Para alguns ambientalistas o eucalipto é um dos piores inimigos da natureza. Querem que o eucalipto seja destruído, extirpado ou, pelo menos, banido da face do Brasil. O acusam dos crimes mais odiosos, desde ter destruído a Mata Atlântica, assassinar outras espécies e esterilizar as terras roubando sua água até de ser um agente do imperialismo (australiano, neste caso) disfarçado de verde.
Não se sabe de onde vem esta raiva contra o eucalipto, cuja máxima expressão foi o intento, poucos anos atrás, de proibir seu cultivo no estado do Espírito Santo. Mas, na defesa de alguns ambientalistas que sofrem desse persistente trauma mental, deve-se reconhecer que existe um antigo debate entre os profissionais florestais sobre o comportamento do eucalipto em condições diversas de solo e de clima. O Departamento Florestal da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) tem dedicado muitos meses de consultoria de grandes especialistas mundiais – que produziram sisudos relatórios técnicos – e organizado vários eventos para analisar e debater os resultados. Nenhum dos profissionais consultados, em momento algum, achou que o eucalipto é uma planta maldita ou “antiecológica”. Apenas discutiram quais são as condições ecológicas onde essa árvore pode ser mais, ou menos, conveniente. Especialmente em termos de conservação de solos e de seu impacto sobre outras espécies.
O eucalipto (Eucalyptus) não é apenas uma espécie, e sim, cerca de 800 espécies. Todas originárias da Austrália, algumas extensamente cultivadas no mundo hoje, especialmente na América Latina, aonde chegaram no século XIX. Portanto, os riscos ambientais do eucalipto são, a priori, os mesmos que os que provocam qualquer outra planta exótica importada pelos colonizadores ou pelas nações da região. Por isso, chama a atenção o fato de que alguns ambientalistas se preocupem tanto com o eucalipto e não com os impactos de tantas outras plantas exóticas cultivadas, como o café, a cana-de-açúcar e também a soja, que ocupam espaços muitas vezes maiores que o eucalipto. São milhares as plantas exóticas introduzidas no Brasil ou transportadas de regiões diferentes do país para outras áreas, inclusive centenas de árvores madeireiras ou ornamentais. Por exemplo, não se explica o ódio contra o eucalipto e o amor pelos pinheiros do gênero Pinus, que são igualmente exóticos.
Voltando ao eucalipto, foi constatado e confirmado que, quando cultivado em condições extremas, especialmente com largos períodos de déficit hídrico no solo, algumas espécies deste são extraordinariamente bem sucedidas na captação de água, reduzindo a dotação desta para outras plantas. Sabe-se, ainda, que outras espécies de eucalipto podem eliminar plantas competidoras por outros métodos. Essa capacidade faz com que o eucalipto, nessas condições de clima, não seja uma boa opção em pendentes ou outras situações onde existe a possibilidade de erosão dos solos. Porém, a única coisa que essas habilidades indicam é que o eucalipto é uma planta com boa capacidade de superar condições extremas do meio. Além disso, trata-se de uma planta muito resistente a pragas e enfermidades, de rápido crescimento e altamente produtiva. Ademais, o Brasil tem investido muito e realizado grandes progressos no melhoramento genético do eucalipto e no que se refere às técnicas de cultivo desta árvore e de manejo das suas florestas. O eucalipto, como o café, a cana-de-açúcar e a soja, ou como as laranjeiras, mangueiras, parreiras e limoeiros, está no Brasil para ficar.
Uma das acusações mais freqüentes dos ambientalistas contra o eucalipto é que “esteriliza” o ambiente. Bom, é óbvio que uma floresta cultivada de eucalipto, sendo uma monocultura, é biologicamente menos diversa que as florestas da Amazônia, ou da Mata Atlântica, ou que o Cerrado. Embora, outra vez, ela não seja pior que uma monocultura de soja ou de café (sem árvores para sombra). No entanto, diversos estudos recentes demonstraram que plantações de eucalipto que respeitam o código florestal, ou seja, que dispõem de reserva legal e cuidam das áreas de preservação permanente, podem manter grande parte da biodiversidade original. O maior espaçamento entre árvores é um fator que contribui para facilitar a conservação da biodiversidade.
Um estudo de Paulo de Tarso Zuquim Antas e Auro Campi de Almeida (Aves como bioindicadores de qualidade ambiental. Aplicação em áreas de plantio de eucalipto, Aracruz/Funatura, Espírito Santo, 2003), com 10 anos de observações numa microbacia de 286 hectares (189 ha de eucalipto e 89 ha de floresta nativa), pertencente à Aracruz Celulose, demonstrou a ocorrência de 204 espécies de aves. Destas, 85 usavam os recursos da floresta de eucalipto e os da mata nativa, existindo indivíduos que incluíam os talhões de eucalipto nos seus territórios. Mais importante ainda é o fato de que a curva de acumulação de espécies é igualável a de outras áreas de florestas tropicais da América do Sul e Central. O número de espécies encontradas nas redes foi de 75 por cada 550 capturas. Isto, para dar um exemplo, é mais do que se constata nas florestas naturais ao redor de Manaus. Evidentemente, a colheita da madeira ocasiona transtornos na população que, nesse lapso, retorna ao mato original ou a talhões de eucalipto em crescimento, ainda que o espaço aberto abrigue outro grupo de espécies.
O que o estudo anterior demonstra é que o cultivo de eucalipto, quando é bem feito e respeitando a legislação florestal, está muito longe de ser um esterilizador biológico. Outros numerosos estudos provaram que, muito pelo contrário, os plantios de eucalipto corretamente manejados podem ser um bom aliado da conservação da natureza. Há poucas semanas, em outra empresa florestal, foi encontrada uma feliz família de pumas (suçuaranas), bem resguardada sob os eucaliptos. É muito duvidoso que fatos como esse se constatem nos milhões de hectares cultivados com soja, cana ou algodão no Brasil, inclusive na perspectiva de que se respeite a legislação, o que não é o caso. Com efeito, unicamente os pesticidas utilizados nestes cultivos já envenenariam as aves e demais animais.
É possível que a confusão na cabeça desses ambientalistas venha do fato, bem conhecido, que no Chile a expansão do cultivo do eucalipto, mediante incentivos públicos, foi feita desmatando áreas de floresta nativa que previamente eram exploradas por corte raso. Isso foi um desastre ambiental de proporções continentais. Coisa semelhante, ainda que em escala menor, aconteceu no Brasil com o programa de incentivos para reflorestamento dos anos 1960s a 1980s. Maus “empresários” aproveitaram-se da falta de controle para violar a lei e fazer um caixa dois com o dinheiro público. Isso não deveria ter acontecido, é verdade, mas isso agora é parte da história. Contrariamente, nos Andes tropicais da Bolívia, Peru, Equador e Colômbia, o eucalipto tem sido uma árvore milagrosa a quem seus habitantes devem muito do pouco que têm. Ali, também, foi introduzido pelo pessoal das empresas de mineração, mas rapidamente foi adotado pelas comunidades camponesas e hoje é dominante na paisagem. O mais curioso é que, nas extremas condições andinas, é comum que o eucalipto provoque exatamente o que se reprova no eucalipto no Brasil – onde isso acontece raramente – ou seja, erosão dos solos. Ainda assim, o eucalipto é uma árvore bendita e, nem os ambientalistas se atrevem a falar mal dela em voz alta, embora, em surdina, reclamam que, no lugar do eucalipto, deveria se promover o plantio de espécies nativas (Polylepis e Buddleia) e isso realmente está sendo feito. Só que, o eucalipto se desenvolve de três a cinco vezes mais rápido e oferece toras retas ao invés de madeira retorta. E, nesses países, onde as condições de solo e clima são boas, o eucalipto é muito amável com as outras espécies de plantas e animais, que convivem bem com ele.
O Brasil, como o resto da América Latina, dispõe de milhões de hectares dedicados a uma pecuária extensiva de baixo valor e de milhões de hectares de solos degradados que poderiam produzir muito mais e de forma ambientalmente muito mais adequada (por exemplo, controlando a erosão, fixando dióxido de carbono, regulando o fluxo hídrico) com plantios de eucalipto (ou de outras espécies florestais, nativas ou exóticas). Diga-se de passagem, nada é mais deprimente que sobrevoar de helicóptero o interior do norte do estado do Espírito Santo e observar tantas e magníficas lagoas rodeadas de terras desmatadas e semi-abandonadas a perder de vista. Seguramente, estariam muito melhor com florestas, ainda que fossem de eucaliptos. De outro lado, nada impede que sejam feitas plantações misturadas de maneira a evitar os riscos potenciais da monocultura. No entanto, isso é mais caro e complexo de se fazer. O argumento dos profissionais e empresários florestais de que a disponibilidade de madeira de plantios – mais barata e homogênea que a das florestas naturais – alivia a pressão sobre as florestas nativas é, sim, perfeitamente válida.O que não pode acontecer é a repetição do mau exemplo dado décadas atrás pelo Chile e o Brasil, derrubando mata natural para plantar eucalipto e pinheiro.
Concluindo, demonizar ou beatificar o eucalipto é absurdo. O coitado é apenas uma planta que se comporta como pode e em função de onde é plantado. O eucalipto, suas diversas espécies e variedades, guardando as devidas proporções, é como uma arma de fogo ou uma estrada ou qualquer outra obra ou invenção humana: depende de como é utilizado. Os ambientalistas devem, portanto, procurar fazer com que o eucalipto seja utilizado corretamente, com respeito à legislação florestal, combinando o plantio bem manejado com áreas preservadas de mata natural e, se for o caso, em plantações mistas. Isso sim é indispensável para evitar que a história se repita e que a cada vez mais rara floresta nativa seja substituída por eucaliptos.
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