Continuamos a bater recordes, mas não os que gostaríamos. O tema da vez é inflação. Em fevereiro deste ano, o IPCA acumulado em 12 meses alcançou a maior alta para o mês em 22 anos, 5,06% – superando mais uma vez o teto da meta do banco central, que é de 4,05%. O aumento no preço dos alimentos, que subiu mais de 7% no ano anterior, é o principal fator de pressão catalisado por instabilidades climáticas, sobretudo por chuvas irregulares e altas temperaturas. O ovo, por exemplo, que sofreu muito com as mudanças de clima, teve seu custo aumentado em 15% no último mês – a maior variação desde junho de 1994, quando o real ainda nem estava em circulação. Para se ter uma ideia do macro, a inflação acumulada de janeiro de 2020 até agora para alimentos ultrapassa 55%. Enquanto isso, salários foram corrigidos abaixo desses números, dificultando a quantidade de comida que o brasileiro consegue comprar para pôr na mesa.
Aliados e especialistas creditam a queda exponencial da popularidade de Lula à inflação dos alimentos. O presidente e sua equipe econômica já perceberam que frear a crise não é somente uma questão de “limpar a imagem do governo”, mas garantir o poder de compra da população em um ambiente favorável ao crescimento econômico sustentável. Para isso, políticas de pão e circo, como algumas que vêm sendo discutidas ultimamente, não serão suficientes. Zerar o desmatamento é a chave para reduzir a inflação – e, enquanto tal medida não for central na agenda de nossos economistas, a picanha vai ter que esperar.
A floresta exerce forte influência sobre os padrões de chuva, impactando diretamente na produção dos alimentos, na geração de energia e, claro, no controle dos preços. Segundo estudo inédito do projeto Amazônia 2030, o desmatamento na Amazônia afeta a principal fonte da matriz elétrica nacional, a hidroeletricidade, podendo já ter causado reduções significativas no potencial de energia e nos lucros das hidrelétricas. A derrubada da vegetação diminui a umidade das correntes de ar e, por conseguinte, o volume de chuva, aumentando a demanda por fontes mais caras e poluentes, como as termelétricas.
Ainda em fevereiro de 2025, a conta de luz das famílias brasileiras subiu quase 17% e teve o maior impacto na inflação do mês. Esses são os efeitos de um sistema que não valoriza a floresta em pé e que está literalmente “pagando para ver” até onde conseguimos ir com a falta de um modelo de desenvolvimento econômico sustentável. As estatísticas alertam que, se não acelerarmos a eficiência de mecanismos de conservação ambiental, daqui a pouco a conta a ser acertada com a natureza estará em um preço bem mais alto do que sequer somos capazes de pagar.
O setor agrícola também sofre em função dos eventos climáticos extremos, gerando instabilidade na oferta de alimentos. De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), era esperado para a safra de grãos 2023/24 uma produção de 317,5 milhões de toneladas, sendo que o volume colhido foi de cerca de 298 milhões de toneladas. A quebra de 6% aconteceu por conta de períodos oscilantes de chuvas irregulares e altas temperaturas fora das safras habituais nas principais regiões produtoras do país. Trata-se de um cenário que impacta a economia em escala global e a segurança alimentar da população.
O baixo estoque de café, por exemplo, é resultado da falta de chuvas durante o desenvolvimento das lavouras. Agricultores estão sendo obrigados a adaptarem suas técnicas de plantio para manutenção da colheita, aumentando gastos com a produção que serão repassados ao consumidor. O preço do café está subindo desde janeiro de 2024, tendo aumentado mais de 10% em fevereiro deste ano – a maior alta em 26 anos. A tendência é que continue subindo, pressionando cada vez mais a inflação.
As camadas mais pobres da população são as mais vulneráveis à inflação de alimentos. Isso porque a alimentação – junto a outros fatores como energia e habitação –, consome uma das maiores fatias dos gastos de brasileiros que ganham menos de dois salários mínimos. Estima-se que 25% do orçamento dessas famílias seja destinado à compra de alimentos. Com o impacto no bolso, cresce a insegurança alimentar, agravando a pobreza e a miséria no país.
Nunca esteve tão claro. Para conter a inflação e seus problemas adjacentes, precisamos olhar para nossas florestas. Economistas devem considerar o papel estratégico que elas exercem para a manutenção de serviços essenciais – seja no setor de energia, seja na agricultura. Reduzir o desmatamento – até zerá-lo – não é uma medida meramente ambiental, mas um plano de redução do custo de vida e de combate à fome. Estabelecer a aliança entre natureza e economia é a certeza de futuro para as próximas gerações.
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