Por Eduardo Franco Berton
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As densas selvas tropicais da Amazônia têm sido por séculos o lar de raras e fascinantes criaturas, algumas parte da imaginação dos povos nativos e que inspiraram lendas transmitidas de geração em geração. Desde muito pequeno sempre me chamou atenção a clássica lenda boliviana do urutau (Nyctibius griseus) – chamado guajojó na Bolívia – uma historia popular de amor e tragédia inspirada no agudo e dolorido canto de uma ave noturna, misteriosa e solitária.
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Na Bolívia o urutau e sua lenda tem sido fonte de inspiração de célebres artistas como a cantora Gladis Moreno – considerada a embaixadora da canção boliviana – e sua famosa música “El Guajojó”, e também para o historiador Hernando Sanabria (autor da popular estória), que através de suas obras imortalizaram esta ave como parte importante da tradição e cultura do crucenho (habitantes de Santa Cruz). No Peru, o Nyctibius griseus é uma ave arraigada na mitologia dos povos indígenas da Amazônia, onde é conhecido como “Ayaymama”, pois seu canto também lembra uma criança exclamando “ai, ai, mama!”. A lenda peruana conta que o bebê foi abandonado por sua mãe na floresta para evitar que morresse por uma peste que já havia dizimado todo o povo.
Características e distribuição
Dentro da família Nyctibiidae existem sete espécies do gênero Nyctibius, um deles é a Nyctibius griseus, que por sua vez pertence à ordem das aves Caprimulgiformes, composta por aves noturnas insetívoras com grande facilidade de camuflar-se durante o dia graças à peculiar e interessante plumagem, parecida com folhas secas ou casca de árvore. Como são aves noturnas, os urutaus passam grande parte do dia pousados estáticos sobre o tronco como se fossem parte dele. Esperando que o sol se oculte no horizonte e o único resplendor no céu seja o da lua e as estrelas, iniciam seu voo para capturar insetos como fonte de alimento. Os urutaus levam uma vida bastante solitária, já que quase nunca são vistos em casal, a não ser quando se acasalam ou estão cuidando de sua cria, que abandonam depois de três semanas de nascimento.
Seu habitat natural inclui a maioria dos países amazônicos, como Bolívia, Peru, Brasil, Equador, Colômbia, Venezuela, Suriname e Guiana Francesa. Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), graças ao seu amplo espaço de distribuição esta ave não está ameaçada, embora sua população possa diminuir nos próximos anos.
Melancolia e paixão do urutau
Não é fácil enxergar esta ave e menos ainda escutar o seu canto. Agradável surpresa eu e meu amigo Carlos Durán tivemos ao encontrar um exemplar no meio da floresta. A lente da minha câmera começou a documentar essas imagens inéditas – capturadas em um período de dois meses – que retratam um urutau e sua cria em uma das etapas mais importantes da vida de qualquer ser vivo, a criação. Decidimos chamar este ensaio fotográfico de “Melancolia e paixão do urutau”.
Essas são as duas palavras que descrevem a etapa que pudemos retratar com estas fotos. “Melancolia”, por sua triste e vigilante forma de olhar, que nos observou pacientemente o tempo todo na documentação fotográfica, posando sozinha desde a altura de seu tronco, onde nada parecia lhe importar – sua maneira de agir fez com que nos perguntássemos quem estaria observando quem.
“Paixão”, pelo amor maternal e intenso cuidado na proteção de sua cria, a quem protegeu firmemente do calor e do frio, da chuva e do vento, como quem cuida do mais precioso tesouro, esperando que cresça e suas asas sejam suficientemente fortes para empreender seu primeiro voo floresta adentro, cantando de maneira aparentemente triste, dando som às lendas…
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Saiba mais:
Vídeo e áudio do urutau
O vídeo e a gravação do canto do pássaro, feitos no Brasil, são de Douglas Fernando Meleti
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Opa, boa notícia pras empresas que organizam buffets e coffee-breaks em Belém…e só! De resto: “business as usual”, “greenwashing”, etc…