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Os desafios da diplomacia climática em 2025

Não há mais janela de tempo para perder com teatralidade diplomática. A principal questão que resta responder é quem deve pagar para evitar o pior dos estragos das mudanças climáticas

20 de dezembro de 2024
  • Carlos Bocuhy

    Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)

Acordo de Paris
Notícias sobre os acordos climáticos de Paris.

Em 2024 houve poucos avanços na diplomacia ambiental internacional. As grandes negociações sobre clima, biodiversidade e plásticos não conseguiram atingir seus objetivos primordiais.

Isso ocorre quando a emergência desses temas nunca foi tão evidente, denotando que a humanidade atravessa uma crise civilizacional.

Os alertas da ciência têm sido contundentes, como o do clima, por parte do conceituado Instituto de Resiliência de Estocolmo e dos recentes estudos sobre perda de biodiversidade divulgados pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).

A crise instalada está também caracterizada por inação dos líderes mundiais, que ocupam o palco das COPs de Clima e Diversidade Biológica com discursos vazios, sem propostas reais que permitam avanços positivos.

Os motivos do fracasso atingem as raias do absurdo. Por exemplo, em 2024, o Azerbaijão, pequeno país petrolífero com deficiências democráticas e de direitos humanos, foi sede da COP29, a cúpula global para discutir eliminação gradual do petróleo. Foi pego de calças curtas ao tentar usar a conferência para ampliar seus negócios no ramo de petróleo e gás.  

Enquanto isso, o mundo constatava que 2024 quebrou o recorde do ano mais quente registrado: no Brasil o RS foi devastado por inundações e um número alarmante de incêndios florestais consumiu mais de 1 milhão de hectares;  a África e a América do Sul sofreram secas severas; as bacias hidrográficas do Oeste brasileiro atingiram níveis de criticidade; o calor perigoso atingiu grandes partes da Ásia, Europa e América Central; a região de Valência no Mediterrâneo foi devastada por um tornado; e os furacões, intensificados pela água do mar anormalmente quente, atingiram o Caribe e o sudeste americano.

A tundra ártica, que já foi um sumidouro de emissões de carbono, agora passou a emiti-lo: está oficialmente descongelada e suficientemente propensa a incêndios florestais.

Como pode o ano de 2024, com problemas agudos bem configurados, vir a apresentar resultados medíocres na diplomacia ambiental internacional? A diplomacia climática nunca esteve diante de tão difícil encruzilhada: a dura realidade planetária associada a comprovações da ciência que atestam um estado de periculosidade apontando para uma trajetória sombria – e sobretudo, a óbvia necessidade de mudança.

Area que secou no Rio Negro devido a maior estiagem da historia em mais de 120 anos. Foto: Suamy Beydoun/AGIF/Folhapress

No cerne da diplomacia climática está o reconhecimento sobre os impactos globais da mudança do clima, que transcendem fronteiras nacionais e exigem soluções cooperativas internacionais. Seu nascimento formal está também na gênese da diplomacia ambiental que teve início na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo em 1972, que já completou meio século.

Portanto, as casas diplomáticas nacionais tiveram décadas para colher subsídios amparados em fortes aportes científicos.  Formam quadros especializados  há mais de 30 anos, a partir da Conferência Rio 92, que estabeleceu a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.  

Sua missão tem sido conduzir negociações climáticas. Apesar de atingir a marca de 29 conferências, a diplomacia climática ainda não logrou patamares mínimos que permitissem promover mudanças efetivas na devastadora realidade global. A lacuna entre missão e eficácia acaba implicando simulações e atuações teatrais.

A temporada diplomática ambiental de 2024 começou em outubro, com a Colômbia sediando a 16ª Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica. A reunião buscava estancar a perda de ecossistemas e espécies em todo o mundo. A Colômbia é um dos países com maior biodiversidade da Terra, e felizmente tem se manifestado em afastar o país dos combustíveis fósseis e reduzir o desmatamento. Mesmo com a liderança motivada da Colômbia, a conferência terminou em decepção, pois o esforço diplomático das nações reunidas não conseguiu chegar a um acordo sobre como as metas de conservação da biodiversidade seriam monitoradas ou pagas. Ficou para o ano que vem.

Em novembro, os negociadores diplomáticos de mais de 170 países se reuniram em Busan, na Coreia do Sul, para a quinta e última rodada de negociações do tratado de poluição plástica da ONU. Não houve acordo, apesar de os oceanos estarem cada vez mais contaminados.

O impasse se resumiu, mais uma vez, a quem arcaria com os custos de reduzir o problema. Nesse caso, mais de 100 países queriam medidas para conter a produção de plástico, não apenas encontrar novas maneiras de limpar os resíduos. A proposta é estruturante e obviamente comprometeria a receita da indústria de fabricação de plástico. Os países produtores de petróleo, incluindo Arábia Saudita e Rússia (o plástico é feito principalmente de petróleo e gás), pressionaram contra essas medidas, bloqueando o acordo. O tratado sobre o plástico ficou para o próximo ano.

O evento de maior visibilidade em 2024 foi a conferência climática anual da ONU, onde as nações ricas historicamente responsáveis pela maior parte das emissões de carbono do mundo deveriam comprometer-se a financiar a mudança energética global, especialmente a dos países em desenvolvimento, cuja demanda e crescimento irão poluir mais e mais o planeta em futuro próximo.

Dos US $ 1,3 trilhão por ano esperados, apenas a promessa de US $ 300 bilhões foi obtida. Esperava-se maior proatividade dos maiores emissores de carbono do mundo, como os Estados Unidos, o que não ocorreu.

O prognóstico é ainda pior. A eleição de Donald Trump, no mês passado, levou a previsão real americana a zero dólares. Além dos EUA, os partidos populistas de extrema-direita que vêm ganhando espaço na Europa estão inclinados a enquadrar o financiamento climático como “dinheiro doado a outros países ao custo de não reformar nossas próprias escolas”, afirma Linda Kalcher, diretora executiva do think tank climático europeu Strategic Perspectives. Alguns dos países doadores estão no meio de uma crise de inflação e custo de vida, observou Kalcher.

E o clima ficou para o ano que vem, na COP30, a ser realizada no Brasil. Não resta dúvida que estamos atravessando cenário político difícil para o grande projeto restaurador que cabe à diplomacia climática. As negociações climáticas da ONU têm se baseado em atos de confiança recíproca.

Acreditava-se que os países que se beneficiam dos combustíveis fósseis também assinariam acordos e passariam por transições energéticas. Mas nos últimos anos a influência dos petroestados e das empresas de petróleo e gás vem sucessivamente obstacularizando e retardando o progresso, de forma que os observadores já estão argumentando que todo o processo das COPs está se esfacelando, com lobistas cada vez mais presentes e liderando conferências.

Al Gore, Ban-Ki-Mon e outros notáveis chamaram a atenção para as reuniões sediadas e coordenadas em petroestados, como Emirados Árabes Unidos e Azerbaijão. Durante as negociações deste ano, um grupo que inclui ex-líderes diplomáticos enviou uma carta à ONU instando-a a reformar aspectos-chave das conferências, combatendo os conflitos de interesse e com exigências sobre a construção de um processo democrático que exigiria condições éticas para participar.

É obvio que não se pode jogar a criança com a água suja do banho. Não existe outro local onde os países possam negociar acordos sobre questões climáticas e os menos desenvolvidos e mais atingidos pelo clima tenham lugar à mesa com os gigantes poluidores. Mas é preciso reconhecer a necessidade de reformas, uma vez que o modelo de diplomacia climática instalado nas conferências se encontra em estado lamentável.

Indiscutivelmente, o projeto de diplomacia ambiental internacional atingiu um momento de inflexão, na perspectiva de exaurir-se em sua própria gênese institucional, quando esta, as nações, na prática demonstram ser refratárias às mudanças necessárias. A liderança geopolítica global não atenta, de forma responsável, para gravíssimo problema civilizacional.

A temperatura média global do ar na superfície do planeta de janeiro a setembro de 2024 foi de 1,54 °C (com uma margem de incerteza de ± 0,13 °C) acima da média pré-industrial, impulsionada por um evento El Niño de aquecimento, de acordo com uma análise de seis conjuntos de dados internacionais usados pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), das Nações Unidas.

Em dez anos, e não para 2100 como os otimistas afirmavam, já atingimos o patamar de segurança de aquecimento de 1,5ºC adotado como limite durante o Acordo de Paris.

Não há mais janela de tempo para perder com teatralidade diplomática. A principal questão que resta responder é quem deve pagar para evitar o pior dos estragos das mudanças climáticas. Muitos países vão sucumbir às intempéries climáticas sem grandes financiamentos de países ricos. Irão sofrer enormes consequências das mudanças climáticas que não causaram e irão afundar em dívidas que não podem pagar.

Isso não é fato novo na história da civilização. Raubwirtschaft, como afirma o geógrafo Friedrich Ratzel, ou economia do roubo, da pilhagem, é velha conhecida no trato de potências colonialistas para exploração dos “países coloniais”.  O busines-as-usual pratica duplo assalto ecológico: protagoniza a causalidade dos problemas e agora estabelece barreiras para sua solução.     

O mundo se reunirá novamente no próximo ano, em Belém, Brasil, para a COP30, a 30ª cúpula de negociações climáticas da ONU. Até lá, Trump estará no cargo e provavelmente terá iniciado o processo para retirar os EUA da mesa de negociações climáticas.

A tarefa será mais difícil em 2025. O cenário será ainda mais adverso. Para reverter esse quadro, será necessário dar efetividade à diplomacia climática e reconfigurar, de forma ética, as cúpulas globais. 

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