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Após 100 anos extintas localmente, ararajubas voltam a colorir o céu de Belém

Programa de reintrodução já retornou cerca de 50 indivíduos à natureza. Com população relativamente pequena em toda Amazônia, ave é considerada vulnerável à extinção

Cristiane Prizibisczki ·
3 de outubro de 2023

A ararajuba é uma ave vistosa. Sua plumagem é quase inteiramente de um amarelo muito vibrante, com exceção das pontas das asas, coloridas de verde-oliva. Seu maior atributo, no entanto, também é uma de suas maiores vulnerabilidades. 

A ave foi, historicamente, vítima de tráfico de animais silvestres que, associado à perda de habitat, reduziu a população das ararajubas (Guaruba guarouba) a alguns poucos milhares de indivíduos em toda a Amazônia, bioma onde ocorre.

Por tais fatores, os céus do Pará – estado onde cerca de 80% da população da espécie está concentrada – foram paulatinamente perdendo o colorido da ave. Tanto que, há aproximadamente um século, a capital paraense, Belém, declarou a espécie extinta localmente.

Mas um programa de reintrodução conduzido pelo Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-bio) e pela Fundação Lymington, com o apoio do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZUSP), busca reverter essa história. Os resultados são promissores. Confira:

O projeto de reintrodução da ararajuba fica na maior área verde da
Região Metropolitana de Belém, o Parque Estadual do Utinga, uma área de 13,98 km² que preserva parte do ambiente natural da ararajuba. Foto: Marcelo Vilarta
Iniciado em 2018, o projeto já conseguiu reintroduzir cerca de 50 indivíduos na natureza, mesmo com os períodos de paralisação, durante a pandemia da Covid-19. Foto: Marcelo Vilarta
“O sucesso do projeto reforça a importância das Unidades de Conservação do Estado, como espaços de preservação e conservação dos ecossistemas, além de proporcionar às populações tradicionais o uso sustentável dos recursos naturais de forma racional”, diz a presidente do Ideflor-Bio, Karla Bengtson. Foto: Marcelo Vilarta.
As aves que são reintroduzidas vêm principalmente da Fundação Lymington, que mantém um projeto de reprodução das aves, mas também aquelas vítimas do tráfico ou que eram mantidas por criadores ou em zoológicos. Atualmente, o local conta com 27 ararajubas, 11 delas em vida livre e 16 sendo preparadas para reintrodução. Foto: Kleber José Jr ASCOM/Ideflor-Bio.

Antes de serem reintroduzidas, as aves passam por um período de adaptação e aclimatação, em dois viveiros. O viveiro da esquerda é reservado para as aves que chegam ao local. O viveiro da direita possui vegetação semelhante ao que elas vão encontrar na natureza e é usado na preparação das aves antes da soltura. Segundo Marcelo Vilarta, biólogo responsável pelo projeto em Belém, todos os dias as aves do viveiro da esquerda passam um período no espaço maior, para aprender a reconhecer os alimentos típicos da região e a interagir com o bando. Foto: Marcelo Vilarta
“Por ser um bicho muito atraente, muito bonito, ele chama muita atenção e isso inevitavelmente vai atrair gente que quer retirar ele da natureza. Isso ainda acontece muito no interior do Pará, de eles serem retirados do ninho, ainda filhotes, e serem criados como pet para serem vendidos. Aqui na região metropolitana a gente espera que esse tipo de pressão tenha diminuído, devido à criação de uma área protegida, maior policiamento e menor tolerância a esse tipo de crime”, diz Vilarta. Foto: Marcelo Vilarta
As ararajubas são aves da família dos psitacídeos que chegam a medir cerca de 34 cm e pesar 255g. Endêmica da Amazônia brasileira, a espécie é encontrada entre o oeste do Maranhão e sudeste do Amazonas, sempre ao sul do Rio Amazonas e leste do Rio Madeira. Fonte: Wikiaves

A espécie é listada como “ameaçada” pela União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) e “vulnerável’, pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Foto: Marcelo Vilarta
Os estudos sobre a distribuição da ararajuba ainda são escassos, com estimativas populacionais que variam de 3 mil a 10 mil indivíduos em toda a Amazônia. O que se sabe, ao certo, é que esta população está em declínio. Foto: Marcelo Vilarta

As ararajubas são muito sociáveis e colaborativas, com comportamentos individualizados que possibilitam sua diferenciação. Elas se alimentam de sementes e frutos, principalmente, sendo os preferidos delas o açaí e murici. Foto: Fernada da Costa
Diferente de araras maiores, que chegam a viver 80 anos, as ararajubas têm uma estimativa de vida de 40 anos. Em vida livre, ela habita a copa de florestas úmidas altas e vive em bandos de 4 a 10 indivíduos.  Foto: Thalmus Gama/Ag. Pará
Desde 2018, quando o projeto de reintrodução começou, apenas um casal de ararajubas conseguiu se reproduzir. Dos quatro ovos postos, apenas um vingou. Segundo Marcelo Vilarta, a dificuldade da espécie em formar casais e copular pode estar associada ao aumento de movimentação no parque do Utinga, reaberto para a população em março de 2018 e com número crescente de visitantes. Foto: Fernanda da Costa.
Mesmo com as dificuldades que o projeto enfrenta e as ameaças a que as ararajubas reintroduzidas ainda precisam enfrentar – como habitat limitado, proximidade com humanos e eventual captura para tráfico – Marcelo Vilarta considera os resultados positivos. Foto: Marcelo Vilarta.
“Do ponto de vista ecológico vale a pena sim, porque representa a possibilidade de a gente dar a esses bichos, que não estavam desempenhando papel nenhum em cativeiro, uma chance de voltar a executar o papel ecológico deles na natureza e de reforçar a população da espécie, que está diminuindo”, diz o biólogo. Foto: Marcelo Vilarta
  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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Comentários 2

  1. Luiz Ribenboim diz:

    Belo projeto. Nunca vi uma na natureza, mas tenho certeza de que é linda voando livre.


  2. Paulo Barata diz:

    Lindo trabalho de reintrodução desta ave maravilhosa. Obrigado a O ECO pela matéria, com belas fotos, e parabéns a todos do IDEFLOR-Bio, da Fundação Lymington e do MZ-USP pelo trabalho.