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Uma brasileira pode ajudar a definir o futuro do mar profundo

Eleição para o Secretariado Geral da International Seabed Authority (ISA) na sexta-feira (02) poderá definir o rumo para uma área de interesse comum da humanidade e que desperta os interesses das mineradoras

31 de julho de 2024
  • Rede Ressoa

    A Rede Ressoa é um projeto colaborativo de divulgação científica e comunicação sobre o Oceano.

  • Maila Guilhon

    Doutora Oceanografia pelo IO-USP. Membra do Comitê Executivo da Deep-Ocean Stewardship Initiative e membra da Liga das Mulheres pelo Oceano.

  • Julia Schutz Veiga

    Mestre em Direito e Economia do Mar pela NOVA School of Law (NSL) e é especialista em Direito Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Na última semana, mais um grande achado científico tomou conta dos grandes meios de mídia. Na Bacia do Pacífico, cientistas descobriram que estruturas geológicas semelhantes a rochas – formalmente chamadas de nódulos polimetálicos –, encontradas a quilômetros de profundidade, são capazes de produzir oxigênio. Já pensou? Esses achados trazem novas questões, inclusive sobre o surgimento de vida na Terra.

Até recentemente, pensava-se que os ambientes de mar profundo em que tais estruturas são encontradas – entre 2 e 5 km de profundidade – eram ambientes inóspitos e desprovidos de vida. Hoje, sabe-se que ecossistemas inteiros e cheios de vida são encontrados em grandes profundidades e agora que nódulos polimetálicos são capazes de produzir oxigênio. As profundezas do oceano não param de nos surpreender e ainda há muito que não conhecemos.

Os resultados da pesquisa científica também possuem implicações para a nascente indústria de mineração em mar profundo. Isso porque esses nódulos polimetálicos são fonte de metais que podem ser empregados na produção de baterias de carros elétricos, por exemplo. Em outras palavras, tais minerais poderiam substituir a utilização de combustíveis fósseis derivados de gás natural e petróleo, apontados como importantes fontes de gás de efeito estufa causadores das mudanças climáticas e fenômenos associados a ela ao redor do globo. Há, portanto, interesse de diferentes países e companhias em ter acesso aos metais desde que a demanda assegure viabilidade econômica para a mineração.

Os nódulos do experimento foram encontrados em uma área do leito marinho oceânico que não pertence a nenhum país, denominada Área. Os minerais encontrados na Área são considerados patrimônio da humanidade, e devem ser utilizados visando o benefício da humanidade como um todo. Logo, a Área e seus recursos são inapropriáveis, exceto se houver regulação por parte da Autoridade Internacional para os Fundos Marinhos (em inglês, International Seabed Authority – ISA). A ISA fica em Kingston, na Jamaica, e é composta por 168 estados-membros responsáveis pela tomada de decisão sobre atividades de mineração na Área. Atualmente está em negociação a elaboração do futuro Código de Mineração que preverá as regras para extração comercial de minérios na Área. Entretanto, as negociações são complexas e difíceis e muitas incertezas científicas, econômicas e sociais existem, o que é um entrave para a tomada de decisão.

Mas o que isso tudo tem a ver com o Brasil?

Na próxima sexta-feira (02.08.2024), ocorrerá a eleição para o Secretariado Geral da ISA. Atualmente o cargo é ocupado pelo britânico Michael Lodge, que já está no cargo há oito anos. Sua única concorrente? Uma brasileira, negra e cientista com ampla experiência, Letícia Carvalho

Antes de se juntar ao Programa Ambiental das Nações Unidas em Nairóbi, Letícia trabalhou por quase duas décadas no Governo Federal brasileiro, período em que adquiriu ampla experiência, conciliando interesses de diversos setores, como, por exemplo, o da indústria de óleo e gás e o meio ambiente. Cientista de formação, seu trabalho é pautado na ciência e, se eleita, buscará trazer neutralidade, transparência, inovação e diversificação nas vozes de atores envolvidos nas negociações que estabelecerão as regulações para extração comercial de minerais na Área.

A candidatura de Letícia representa uma prática internacional de alternância de lideranças que reforçam compromissos importantes como a distribuição geográfica equitativa. Nunca na história da ISA houve representação da América Latina para o cargo de Secretario Geral. Traz também o espírito de renovação necessário aos processos de governança oceânica realmente comprometidos com uma agenda para o progresso baseado em evidências científicas. Com o apoio do governo brasileiro, a nomeação e quem sabe futura eleição de Letícia ao cargo de Secretária Geral sinaliza ao mundo o compromisso do Brasil com o futuro do Patrimônio Comum da Humanidade através do manejo justo e equitativo dos minerais alocados em áreas internacionais. 

Mais do que isso, a candidatura de Letícia representa uma oportunidade sem precedentes para avançarmos rumo à equidade oceânica. Apesar da predominância de mulheres nas ciências do mar e em setores-chave da economia azul, pouquíssimas mulheres alcançam posições de poder e tomada de decisão. Se eleita, Letícia será a primeira mulher a ocupar este alto cargo na organização. Dar luz a esse processo serve não apenas para ressaltar a importância de brasileiras como Letícia em negociações internacionais, mas também para chamar a atenção do povo brasileiro para assuntos de extrema importância para o oceano. O Brasil está pronto para assumir seu papel como uma Nação Oceânica e a sociedade brasileira deve acompanhar de perto essa onda.

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