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Carta – Áreas de Preservação Permanente (APPs)

De Nilo Sérgio de Melo DinizDiretor do ConamaA propósito das colunas de “O Eco” (Marcos Correa e Maria Tereza Pádua) da semana de 24 de...

Redação ((o))eco ·
3 de março de 2006 · 19 anos atrás

De Nilo Sérgio de Melo Diniz
Diretor do Conama

A propósito das colunas de “O Eco(Marcos Correa e Maria Tereza Pádua) da semana de 24 de fevereiro a 3 de março, antes de tudo, vale destacar e enaltecer o espaço que “O Eco” dedica para o debate sobre APPs (Áreas de Preservação Permanente) e o CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente).

O Código Florestal completou 40 anos em setembro de 2005 e vem sendo desrespeitado em todo o território nacional, sobretudo no item “APPs”. Muitas vezes usos irregulares encontram amparo em instrumentos legais locais, instituídos por pressão do poder econômico ou de situações de ocupação irregular do solo urbano, efeito de exclusão social, especulação e grilagem. No mesmo sentido, tramitam no Congresso Nacional cerca de 20 projetos de lei, muitos dos quais com alterações que descaracterizam as APPs, reservas legais e outros dispositivos do Código. Ao mesmo tempo, reflete e reforça essa tendência a falta de informação da sociedade sobre a importância da função ecológica e social dessas áreas: preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, e proteger o solo e o bem estar das populações humanas.

Estudos reunidos pela secretaria do CONAMA indicam que a proporção de APPs em relação ao território nacional pode ultrapassar os 20%. Isso equivaleria a cerca de um estado e meio do Pará, distribuído em beira de rios, lagos e olhos d’água, mangues, veredas, restingas, dunas, topos de morro, escarpas, encostas e chapadas. O que preocupa é que esse levantamento aponta um percentual superior a 40% das áreas analisadas em avançado estágio de ocupação e devastação, especialmente pela atividade agropecuária.

Diante desse quadro, a resolução aprovada pelo CONAMA, cumprindo delegação do Código Florestal, procura recuperar os princípios ali consignados, assim como na Constituição Brasileira, tornando mais claras a situações excepcionais em que se permite a intervenção ou supressão de vegetação em APP. Da mesma forma a resolução fortalece a atuação dos órgãos ambientais responsáveis pelo licenciamento e a fiscalização das APPs. Portanto, é verdade que a resolução busca enfrentar um quadro “que era excessivamente frouxo”, e, pior, sob um silêncio conivente de grande parte da opinião pública.

Em resumo, quanto aos aspectos mais polêmicos, a resolução admite a pesquisa e a extração de substâncias minerais como de utilidade pública, exceção feita a areia, cascalho, saibro e argila. Segundo o Ministério de Minas e Energia, a atividade como um todo, incluindo essas exceções, não chega a afetar 1% da área de APPs no país, ainda que em grande parte a atividade dependa dessas áreas em função da falta de alternativa técnica e locacional, uma das várias exigências legais para que possa ocorrer a intervenção. Quanto à regularização fundiária em área urbana, a norma se limita a ocupações consolidadas com infraestrutura urbana até 10 julho de 2001, predominantemente residenciais e apenas de baixa renda, devendo ficar preservadas faixas marginais de 15 metros, para cursos d’água de até 50 metros de largura, e, acima disso, faixas de 50 metros. Além de ser obrigatória a realização de audiência pública, a regularização é vedada em áreas sujeitas a enchentes, corridas de lama e outros riscos. Tais faixas, em casos excepcionais, podem sofrer alterações mediante longa lista de condicionalidades estabelecidas, sob análise do órgão ambiental competente e submetidas a conselho ambiental deliberativo.

A maior parte da resolução foi aprovada por unanimidade, e grande parte das emendas resultou de negociações entre todos os segmentos do conselho (são 108 membros), inclusive representantes do Ministério Público e das entidades ambientalistas (conservacionistas ou socioambientalistas) – que são eleitas por mais de 850 entidades de todo o País, todas com o objetivo principal de defesa do meio ambiente.

Quando ambientalistas, Ministério Público e representantes do setor mineral se mostraram insatisfeitos com aspectos da resolução, o Conselho adiou a votação de emendas e realizou seis “oitivas públicas” em todas as regiões do País, recolhendo subsídios considerados no texto final. Ao todo, o debate sobre a resolução se estendeu por mais de quatro anos, sendo aprovada durante quatro plenárias entre 2005 e2006.

Os conselheiros do CONAMA tiveram, assim, coragem e competência técnica e política para romper esse dilema entre uma legislação correta e uma postura de desrespeito e omissão quase generalizada. Por tudo isso, pode-se entender melhor porque agora não há mais desculpas (normas locais ou “zonas cinzentas”) para se descumprir a lei federal.

A Política Ambiental Integrada do Governo Lula tem buscado justamente estabelecer marcos legais e institucionais que enfrentam a cultura do “tudo será de quem pegar primeiro”. Assim é com as APPs, da mesma maneira que com a Lei de Gestão das Florestas Públicas, o Projeto de Lei de Acesso a Recursos Genéticos, o Plano Nacional de Recursos Hídricos, a Política Nacional de Resíduos Sólidos e o Plano de Combate ao Desmatamento na Amazônia.

Essa era também a luta de Chico Mendes e Dorothy Stang, que entregaram a própria vida contra a devastação e a ocupação injusta e ilegal de nosso território. Mas o jogo está mudando. Em lugar do “Conama versus APPs”, seria mais verdadeiro dizer que agora o Brasil começa a ver suas APPs.


Resposta de Maria Tereza Pádua:

Prezado Nilo, Desculpe-me mas você está mal informado quando diz que não participei das discussões do CONAMA sobre APPs. Participei muitos anos, quando era membro do Conselho. Como participar agora que este governo nos marginalizou? Não sou mais membro do CONAMA. E embora algumas vezes não fui no passado, sempre era chamada para ajudar. Este foi o único governo de muitos que vi em toda minha história de ambientalista (40 anos), que jamais me chamou para uma opinião sequer. Sobre as suas considerações que concluem que tão somente uma nova resolução vai fazer, por passe de mágica, que as APPs sejam obedecidas, são no mínimo ingênuas. A obediência de legislações só é possível com fiscalização adequada, ordem, educação e conscientização, não com normas cada vez mais frouxas,

Maria Tereza

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