Reacendendo a história das novas sete maravilhas do mundo, me parece estranho inserir nesta avaliação apenas obras arquitetônicas construídas pelo ser humano. Não há citação sobre amazônias, cerrados, caatingas, Andes, cavernas vietnamitas, glaciares chilenos. Dá-me a sensação de uma visão antropocêntrica demais, como se o mundo em que vivemos e toda sua beleza natural, sua evolução de quatro bilhões de anos fosse algo exclusivamente para usufruto do ser humano. Sendo assim, sobre a eleição das sete maravilhas, deveria acrescentar “erigida pelo homem”. E mesmo que esta edição fosse definida para escolher as mais belas construções, toda visão que temos do belo (e assim o fotografamos) é sempre baseada no contexto, e deve ser visto por um ângulo maior e dinâmico. Coloque a Torre Eiffel num campo árido ou sobre uma colina e terá apenas uma simples ‘antena’. O que vale a ela é estar inserida no belíssimo complexo arquitetônico de Paris, às margens do Rio Sena. Da mesma forma, falar do Cristo Redentor, que está no pódio deste ranking dos sete, deve-se levar em conta onde ele se encontra. Sabiamente lembrado pelo escritor, que atribuiu o real valor ao Corcovado, às matas que protegem suas encostas. E aos entrecortes do mar; ou será que as hordas de turistas se atêm apenas à construção, e não dão uma olhadinha lá embaixo, naquela baía exuberante? Nas paisagens naturais é a mesma coisa: o que vale não é o sol se pondo, mas o desenfrear de tons alaranjados que se misturam às nuvens.
Tive o privilégio de ter conhecido inúmeras das candidatas a maravilhas construídas por mãos humanas, mas a mim nada supera Angkor Wat. Considerado o maior conjunto de templos do mundo, Angkor é uma cidade adormecida nas florestas tropicais do Camboja. Reencontrado por Henry Mouhot, um explorador naturalista que em 1864 subia o Rio Mekong, sua construção foi inicialmente atribuída como um feito de Alexandre, o Grande. Angkor Wat, na realidade, é apenas um dos palácios existentes dentro da chamada Angkor Thom, cidade que foi construída pelo imperador Jayavarman VII para ser a capital do império khmeriano, no início do século XI. Existe uma infinidade de conjuntos de templos e pátios circundados por uma grande muralha, todas acobertadas por árvores seculares e uma névoa fina e convidativa. Monges budistas se encarregam de preservar, e orar, por aquelas pedras sagradas, entalhadas de inscrições sânscritas e baixo-relevos que revelam cenas do dia-a-dia da época, batalhas e as famosas deusas celestiais, as Apsaras.
Mas para nós, que temos uma tendência a ver tudo pelos espectros verdes da natureza, nenhum é mais instigante que o palácio de Ta Phrom. Já conhecido pelas lentes hollywoodianas, Ta Phrom foi um palácio construído pelo imperador para abrigar o culto à sua mãe, e magistralmente dominado pela floresta. Árvores gigantescas colocaram suas raízes entre as pedras de tal forma que puderam se erguer sem que houvesse grandes desmoronamentos. A cada caminhada e passagem pelas estreitas portas, uma nova teia de raízes expõem troncos seculares, grossos, entrelaçados com galhos em direção ao céu. Se estas árvores e seu sábio crescimento são responsáveis ou não, o fato é que este templo é um dos mais preservados do complexo de Angkor. Talvez os ambientalistas se sintam aliviados pelo fato da floresta ter novamente dominado o lugar deste palácio, mas é interessante ver também as sensações antagônicas que causam aos visitantes. Norman Lewis, em 1951 escreveu: “Enormes árvores germinaram nos telhados das torres achatadas e seus elevados troncos ficaram até obscurecidos à nossa visão. Mas, aqui mesmo, podemos estudar à vontade o drama dessas atividades secretas e conspiratórias, que labutam para manter seu crescimento tirânico.” Em outras palavras, Ta Phrom é uma construção tão divina que nem mesmo a natureza tinha o direito de ter ‘invadido’ seus domínios.
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