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O governo quer o Brasil fóssil

O governo Lula esquece as promessas de campanha, não leva em conta a agenda da sustentabilidade e passa a apresentar perfil aderente ao petróleo

24 de fevereiro de 2025
  • Carlos Bocuhy

    Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)

O Planeta está aquecendo. Ultrapassou a meta do acordo de Paris em 2024, batendo na marca média global dos 1,55º C, acima do índice considerado “suportável” para o aquecimento global.

Esse “suportável” não foi bem o que se previa.  

Estudos recentes examinam dados climáticos atuais e apontam para danos catastróficos para a biosfera: humanos, animais e ecossistemas vitais.

Os impactos de 1,5º médios no planeta já representaram situações estremas de secas, incêndios, furacões, inundações e outros efeitos adversos que atingiram duramente a humanidade e as espécies vivas.

É preciso combater fortemente o aquecimento global e para tanto será preciso eliminar a queima de combustíveis fósseis, maior causador do problema em nível global, conforme insistentemente tem alertado a ciência.

O governo do Brasil, país vulnerável que já sofre duros impactos climáticos, demonstra incoerência. Com argumentos contraditórios, anuncia sua disposição em insistir no erro. 

O governo Lula esquece as promessas de campanha, ignora a agenda da sustentabilidade e passa a apresentar perfil aderente ao petróleo. O governo, de forma cínica, distorce os fatos para angariar apoiadores desprovidos de conhecimento, utilizando frases contraditórias absurdas como “explorar petróleo para financiar sua eliminação”.

Não é só isso. O Brasil entrou recentemente para o cartel transnacional do Petróleo, a Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP), mais especificamente na OPEP +. A associação dos fósseis visa controlar a demanda e os preços do petróleo, visando  de forma prioritária sua continuidade no mercado. Pratica atividade lobística nas COPs em defesa da continuidade de uso global do petróleo. “A indústria de combustíveis fósseis é impulsionada por seus resultados financeiros, que se opõem fundamentalmente ao que é necessário para deter a crise climática, ou seja, a eliminação urgente e justa dos combustíveis fósseis”, afirma Sarah MCarthur, ativista do UK Youth Climate Coalition.

A realidade climática é pior do que se pensava. Grupos de cientistas da Europa e dos Estados Unidos, em pesquisas diferentes, afirmam que o atingimento superior a 1,5ºC em 2024 aponta um período de aquecimento que se manterá por 20 anos. Em síntese, a conclusão é: se em 12 meses consecutivos a temperatura se manteve acima de um limite climático, este limite também será atingido a longo prazo.

Essa descoberta significa que a continuidade das emissões decididas a partir de agora são cruciais, revestidas de maior responsabilidade do que se antevia anteriormente.

Portanto, a defesa do governo brasileiro de que a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas poderia financiar a transição para matrizes mais limpas, seria como fazer sangrar paciente anêmico.

Contribuir para o aumento de mortalidade e impactos debaixo dos eventos extremos, sufocar em secas a produção agrícola, aumentar inseguranças alimentar e hídrica e causar fortes migrações internas será a consequência da continuidade da extração e queima de petróleo.

O governo do Brasil não só erra. De forma grosseira, frustra expectativas de sustentabilidade, sacrifica seu papel de líder na proteção dos ecossistemas e da emblemática Floresta Amazônica, conhecida como ante-sala do Gênesis, em conhecido processo de fenecimento.

Também perderá poder de convencimento para liderar as mudanças necessárias como anfitrião e presidente da COP30, ocasião única que se reveste de vital importância pela gravidade e urgência do problema.

Com a adesão fóssil, o governo impulsiona o Brasil contra sua gênese, seu DNA de biodiversidade e florestas, seu pensar e agir como Estado, em respeito à sua Constituição ecológica e cidadã, que estabeleceu sabiamente a Política Nacional do Meio Ambiente, que determina garantir futuro saudável para atuais e futuras gerações.

É preciso ressaltar ainda que a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas é uma aventura tecnológica inconsequente. A avaliação de impacto ambiental para novos empreendimentos demanda, de forma prioritária, avaliar alternativa locacional. Sendo esta inadequada, quando o ecossistema é frágil e apresenta alta vulnerabilidade, a perspectiva de perfuração deverá ser negada, já que, por sí só, gera impactos e riscos.

Sabe-se também da dificuldade para contenção de vazamentos devido à profundidade e fortes correntes marinhas.

Além disso, a extração de petróleo é prática em vias de extinção por recomendações científicas e em respeito ao acordo global obtido nas COPs.

A insistência na extração está completamente na contramão da ciência e da economia. É mau negócio. Começar a pesquisar agora, enfrentar pesados investimentos  e ser compulsoriamente obrigado a paralisar essa extração em 2030-2035 devido ao avanço dos impactos climáticos será desperdício de recursos. Como afirma o  Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em seu levantamento sobre tendências para países da América Latina e Caribe: “quando governos ou instituições públicas adquirem bens ou serviços, parece que ineficiência, fraude e abuso são a norma, não a exceção”.

Só fará sentido para aqueles que, mal-informados sobre perspectivas futuras, tem interesses para que o petróleo não seja banido, como pretende a OPEP. A coordenação da OPEP recomendou aos seus países membros durante a COP28 “rejeitar proativamente qualquer texto ou fórmula que vise a energia, ou seja, combustíveis fósseis em vez de emissões”.

Não resta dúvida que prosseguir com este erro grosseiro seria, além de impactar a região do Amazonas, contribuir para um desastre humanitário.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

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