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EUA e China sofrem na pele a ineficiência na política ambiental

Os dois players globais são responsáveis por 39% das emissões globais de gases efeito estufa e continuam sem trabalhar conjuntamente em função de distensões geopolíticas

12 de julho de 2023
  • Carlos Bocuhy

    Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)

China e Estados Unidos são responsáveis por 39% das emissões globais de gases efeito estufa e continuam sem trabalhar conjuntamente em função de distensões geopolíticas. Mitigar as causas do aquecimento global certamente passará pelo protagonismo colaborativo desses gigantes econômicos.

Além da guerra da Ucrânia, que dividiu as forças políticas Ocidente-Oriente, Taiwan segue também como ponto nevrálgico da tensão geopolítica global. Em agosto de 2022, a democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, visitou Taiwan sinalizando apoio americano contra os interesses da integração continental manifestada pela China. A consequência foi o congelamento do diálogo entre os países, às portas da cúpula global do clima, COP 27, que ocorreu no Egito.   

Nesta semana, John Kerry, enviado especial da presidência norte-americana para mudanças climáticas, visitará a China para se reunir com seu homólogo da China, Xie Zhenhua. Enquanto isso, os efeitos da mudança do clima se abatem implacavelmente sobre os Estados Unidos. O centro-oeste americano está literalmente fritando de calor e o serviço meteorológico informa que “condições de calor muito perigosas a potencialmente fatais são esperadas até a próxima semana”.

Na China não é diferente. Os alertas meteorológicos apontam que a temperatura no norte do país deverá ultrapassar, de forma incomum, os 40 graus Celsius. A conta das mudanças climáticas será elevada. Na última semana, tempestades afetaram 460 mil pessoas ao arredor de Sichuam e 85 mil pessoas foram obrigadas a abandonar suas casas. Em 2022, cerca de 3,6 milhões de chineses foram deslocados em função de eventos climáticos extremos.

Nos Estados Unidos, a região nordeste continua a respirar a intensa nuvem de fumaça proveniente das queimadas do Canadá. Dados oficiais mostram que 7,5 milhões de residências estão em risco diante de chuvas intensas, mas entidades apontam o “risco oculto”, onde estão subestimados mais 9 milhões de imóveis, que não foram relacionados. Nesta semana, as inundações ocorridas no Estado de Vermont corroboraram essa lacuna de vulnerabilidades. Os danos em moradias se deram em número três vezes maior do que apontava o mapa de riscos oficial.

Janet Yellen, secretária do Tesouro norte-americano, afirmou que Estados Unidos e China devem liderar conjuntamente o combate às mudanças climáticas, e que a China deveria ter “maior impacto” no combate ao aquecimento global trabalhando com as outras nações.

Segundo a presidente da ONG Earthjustice, Abigail Dillen, os Estados Unidos também estão ficando em débito com os compromissos para conter as mudanças climáticas. Recentemente, o governo americano aprovou o projeto Willow, no Alaska, perfurações para extração de petróleo em território federal, o que o presidente Joe Biden havia se comprometido a não fazer.  

A Global Energy Monitor, da Califórnia, publicou um estudo em abril de 2023 apontando a defasagem entre a política energética da China e os objetivos estabelecidos no Acordo de Paris. Segundo a pesquisadora Flora Champenois, o fim da operação das centrais a carvão até 2040 exigiria a supressão gradual de 117 GW de capacidade média por ano.

Mas na verdade a China está turbinando o uso do carvão. A Climate Action Network aponta que até duas licenças ambientais por semana vêm sendo concedidas para novas usinas termelétricas, o que faz com que a geração chinesa de algumas províncias já esteja superando a geração de países inteiros. A China opera hoje cerca de 3.803 minas de carvão e tem previsão de explorar mais 657, seguida de longe pela Austrália, que opera 524 e tem previsão de mais 175. 

Frans Timmermans, vice-presidente da Comissão Europeia, disse em Pequim que “a China está disposta a ir na direção certa”, mas apontou a incongruência de que “ao mesmo tempo, mais usinas a carvão são abertas”.

A China, como o maior emissor de GEE do planeta, já deveria estar assumindo sua responsabilidade para a reparação de perdas e danos climáticos globais. Por uma questão de coerência, sua responsabilidade é da ordem de aproximadamente um quarto (26%) dos impactos econômicos sofridos pelos países menos desenvolvidos e pequenos países insulares, equação que também deveria balizar as responsabilidades dos demais grandes emissores, como Estados Unidos (13%).    

O jornal francês Le Monde está publicando neste mês uma série de 11 capítulos enfocando diversas agendas de adaptação climática. O diferencial é que o jornal decidiu ultrapassar a lógica da quase impossível manutenção de 1,5 grau Celsius de aquecimento médio pós-período industrial até 2100, conforme registra o Acordo de Paris.

Diante da inércia dos players globais responsáveis pela contenção de lançamento dos gases efeito estufa, o Le Monde propõe uma reflexão sobre adequações e financiamentos necessários para enfrentar o cenário de 4 graus Celsius de aquecimento médio para o próximo século, o que exigiria esforços cujas bases devem ser lançadas agora.

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