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O Brasil na mira da regularidade ambiental chinesa

De olho no mercado chinês e suas recém adquiridas preocupações ambientais, Brasil deve adequar suas cadeias de produção de carne e soja

6 de abril de 2023 · 1 anos atrás
  • Carlos Bocuhy

    Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)

A visita do governo Lula à China na próxima semana inaugura nova trajetória brasileira em direção ao mercado chinês, que passa por forte tendência de transição ecológica. Assessores da área ambiental têm alertado empresas da China para iniciarem imediatamente sua adaptação aos regramentos climáticos, evitando bruscas mudanças no futuro.

O Estado Chinês tem se manifestado em defesa de uma economia circular, verde e de baixo carbono. É da gênese do Estado Chinês o caráter mandatório nas decisões. Em que pese o timing da transição ser ainda nebuloso, o fato é que as tendências regulatórias caminham inexoravelmente para maior detalhamento, rigor e vigorosa adaptação – que é gigantesca, voltada a um mercado responsável por aproximadamente 14% das emissões globais de carbono.

“A mudança climática e as políticas públicas para detê-la estão e continuarão remodelando a economia global”, afirmou o Banco Central Europeu no último mês de março. O fato é inegável. Mesmo que distante dos requisitos ambientais sobre commodities exigidos hoje pela União Europeia (UE), a China seguirá, em futuro não muito distante, o caminho da exigência ambiental para importações. É preciso atentar para a aceleração do estado de emergência climática, conforme demonstram os relatórios atuais do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC).

A dependência da balança comercial brasileira em exportações para a China é notável e dependerá de dois fatores: primeiro, a capacidade ambiental de manter produção, em que pese os efeitos desastrosos da mudança climática cujos impactos já vêm sendo sinalizados; segundo, a capacidade de adequação brasileira à regularidade ambiental, de forma a garantir a inserção das commodities no mercado global.

O Brasil é o segundo maior produtor de soja do mundo, com produção próxima a 150 milhões de toneladas, conforme demonstra a safra 2022/2023. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) sinaliza a necessidade de aumento da produção global em 70%, para conseguir alimentar o mundo até 2050.

Manter estrita regularidade ambiental será a crescente exigência do mercado europeu, tendência que será seguida no mercado chinês. Dados do JP Morgan apontam que “86% das empresas listadas no Índice CSI 300 – as 300 principais ações negociadas nas bolsas de Xangai e Shenzhen – produziram relatórios ESG em 2020, acima dos apenas 49% em 2010, apesar de não serem obrigados a fazê-lo”. Há aí um componente novo e crescente neste mercado: a mudança de atitude de investidores e fundos que pressionam mais e mais por regularidade climática.

Enquanto o Brasil enfrenta enorme estado de desconformidade ambiental na produção de soja, os assessores ambientais na China recomendam que as empresas auditem suas cadeias de suprimentos, na certeza de que o país está levando a sério a ecologização da economia, sendo esperadas várias atualizações regulatórias e regras de proteção ambiental para esta década.

Uma das mais importantes pressões para o setor será a descarbonização da economia, o que implica forte controle da cadeia de commodities para que sejam livres de emissão de carbono. Estará na mira a produção agrícola brasileira. Por exemplo, o Mato Grosso apresentou desconformidade em 95% dos desmatamentos ocorridos em fazendas de soja entre 2012 e 2017. Em 2018, um terço da soja brasileira exportada para a UE foi proveniente do Mato Grosso, com nível de irregularidade estimado em 20% segundo estudo promovido por Trase, Imaflora e ICV.

De outro lado, segundo Melgarejo e Leite (2023), é notória no Brasil a ausência de avanços na avaliação de riscos sobre uso de agrotóxicos para o grande volume agrícola brasileiro movido a substâncias tóxicas. Ao lado do aumento da produção de soja, algodão, milho e cana geneticamente modificados, registra-se a importação e uso recorde de agrotóxicos, cada vez mais baratos no mercado internacional em função de sua proibição em países mais responsáveis que o Brasil. Exemplo similar são os 29 piretróides (pesticidas sintéticos controladores de pragas) de uso permitido no Brasil, dos quais 20 não estão autorizados na UE, conforme aponta recente estudo de Sonia Hess, engenheira química da UFSC e responsável por inúmeros laudos realizados para o Ministério Público.

O abismo de atraso normativo que se instalou no Brasil, além dos danos à saúde pública, poderá lançar o País, em curto espaço de tempo, na vala de desconformidade das commodities. Ao deixar de buscar nivelamento para o processo de estandartização com boa normativa internacional, nos requisitos de segurança à saúde pública e ao ambiente, o Brasil coloca em risco a efetividade de sua balança comercial.

Talvez um bom exemplo das turbulências comerciais, diante de riscos à saúde pública, seja o recente e decidido embargo chinês à carne bovina do Brasil, ocorrida em fevereiro e março de 2023, após o registro de um caso de encefalopatia espongiforme bovina (a famosa vaca louca).

Assim como estão fazendo as empresas chinesas mais conscientes, com relação à necessidade de adequações diante de um futuro global cada vez mais exigente, o Brasil deverá pautar esses avanços como diretrizes primordiais, garantindo espaço para seu comércio exterior com a estrita observância sobre regularidade ambiental.

Esse será, no mercado global, o grande desafio do governo Lula, imerso agora nas negociações da rota da seda sem carbono: garantir que seu governo de frente ampla, aberto à negociação de diversas tendências, consiga ter governabilidade e fortalecer o agronegócio do bem — fazendo a obrigatória transição do Brasil para a legalidade, rompendo com a degradação ambiental que ocorre na Amazônia, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica, Caatinga e Pampas.

Do outro lado do mundo, o Banco dos Brics (NDB), agora sob a direção de Dilma Rousseff, terá a mesma lição de casa: robustecer o arcabouço de regramentos ambientais para a concessão de empréstimos, prioridade que tem sido ofuscada em função do jogo geopolítico e retaliatório que envolve Rússia e Ucrânia.

À tendência da transição para a economia da regularidade ambiental climática associam-se regramentos penalizando concorrência desleal, para evitar que países possam produzir com custos menores à custa da degradação ambiental. Normativas neste teor estão em curso no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), propostas por iniciativa dos Estados Unidos.

O ano de 2022 foi encerrado com a aprovação pela UE de regulamentação da proibição de importação de produtos oriundos de desmatamento ocorrido depois de 31 de dezembro de 2020. A proibição afeta carne, soja, borracha, cacau, café, óleo de palma (dendê), além de papel, chocolate e couro, entre outros.

A economia da mudança climática é um novo paradigma sem retorno. Não resta dúvida de que a China seguirá esses passos. Será questão de tempo, estimulada por força da emergência climática, o que sinaliza possibilidade de mudanças bruscas, com maior exigência ambiental nas relações comerciais.

Por fim, o efeito da emergência climática não se encerra, a priori, apenas como questão econômica. Os mercados são elos entre nações, cada vez mais instáveis ao repetirem velhas fórmulas que não funcionam mais, como causa e efeito da profunda crise que ameaça a humanidade.

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