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Admitiram o erro?

Na surdina, Ibama e Instituto Chico Mendes selam acordo para unir atribuições divididas e criticadas por ambientalistas e servidores. Eles avisaram que não ia dar certo

10 de dezembro de 2007 · 17 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

João Paulo Capobianco, presidente interino do ICMBio. Foto: wiebkehere/Flickr

O que está acontecendo, é mesmo, inacreditável. Após criarem o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, os mesmos que o fizeram, contrariando o senso comum e todo mundo, na prática, estão desfazendo tudo o que foi feito. É inacreditável, a ponto de se perguntar: O quê? Como foi a frase pronunciada por um amigo meu retratando seu espanto, quando eu lhe informei que nossas autoridades ambientais tinham, através de atos normativos, unido novamente as atividades do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), com as do novo Instituto Chico Mendes.

Confirmando nossas previsões, o fato ocorreu. Quase na surdina, como dói acontecer, pois em 19 de novembro deste foi assinado um acordo entre o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade objetivando “suporte técnico e administrativo”. Assinaram tal acordo o Presidente Substituto do Ibama, Bazileu Alves Margarido, e o Presidente Substituto do Instituto Chico Mendes, João Paulo Capobianco. Desculpem a repetição de tanto substituto, mas é assim, os principais órgãos de meio ambiente do Brasil, responsáveis em resguardar nosso enorme patrimônio natural, só têm substitutos. Como todos sabem o Ibama foi criado pela Lei 7.735 de 22 de fevereiro de 1989 e o Instituto Chico Mendes, por MP 336 de 26 de abril, aprovada e ratificada pela Lei 11.516 de agosto de 2007.

Ao se ler tal acordo que dispõe sobre as obrigações dos dois órgãos envolvidos, já se percebe claramente que o mesmo foi concebido para fazer funcionar o novo instituto, que saiu do antigo, pois ficou claro que como foi estabelecido atabalhoadamente não poderia funcionar mesmo. Este acordo ressalta a inoportunidade do estabelecimento do novo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e sua impossibilidade de funcionamento da forma como foi concebido. As obrigações do Ibama vão dos itens “a” a “o”, enquanto as do Chico Mendes vão de “a” a “e” e se restringem em “apoiar” o Ibama para fazer o que é da atribuição legal do Instituto Chico Mendes. O acordo é previsto para dois anos. Aqui se pergunta o que já foi exaustivamente questionado: por que antes de se criar o Instituto Chico Mendes não se planejou mais demoradamente e com maior participação dos setores envolvidos nesta divisão, que só fez enfraquecer os dois órgãos?

Para culminar com o sacramentado na novíssima união, foi publicada pelo Diário Oficial da União, a Portaria Conjunta nº. 06, na Seção 2, nº. 233 de quarta feira, 5 de dezembro de 2007. Preciso lembrar nesta altura a reação que tive na coluna publicada aqui em O Eco em 1/05/2007 quando foi criado o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade: “… Assim, somando-me a outras vozes, desejo expressar a minha revolta e protesto por uma decisão que julgo apressada, infortunada e prejudicial…”

O Instituto Chico Mendes não é o que nós, os que lutamos tanto por proteger o patrimônio natural do Brasil, procurávamos. É quase a antítese de nossos anseios. É um novo monstrengo que dificultará ainda mais o esforço de conservação da natureza neste país, erro que se comete precisamente quando é evidente que o futuro dos brasileiros e da humanidade depende de se multiplicar os esforços para proteger a natureza.

O governo, quebrando todas as suas promessas e demandas de participação e transparência, fez, na calada da noite, o que bem quis, sem dar a mais mínima oportunidade de intervenção da sociedade civil. Assim mesmo, descartou com um golpe temerário, qualquer contribuição dos que conhecem de perto o problema, inclusive dos funcionários do próprio Ibama. Triste exemplo de democracia. Mas, na verdade, apenas um a mais nestes longos anos, coroados pelo “domínio brasileiro” sobre os biocombustíveis.

“As finalidades, essencialmente políticas das reservas extrativistas e econômicas das florestas nacionais, nada têm em comum com a finalidade conservacionista dos parques e reservas biológicas e de outras categorias ali reunidas”

O que não vai funcionar no “Chico Mendes”? Tudo. As finalidades, essencialmente políticas das reservas extrativistas e econômicas das florestas nacionais, nada têm em comum com a finalidade conservacionista dos parques e reservas biológicas e de outras categorias ali reunidas. As técnicas de manejo de reservas extrativistas e florestas nacionais são radicalmente diferentes das requeridas nas outras categorias. Sua missão é produzir bens para beneficio direto das populações que nelas, ou perto delas, moram. Existem para produzir madeira, borracha, castanha, pescado, carne de animais silvestres e outras dezenas de produtos que o mercado requer, para fazer dinheiro e para melhorar os ingressos das populações nelas residentes. As reservas extrativistas permitem fazer agricultura e pecuária e, como bem se sabe essas atividades já são dominantes nas reservas do Acre e de outros estados e são incontroláveis, pois são mais rentáveis que o extrativismo. As reservas extrativistas podem contribuir, discreta e momentaneamente, para frear o avanço da soja e dos outros cultivos para matéria prima de biocombustíveis, que o governo promove atabalhoadamente. Mas, até quando? É óbvio que, a médio e longo prazo, não existirá diferença entre essas reservas e a paisagem agropecuária dominante na região. Na realidade, como tantas vezes demonstrado, o valor ambiental das reservas extrativistas é canto de sereia para se fazer uma reforma agrária branca. Tudo bem, nada contra estes objetivos, mas o que isso tem a ver com as unidades de conservação da natureza?

As florestas nacionais são concebidas e estabelecidas com o objetivo de contribuir para regular o mercado nacional de madeira. Foram desenhadas para a exploração florestal com a finalidade de abastecer mercados. Claro que, em termos de biodiversidade, é melhor uma floresta nacional, inclusive se ela for de eucalipto ou outras exóticas, que um cultivo de soja ou algodão. O mesmo é verdade para as reservas extrativistas. Mas, não dá motivo para se considerar que sejam unidades de conservação da natureza. Não o são mesmo, menos ainda quando serão outorgadas concessões a empresas privadas, através do novo Serviço Florestal. Nada têm a ver com uma unidade de conservação que são estabelecidas expressamente para conservar a biodiversidade e que, por esse motivo, só podem ser exploradas de forma indireta, como no caso do turismo. O fato de que algum iluminado, no afã de fazer acreditar ao mundo que o Brasil protege muita terra, incluir reservas extrativistas, florestas nacionais e outras categorias esdrúxulas como “unidades de conservação”, não muda a evidência de que elas não têm a conservação por finalidade principal e que a cada dia contribuem menos para com este objetivo.

Juntar funções tão díspares em só uma instituição vai provocar como já era o caso no Ibama, que se favoreçam umas mais que as outras. E, quem pode duvidar? As favorecidas serão as reservas extrativistas, levando-se em conta o amor irrestrito que o PT tem por essa sua criatura, por motivações essencialmente políticas. Também terão prioridade as florestas nacionais, porque essas podem significar muito dinheiro para os mais diversos bolsos. Assim, o Instituto Chico Mendes, supostamente para conservar a biodiversidade nacional, será, na realidade, fonte de negócios baseados na exploração “sustentável” dos recursos naturais, algo que ninguém conseguiu fazer até o presente, ao invés de proteger a biodiversidade. A pergunta é por que essas reservas e florestas precisam de dinheiro público se é dito que têm por propósito produzir renda a seus usuários? Esses recursos são indispensáveis para as áreas destinadas à preservação permanente, pois elas, sim, não têm possibilidade de produzir renda na base do uso direto e, para obtê-las de fonte indireta, como com o turismo, precisam de importantes investimentos prévios.

A medida provisória deixa inúmeras dúvidas sobre outras tarefas importantes do Ibama atual. Por exemplo, aonde vai ficar a responsabilidade pela gestão da fauna silvestre, pela gestão do entorno das unidades de conservação, pelos corredores ecológicos, pela pesquisa em recursos biológicos ou pelo patrimônio genético nas áreas protegidas? Quem vai se preocupar pelos aspectos legais de criação, regularização fundiária, usos, etc., posto que aparentemente o novo Instituto não vá ter procuradoria, que permanece no Ibama? E como vai ser exercido o poder de polícia nas unidades de conservação se a Diretoria de Fiscalização continua no Ibama? E as superintendências, terão ou não terão mais qualquer ingerência nas unidades de conservação? E as reservas privadas, será que terão o espaço que merecem no esquerdista Instituto Chico Mendes? É muita pergunta importante sem resposta. A pressa por fazer reforma, qualquer que seja, conquanto seja grande e satisfaça o Poder, parece ter feito esquecer a responsabilidade com que assuntos tão sérios deveriam ter sido tratados…. Por enquanto, ficamos à espera que o futuro próximo permita remediar este despropósito… Um instituto que começa como um sapo feio e ignoto, que temos de tragar, pode demorar a decolar ou nunca voar. “Que nos ajude o espírito de Santos Dumont, ou o de Rebouças, ou o de José Bonifácio.”

Isso foi escrito em maio deste mesmo ano em que, através do acordo e portaria mencionados, se une praticamente as atividades e atribuições dos dois órgãos, que estavam com dificuldades de agir separadamente. A realidade confirmou nossas previsões e advertências. Se nós ambientalistas, bem como os funcionários do então Ibama fomos radicalmente contra a divisão, por prevermos sua inexequibilidade da forma como foi executada, por que as autoridades governamentais erraram tanto?

*Editado às 19h16, do dia 10/02/2021, para melhoria da diagramação e recorte de fotografias. O texto não foi alterado.

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