Reportagens

Divórcio mal resolvido

Reestruturação do Ibama tem problemas que vão muito além da greve dos funcionários. Autonomia financeira e administrativa do Instituto Chico Mendes está longe de ser realidade

Redação ((o))eco ·
9 de julho de 2007 · 17 anos atrás

Já se passaram pouco mais de dois meses desde a edição da Medida Provisória 366, que criou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e retirou do Ibama diversas atribuições na gestão ambiental do país. É difícil fazer um balanço do que realmente funciona neste novo órgão, pois os funcionários do Ibama paralisaram suas atividades em protesto à divisão de funções. Mas as promessas feitas pelo Ministério do Meio Ambiente na ocasião do lançamento do instituto não estão sendo cumpridas. O novo instituto não estruturou sua autonomia financeira e a meta de nomear até agosto chefes para todas as unidades de conservação está bem longe de ser alcançada.

O Instituto Chico Mendes deve ter autonomia apenas a partir de 2008. Por enquanto, ele permanece totalmente atrelado ao Ibama. Os funcionários da Diretoria de Administração e Finanças (Diraf) e da antiga Diretoria de Gestão Estratégica estão trabalhando para os dois órgãos. A estrutura já é mínima, pois nas convocações de novos funcionários para o Ibama não houve a contratação de pessoal para as duas diretorias. Existem cerca de 45 servidores em cada departamento. Para piorar, há no quadro técnicos algumas pessoas perto da aposentadoria. Em resumo, com o desmembramento do Ibama, áreas que funcionavam mal, tiveram o trabalho aumentado.

A estrutura do novo instituto é virtual. A divisão orçamentária que o Ministério do Meio Ambiente pretende aplicar vai retirar 40% da folha de pagamento do Ibama. Mas como foi criado, na medida provisória, sem instrumentos administrativos – por exemplo, apenas recentemente foi criado o seu CNPJ – o novo órgão tem sérios problemas de sustentação financeira. Toda a arrecadação de parques nacionais está indo para a caixa do Ibama. O mesmo se aplica ao dinheiro das compensações ambientais, que ficou todo com a diretoria de licenciamento do Ibama. Um funcionário do administrativo que prefere não se identificar afirma que não sabe como será possível passar estes recursos ao Chico Mendes depois. “Quem pensou esta divisão fez uma coisa bem amadora”, critica.

Planos de manejo parados

Existem outras áreas de atuação do Ibama que estão sendo claramente prejudicadas pelo impasse que se formou com a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e a greve dos funcionários. Segundo levantamento feito pelos grevistas, 38 planos de manejo de unidades de conservação que estavam em elaboração foram interrompidos. Todos os investimentos em infra-estrutura dos parques nacionais, como nos Lençóis Maranhenses e Serra das Confusões (PI), também pararam. Além disso, houve o cancelamento de licitações, como a do bondinho do Parque Nacional da Floresta da Tijuca (RJ).

Os funcionários que deveriam atuar pelo novo instituto se consideram atrelados ao Ibama pois não houve qualquer orientação sobre os postos que devem ocupar. Embora autoridades do ministério tenham afirmado que o corpo funcional que trabalha com conservação no Ibama seria automaticamente transferido ao recém-criado instituto, isso não está escrito na Medida Provisória ou em qualquer portaria ministerial. O técnico da antiga Diretoria de Ecossistemas (Direc) do Ibama, Francisco Livino, que faz parte do comando de greve, afirma que a criação do Chico Mendes acaba com a unidade que havia entre a Direc e área de fiscalização, coordenada pela Diretoria de Proteção Ambiental. “As diretorias estavam atuando em parceria, mas não é isso que vai acontecer se realmente houver a divisão [do Ibama]”, pontua Livino.

Os casos mais claros de desarticulação entre as áreas de fiscalização, que permaneceram sob controle do Ibama, e a parte de conservação, agora sob alçada do Instituto Chico Mendes, estão em grandes operações previstas na Amazônia. Em junho deste ano, o Ibama iniciaria ação contra grileiros e madeireiros ilegais que ocupam parte da Estação Ecológica da Terra do Meio, no Pará, uma das maiores unidades de conservação do Brasil, com cerca de quatro milhões de hectares. Criada em 2005 após a morte da missionária Dorothy Stang, a Terra do Meio só recebeu ação de reconhecimento no fim de 2006. A entrada do Ibama, com a Polícia Federal e o Exército daria continuidade ao controle da área, mas a MP 366 parou o processo.

“O país e as unidades de conservação não suportam uma aventura como essa”, diz o presidente da Associação dos Servidores do Ibama (Asibama), Jonas Corrêa. Segundo ele, existem ainda muitas outras indefinições nas ações do Instituto Chico Mendes. Um dos exemplos que mais preocupam é sobre a atuação do Prevfogo, a divisão responsável pelo combate a incêndios em unidades de conservação. Apesar de sua competência, o departamento ficou ligado ao Ibama. Em reuniões, a direção do ministério tem afirmado que o Ibama e o Chibio poderão firmar termos de cooperação para que o Prevfogo possa atuar nos parques e reservas. “Se vai ser tudo à base de termos de cooperação por que separar o que já estava funcionando junto?”, questiona Corrêa.

Até o momento a divisão do Ibama não atrapalhou os trabalhos do Prevfogo nas unidades de conservação. De acordo com o coordenador do departamento, Elmo Monteiro, brigadistas estão sendo contratados normalmente para atuarem nesta temporada das queimadas. Cerca de 390 profissionais já estão treinados para combaterem incêndios neste ano. Monteiro afirma que ainda não sabe como o Prevfogo atuará quando o Chibio realmente começar a funcionar, mas acha que não haverá problemas em estabelecer cooperação. “Creio que simplesmente um documento da ministra poderá resolver a situação”, pondera.

Licenciamento

Circula entre as organizações ambientalistas um comentário de que os mentores da criação do Instituto Chico Mendes, a ministra Marina Silva e seu secretário-executivo, João Paulo Ribeiro Capobianco, deveriam agradecer todos os dias aos grevistas do Ibama. A razão para isso é de que com a greve, as verdadeiras deficiências do novo órgão ficaram ofuscadas. Por exemplo, a descentralização de recursos da sede do Ibama para os unidades de conservação gerenciadas pelo Ibama não havia sido feita até maio deste ano. Muitos escritórios não tinham recursos para pagar gasolina para rondas e fiscalizações. A chegado do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade tornou este processo ainda mais burocrático, mas a demora no repasse acabou sendo atribuída à greve.

Mas a Asibama tem batido forte em um ponto que garante será um problema quando o novo instituto efetivamente entrar em campo (no momento a MP 366 espera por aprovação final no Congresso). Nos argumentos de Corrêa e Livino, do comando de greve, será inevitável que ocorra um aumento nos procedimentos para obtenção de licença ambiental, uma vez que o instituto terá que ser consultado em caso de empreendimentos que causem danos a ecossistemas preservados ou espécies da fauna ameaçadas de extinção. A compensação ambiental, por exemplo, continua a ser uma decisão da área de licenciamento do Ibama, mas que não poderá ser instituída sem pareceres técnicos do Instituto Chico Mendes. Para a Asibama isso acarretará, além de morosidade, perda de qualidade no licenciamento.

O Ministério do Meio Ambiente não parece muito preocupado em explicar para seus funcionários nem para a sociedade como estes problemas vão ser solucionados. No Ibama, segundo sua assessoria de imprensa, a orientação é de que ninguém da presidência ou das diretorias fale com jornalistas. Respostas devem ser procuradas no gabinete da ministra. Já no ministério, a única pessoa indicada para dar explicações é o secretário-executivo Capobianco. Mas, de acordo com a área de comunicação, ele esteve em viagem oficial à Turquia durante toda a semana passada e nestes dias não retornou aos pedidos de O Eco. Não deixa de ser surpreendente, portanto, que uma reestruturação institucional que envolva cerca de seis mil funcionários só possa ser explicada por uma pessoa.

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