alguns nem começou e para outros não terminará no dia 31 de dezembro. Mesmo assim, somos impelidos (por vício talvez, ou porque o fim de ciclos nos inspira a isso) a fazer balanços sobre nossas metas, desejos e expectativas, quais realizamos e quais seguem no próximo ano. Conosco não é diferente, mas como grupo de pesquisa e estudos dedicado às Dimensões Humanas da Natureza, refletir sobre o tempo traz conexões múltiplas e diversas. Como as diferentes noções e percepções do tempo nos influenciam?
A percepção é um aspecto muito estudado em Dimensões Humanas, pois é por meio dela que expressamos nossas expectativas, insatisfações e julgamentos, incluindo nossa relação com a natureza, nossos valores e condutas. Cada pessoa desenvolve suas percepções a partir do espaço em que se insere e do tempo em que vive.
O tempo pode ser considerado dádiva, decisório, cruel, insignificante, implacável, raro… e tudo isso ao mesmo tempo. Talvez um mesmo tempo pareça estático para uns e fluido para outros. Não é à toa que sabemos que o tempo é relativo. Ainda assim, o tempo nos organiza: costumamos medir o tempo cronológico em segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses, anos… Seguimos contando o tempo, o tempo todo! O mundo natural não usa relógio, mas seu tempo pode muitas vezes ser considerado em ciclos: o ciclo da água, dos nutrientes nos solos; as estações do ano com suas peculiaridades; o período reprodutivo dos animais; as diferentes fases de crescimento das plantas; os processos de regeneração e sucessão naturais da vegetação, e por aí vai.
Para os humanos o tempo é um; para as árvores, rios, e animais o tempo não é só outro, como é curto – curto no que tange a urgência em entender e agir sobre as diferentes facetas da relação que nós temos com o mundo não-humano e minimizar nosso impacto nesse ambiente. O tempo se tornou ‘urgente’. E a urgência tanto nos paralisa como nos estimula. Qual a sua relação com o tempo? Como ele te impulsiona ou te martiriza?
Hoje, enquanto aceleramos o vídeo, o áudio ou o podcast, passamos cremes na pele para retardar os efeitos do tempo. Talvez uma das grandes características da nossa espécie seja essa busca por controlar o tempo, ou pelo menos a percepção que se tem dele: a nossa idade, o nosso passado, a nossa carreira, o que construímos. Muito da nossa valoração sobre as coisas traz uma determinação do tempo: recebemos dinheiro por tantas horas trabalhadas, contratamos um roteiro de viagem por tantos dias, comemoramos anos de vida e de relacionamentos… Nossa leitura do nosso papel no mundo passa pela nossa noção e concepção de tempo. Se nós, dentro do tempo que vivemos, achamos que fizemos o que gostamos, experimentamos momentos dignos de serem relembrados e rememorados, nossa vida tem maior valor, do contrário, ficamos deprimidos ou buscamos “recuperar” o tempo.
Também costumamos nos prender ao passado e ansiar pelo futuro. E por quanto tempo estamos presentes? Precisamos rever nossa relação com o tempo, torná-la saudável, fazer as pazes com nossos ritmos e processos naturais de envelhecimento. Lembremos que nossa vida não passa de uma fração de segundo quando pensada em tempo geológico. É preciso nos reaproximar e vincular com a natureza que habita nosso ser e que nos cerca. Reconectar com nossos ciclos internos e externos. Incluir a urgência da sobrevivência do mundo natural como o conhecemos dentro do tempo que ainda nos resta.
Vivemos o hoje, muitas vezes, sem perceber quanto tempo uma fruta demora no pé para nascer, amadurecer e apodrecer. Essa nossa viagem no tempo, nossa capacidade de pensar no futuro, de nos imaginarmos daqui a um ano, cinco ou dez anos, baseada em eventos passados e na nossa capacidade de lembrar e de imaginar situações passadas que não necessariamente vivemos, nos possibilita delinear a Ciência da Previsão, modelar cenários futuros, perceber como o passado e o presente geram o futuro.
Pensar o tempo nos traz a possibilidade de projetar as consequências de nossas ações, de fazer nossas escolhas, de tomar decisões olhando para o passado, equilibrando nossas demandas presentes e projetando o futuro que desejamos.
“Dizem as estrelas que os fugazes somos nós”… façamos com que as ações que realizamos nessa nossa efêmera existência contribuam para que a nossa pegada ambiental seja a mínima possível.
Observando o tempo cronológico de 12 meses, o grupo Dimensões Humanas da Natureza escreveu 11 artigos para o jornal O Eco. Todos os assuntos abordados foram norteados pelas dimensões humanas da natureza, tentando demonstrar o quanto esta linha de pesquisa é transdisciplinar, trazendo discussões atuais e “pincelando” diálogos sobre temas que iremos aprofundar em textos futuros.
Agradecemos aos que nos incluíram em suas leituras e nos deram a honra de fazer parte do seu precioso tempo. Que o próximo ciclo traga bons ventos para espalhar as sementes, chuva para hidratar a terra e acalmar o fogo, e a consciência de que somos natureza.
As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.
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Fantástico! Parabéns pelo belo texto!