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O Estado contra os combustíveis fósseis

Nos Estados Unidos, estados progressistas como Rhode Island, Nova York e Massachussets, em conjunto com dezenas de municípios, seguem na mesma linha de responsabilização das Oil Sisters

26 de setembro de 2023
  • Carlos Bocuhy

    Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)

Os efeitos da mudança climática crescem em poder destrutivo e também cresce o inconformismo com as inações governamentais. O volume global de subsídio aos combustíveis fósseis ultrapassa 7 trilhões de dólares anuais e em 2022 atingiu percentual equivalente a 7,1% do PIB Global, afirma o FMI.

Quando se contabilizam os prejuízos causados pelos eventos climáticos extremos, provocados ou agravados pelos efeitos da queima de combustíveis fósseis, não há como não provocar indignação. Nos últimos três anos, 2020, 2021 e 2022, as perdas financeiras globais do setor de seguros, para ressarcir danos das catástrofes, foram, respectivamente, de US$ 95,682 bilhões, US$ 116,58 bilhões e US$ 121,749 bilhões, segundo a Swiss Re.

O inconformismo tomou as ruas depois de meses seguidos de calor recorde. Em Nova York dezenas de milhares de pessoas protestaram diante da Assembleia Geral da ONU pelo fim dos combustíveis fosseis. Ao todo, ocorreram na mesma semana 650 ações ao redor do mundo, com manifesto subscrito por 400 cientistas.

Esse clamor público sinaliza um momento de intensa resposta da sociedade global contra os combustíveis fósseis – e um marco rumo ao banimento dos subsídios às energias poluentes.

O governo da Califórnia, mais progressista, já começou a adotar as mesmas estratégias utilizadas contra as indústrias do tabaco na década de 1990. Algumas das maiores empresas petrolíferas, incluindo Shell, Exxon Mobil e Chevron, estão sendo acionadas na justiça por ocultar danos causados pelos combustíveis fósseis naquele estado por mais de meio século. O processo do Estado é a tentativa de reeditar contra as Big Oil a mesma forma de combate utilizada contra o Big Tobacco.

O estado da Califórnia quer que as empresas cubram os custos de combate a incêndios florestais e mitigação dos efeitos da poluição. “É hora de pagarem para reduzir os danos que causaram”, disse em comunicado Rob Bonta, procurador-geral da Califórnia.

Contabilidade semelhante já deveria ter sido iniciada para quantificar danos ambientais ocorridos no Brasil. Por exemplo, em 2020 grandes incêndios queimaram 30% da área do Pantanal. Estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indica que a crise “foi ocasionada por um evento de seca extrema, que tende a ser cada vez mais frequente não só na região, mas em outras partes do Brasil”.  O termo “cada vez mais frequente” se reporta diretamente às constatações científicas sobre a progressividade dos efeitos do aquecimento global.

O histórico das ações da promotoria pública do Estado da Califórnia para responsabilizar a indústria do tabaco foram eficientes, conforme relata o jornal britânico The Guardian: “Os promotores provaram que as empresas ocultaram evidências ligando o tabagismo ao câncer, ganhando um pagamento de mais de US$ 360 bilhões em 25 anos. As empresas também foram obrigadas a rotular os cigarros como potencialmente letais, a mudar como e onde os comercializavam e a dissolver o Instituto do Tabaco, o grupo comercial financiado pela indústria”.

Segundo Paul Benson, da ONG Cliant Earth, do Reino Unido, a quantidade de judicializações contra os fósseis vem aumentando. Na Europa, países-sede de indústrias de petróleo, como Holanda, Grã-Bretanha e França, são palco de recorrentes tentativas judiciais de responsabilização. Mas a efetividade das judicializações é evidente quando estas são oriundas das promotorias públicas.

Nos Estados Unidos, estados progressistas como Rhode Island, Nova York e Massachussets, em conjunto com dezenas de municípios, seguem na mesma linha de responsabilização das Oil Sisters. Comparando as iniciativas com a campanha contra o tabaco, espera-se que a evolução do processo siga a mesma lógica:  uma vez iniciado o litígio, este não deverá cessar até produzir efeitos significativos. A comprovação do nexo causal está contida, de forma cada vez mais detalhada, nos seguidos relatórios do Painel Intergovernametal das Mudanças Climáticas (IPCC).

Em sua fala na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, o secretário geral Antonio Guterrez afirmou que “a era dos combustíveis fósseis fracassou”. Mais do que isso, é evidente que essa era se tornou um gigantesco peso para a humanidade, que cresce dia após dia.

No Brasil é urgente que Ministério Público, Defensoria Pública, Advocacia Geral da União e dos Estados repensem a estratégia com relação à defesa da sociedade frente aos crescentes impactos decorrentes da continuidade da queima dos combustíveis fósseis.

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