A fotografia certamente é o hobby mais globalizado no mundo moderno. Apesar de ser uma atividade originariamente artística em que Bressons e Florences apenas trocaram as paletas e pincéis por caixas-pretas e negativos, hoje todo mundo que tem um celular se denomina fotógrafo. Confesso ver com certa nostalgia a banalização desta arte, mas o mundo é dinâmico, mutável; e o que eu posso fazer senão manter íntegra minhas crenças e garimpar pessoas que, mesmo inconscientemente, trazem em si um desejo pela imagem melhor, o ângulo certeiro, a luz mágica?
Foi assim que conheci Frederico Gemesio, o Fred. Começou perguntando sobre técnicas de registro de vida selvagem até falar que há muito acompanhava meu trabalho, meus livros, e que sou uma grande fonte de inspiração no seu interesse pela fotografia. É gratificante tal elogio, já que agora o olhar da nova geração de aficionados por fotografia me enxerga num lugar em que, quando eu buscava inspiradores, encontrava Ansel Adams, Marcel Gautherot e mais recentemente Franz Lanting. Não me comparo aqui aos mestres; estou muitos cliques aquém deles. Mas tal afirmação confirmou anida mais a responsabilidade que carregamos ao expor nosso modo de ver o mundo através da fotografia.
Fred é o típico biólogo de campo que adora o que faz, e talvez um dos poucos que conheci nos últimos tempos com uma curiosidade nata e um questionamento constante sobre vida selvagem. Da fotografia documental à coleta de um animal morto para retirada de amostras, tem sempre a mesma intenção: decifrar. E decidi escrever este ensaio por dois motivos: acredito que a fotografia seja hoje a forma mais acessível para decifrar a si mesmo, desfragmentar aquilo que se vê de uma forma que, no final, é o espelho das próprias verdades, e também para homenagear todos os biólogos de campo, parceiros de décadas de estrada que como eu, quase sempre escolhem o desconforto e as agruras de lugares ermos, hordas de carrapatos e mosquitos, na eterna procura da grande descoberta, do clique perfeito.
Fred começou cedo seu interesse pela fotografia e pelo prazer na vida livre. Desde pequeno viajava com seu pai para fazendas e outras paisagens, que levava uma velha
Pentax e compulsivamente fotografava suas aventuras familiares. O prazer pela imagem se concretizou com dominicais tardes junto aos avós, admirando as famosas fotos da National Geographic americana. Na carreira biológica, percebeu o quanto a fotografia é importante como ferramenta para estudos de comportamento e detalhamento de vida selvagem, rumo este que o fez realizar mestrado com raposas-de-campo (Pseudalopex vetulus) e Cachorro-do-mato (Cerdocyon thous). Passava noites inteiras observando indivíduos e casais destas duas espécies, o que lhe rendeu uma publicação científica na revista especializada em carnívoros, a Canid News. Destas noitadas na região do Limoeiro, município de Cumari no sul de Goiás, que vêm a maioria destas fotos. O que se tem não é necessariamente uma preocupação pela luz e foco perfeitos, que teoricamente as fariam memoráveis para o leitor, mas carrega a importância do registro, da documentação de comportamentos de uma espécie animal, imprescindíveis para um trabalho científico. E sendo para este propósito, estas fotos são tão importantes quanto as que decoram nossa memória. Sem contar que observar carnívoros à noite, e ainda conseguir uma documentação de seus hábitos, vale todo o mérito.
Fred tem inúmeras outras fotos plasticamente belas, dignas de ‘descanso de tela’ para refrescar nosso intelecto, mas preferi concentrar num ensaio científico, onde verdadeiramente há uma informação contida na imagem, e que de alguma forma trás um aprendizado para quem a vê. Aliás, segundo ele, é uma das razões que o fez investir num bom equipamento e compartilhar suas fotos: “Através de minhas fotos, boas ou não, consigo mostrar às pessoas o privilégio que tenho de ser biólogo, de levar até as pessoas coisas que poucos terão a oportunidade de ver pessoalmente”.
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