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Guardiões dos pirarucus

Como os Paumari recuperam os lagos e transformam a pesca do pirarucu em um modelo sustentável que protege o peixe e fortalece suas comunidades

1 de dezembro de 2025
  • Adriano Gambarini

    Fotógrafo profissional desde 1991. Vencedor do Prêmio Comunique-se, é geólogo de formação, com especialização em história natural e espeleologia, autor de 20 livros e diretor de dezenas de documentários.

Eles são conhecidos como o povo das águas, mas poderiam facilmente ser batizados como guardiões dos lagos – ou melhor, dos pirarucus. O povo indígena Paumari, da região do Rio Tapauá, Estado do Amazonas, carrega na história a fama de serem exímios pescadores, principalmente dos gigantes das águas amazônicas. 

Em pequenas canoas e com arpões de quatro metros de comprimento, ficavam horas estudando os hábitos do peixe, que tem o comportamento de boiar em intervalos definidos para suas respirações. Quando o peixe subia à superfície para respirar, o movimento do arpão era certeiro. Uma tradição passada por gerações. 

Mas no contato cada vez maior com os brancos, os Paumari acabaram permitindo que pescadores profissionais entrassem nas dezenas de lagos que permeiam suas terras, causando um imenso impacto e declínio na população de pirarucus. Com o apoio da Organização Indigenista mais antigas do país, a Operação Amazônia Nativa (OPAN), os Paumari proibiram a pesca predatória em suas terras durante quase uma década e fizeram vigilância para que não houvesse novas invasões. Abandonaram a velha tradição do arpão e começaram a usar enormes redes de pesca. Com a recuperação gradativa das populações, se tornaram parte do que hoje é uma atividade consolidada no Estado do Amazonas – o manejo sustentável do pirarucu. Com isto, possibilitou que o estoque de peixes aumentasse consideravelmente para contabilizarem, atualmente, um aumento de mais de 600% em 16 lagos monitorados. 

Um dos maiores lagos na TI Paumari, onde os indígenas fazem vigilância e pesca. Foto: Adriano Gambarini.

Juntamente com outras comunidades ribeirinhas e associações, estabeleceram um protocolo extremamente organizado de pesca, onde todas as etapas, do manejo à vigilância comunitária, a retirada do peixe do lago, o transporte e limpeza até o congelamento, são vistoriados e rigorosamente cronometrados. 

As mulheres também começaram a participar ativamente de todas as etapas da produção, proporcionando que o peixe manejado, organizado através do Coletivo do Pirarucu, constituísse o chamado “Pirarucu Selvagem”, para que fosse aceito pelos grandes centros consumidores de outras regiões brasileiras, aliando ainda o apoio de alguns chefs da alta gastronomia. E, assim, criando uma consciência baseada no consumo consciente, no respeito e valorização das cadeias produtivas de produtos da floresta, as populações tradicionais se vêem cada vez mais valorizadas, fortalecidas e unidas para manter aquela que é a maior floresta tropical do mundo. 

Meu primeiro trabalho de documentação dos Paumari foi em 2013, e ao longo dos anos acompanhei a evolução e profissionalismo do seu trabalho no manejo do pirarucu. 

Gradativamente fui conhecendo novos lugares, dos lagos de Mamirauá ao Rio Juruá, sempre no propósito de documentar, da melhor forma possível, uma cultura centenária que está possibilitando aos povos da floresta se manterem nela. 

É fascinante e inspirador ver tais comunidades tomarem suas próprias tradições nas mãos, perceberem o poder que carregam e o imenso valor destas cadeias produtivas. É fundamental, para que o mundo moderno continue existindo, que saibamos a origem dos produtos que consumimos. De onde vem, quem está na ponta inicial desta produção, qual é o benefício estrutural e econômico para todos os envolvidos. Pensar coletivamente é a única forma de continuarmos existindo neste ainda maravilhoso planeta.  

Embarcação típica dos Paumari no Rio Purus. Foto: Adriano Gambarini.
Pesca de Pirarucu pelos Paumari. Foto: Adriano Gambarini.
Pesca com redes em lago na TI Paumari. Foto: Adriano Gambarini.
Pesca com redes. Foto: Adriano Gambarini.
Foto: Adriano Gambarini.
A tradicional pesca com arpão, não mais adotada no manejo, exigia muita paciência e conhecimento sobre o comportamento do pirarucu. Foto: Adriano Gambarini.
Pesca antiga com arpão. Foto: Adriano Gambarini.
Povo indígena Deni, uma das primeiras etnias a fazer o manejo do Pirarucu. Foto: Adriano Gambarini.
Pesca na Comunidade São Sebastião do Repartimento, AM. Foto: Adriano Gambarini.
Um pirarucu pode chegar a mais de 2.00 mt de comprimento. Peixes neste tamanho não estão sendo mais pescados no Manejo do Pirarucu, com o intuito de manter as matrizes vivas e aumentar a reprodução. Foto: Adriano Gambarini.
Povo indígena Deni transportando o piracuru em canoas típicas. Foto: Adriano Gambarini.
Pesca na Comunidade São Sebastião do Repartimento, AM. Foto: Adriano Gambarini.
No início do Manejo, os Paumari usavam pequenas canoas de madeira. Foto: Adriano Gambarini.
Pirarucu pescado na Comunidade São Sebastião do Repartimento, AM. Foto: Adriano Gambarini.
Sara Paumari, com brinco feito com a escama do Pirarucu. Foto: Adriano Gambarini.
A pesca do pirarucu segue padrões e medidas especificas determinadas pelo Ibama. Foto: Adriano Gambarini.
Etapa da limpeza do peixe antes de entrar na área de limpeza e evisceração. Foto: Adriano Gambarini.
Limpeza dos pirarucus realizados pelos Paumari. O processo desde a pesca, limpeza e armazenamento dos peixes no gelo não passa 3 horas. Foto: Adriano Gambarini.
Processo de limpeza do Pirarucu. Uso de equipamentos pra evitar a contaminação do peixe. Foto: Adriano Gambarini.
Etapa final do manejo, com o resfriamento dos pirarucus em barcos frigoríficos. Foto: Adriano Gambarini.

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Comentários 1

  1. Excelente conteúdo!!! Que bom que você está de volta aqui!