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Carta – Prontas para adoção

De Aníbal Rafael Melgarejo, PhD Chefe da Divisão de Zoologia Médica e Responsável Técnico do Criadouro Científico do Instituto Vital Brazil...

Redação ((o))eco ·
8 de maio de 2006 · 20 anos atrás

De Aníbal Rafael Melgarejo, PhD
Chefe da Divisão de Zoologia Médica e Responsável Técnico do Criadouro Científico do Instituto Vital Brazil

Niterói, 07 de maio de 2006.

Prezados Srs. Diretores do site O Eco e Chefia de Redação. Nesta manhã de 7 de maio de 2006 fui infelizmente surpreendido pela reportagem “Prontas para adoção”, de autoria da jornalista Aline Ribeiro. Face o conteúdo da mencionada matéria, que, ao que parece, permanecerá on-line durante toda a semana, insisto em consignar minha surpresa e indignação, mormente diante da seriedade do trabalho que parece ser desenvolvido por essa organização.

Inicialmente, devo informar que o Instituto Vital Brazil S.A., instituição na qual exerço o cargo de Pesquisador e Responsável Técnico pelo criadouro científico de serpentes, foi procurado, através da Assessoria de Imprensa, pela jornalista que assina a matéria, sendo certo que lhe passaram o número de meu celular para a entrevista, diante da especificidade e minha ampla experiência no tema. Durante o contato com a referida jornalista, fui informado de que se tratava, apenas, de uma matéria sobre a surucucu, serpente peçonhenta da espécie Lachesis muta, dado seu interesse biomédico e ecológico. Evidentemente soube que se tratava do site ligado a jornalismo ambiental O Eco.

A entrevista transcorreu de forma tranqüila, mostrando-se a responsável pela matéria muito interessada e cordial, motivo pelo qual cheguei a elogiá-la pelas inteligentes perguntas, que demonstravam ao menos um estudo prévio que provavelmente facilitaria e aprimoraria a redação (era o que se poderia supor…). Ao final do contato coloquei-me à disposição para uma prévia leitura do artigo a ser publicado, bem como firmei com a mesma acordo verbal de que as fotos que lhe enviaria por e-mail somente seriam publicadas após o envio e recebimento de minha expressa autorização escrita. Detalhe: as fotos foram publicadas embora eu nunca tenha chegado a enviar a permissão (mais isso agora já não vem ao caso, nem é o objeto de minha indignação).

Preliminarmente, tanto eu quanto provavelmente toda a comunidade científica gostaríamos de esclarecimentos acerca da efetiva intenção na publicação da matéria na forma como foi redigida. É realmente uma matéria sobre as surucucus (?), ou seria o enaltecimento e propaganda de um criador/comerciante(?) não autorizado, portanto, ilegal ? Além disso, a matéria tem por finalidade, ou parece ter, denegrir a imagem dos criadouros oficiais que, ainda por cima, possuem experiência pioneira histórica, com trabalhos de pesquisa e aprimoramento da criação há quase um século. A matéria foi deturpada, e é direcionada e sensacionalista !!!

É fato notório que a matéria jornalística acaba, às vezes, por possuir pequenos equívocos na redação final, motivo pelo qual, como pesquisador representando o Instituto Vital Brazil e um criadouro autorizado pelo Ibama, me prontifiquei, desde logo, a revisar o texto. Agora sei porque não fui procurado! De todas as informações que prestei, a única transcrita corretamente é na verdade aquela que inicia o texto, engraçado, sem mencionar meu nome, no primeiro parágrafo, desde “A surucucu…” até “…soro antiofídico”. Daí em diante a grande maioria dos comentários que me são atribuídos estão completamente equivocados e fora do contexto em que foram por mim expressados.

Em primeiro lugar, sob o título “Penúria” a jornalista escreve que temos seis serpentes vivas (ali não esclarece que apenas duas são oriundas da natureza, e as outras quatro nasceram há dois anos e meio e já estão com1,60 m de comprimento), e arremata “Mas a estrutura física do local não é boa”. Ora, quem é essa jornalista que nunca esteve em nosso criadouro, objeto de um amplo projeto de pesquisa patrocinado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, cujos resultados são objeto de divulgação científica utilizada como referência por pesquisadores de todo o mundo, para fazer comentários quaisquer que sejam sobre a nossa instituição?

Mas, no entender da jornalista parece que o único especialista é o Sr. ou Dr. Rodrigo, médico que cria, sem autorização, serpentes venenosas. É… realmente ele diz ter 46 exemplares, mas em nenhum momento esclarece sua origem, cabendo-nos lembrar que o local em que se encontra “estabelecido”é um dos únicos nos quais se pode encontrar esta espécie ainda com maior facilidade. Pior !!! Absurdo o incentivo à suposta proposta do referido médico (cuja especialidade desconhecemos) em exportar tão rara serpente, uma vez que o leitor isso conclui ao ver citado na reportagem o americano Dean Ripa – comerciante de serpentes neotropicais (o que pode ser comprovado em sua página na internet http://www.bushmastersonline.com), além de alemães, etc. Destaque-se também minha total indignação ao ver meu nome associado a afirmações que jamais fiz, como a de que o Ibama seria inconseqüente e de que não tem embasamento…

A comunidade herpetológica, à que pertenço, muito deve hoje ao Ibama, que tem fortalecido a fiscalização e a regulamentação dos criadouros verdadeiramente preocupados com a biodiversidade brasileira, pautando-se pela ética, bom senso e, com o apoio de instituições e pesquisadores, no combate ao tráfico de animais, especialmente serpentes, que não são, nem jamais serão, bichinhos de estimação.

Esperávamos, e ainda esperamos, que O Eco esteja conosco nesta difícil empreitada, motivo pelo qual agora nos manifestamos, pleiteando, amigavelmente, seja esta carta, que segue com cópias para o IBAMA e a RENCTAS, entre outros, objeto de divulgação, uma vez que possuímos direito de resposta.

Reiterando votos de consideração, subscrevemo-nos,

Cordialmente,

Resposta da autora da reportagem Aline Ribeiro:

Caro Doutor Aníbal Melarejo, Gostaria de esclarecer alguns pontos em relação à carta que enviou ao site O Eco sobre a reportagem “
Prontas para adoção“. Primeiramente, faço algumas observações sobre o fato de o senhor não ter lido a reportagem antes da publicação. Submeter o texto ao crivo dos entrevistados é uma escolha do jornalista, que decide se é necessário ouvir a opinião final de sua fonte ou se isso poderia configurar censura prévia das informações. Além disso, como o próprio repórter assina a reportagem, ele mesmo se responsabiliza pelos dados nela contida.

A respeito do seu questionamento sobre o tom da entrevista, quero esclarecer que, em nenhum momento, deixei de dizer que estava interessada em saber a situação da surucucu no Instituto Vital Brazil. Além de conversarmos sobre as características da espécie – o que foi de grande valia para a reportagem -, apurei com sua ajuda quantos exemplares do animal o instituto tem hoje e a forma como estão sendo manejados. Foi neste contexto que, ao afirmar ser a surucucu “uma cobra delicada”, o senhor me atestou estar “aprendendo a lidar com a espécie agora, depois de 17 anos de estudo.”

Além disso, o senhor me disse, durante a entrevista, que uma das tentativas de reprodução do animal não teve sucesso porque houve problemas de temperatura no serpentário. Disse que o aparelho de climatização estaria quebrado e que a “peça necessária para o conserto é difícil de ser encontrada.” Outro fato que me permitiu escrever sobre a estrutura do Instituto Vital Brazil foi a afirmação do senhor sobre a falta de espaço para alocar cobras que eventualmente sejam encaminhadas ao instituto. Na ocasião, o senhor foi incisivo ao dizer que não pode se comprometer com algo que não conseguirá manter depois.

Quero também comentar sua alegação de que a grande maioria das falas que lhes são atribuídas está completamente equivocada e fora do contexto. Gostaria de dizer que reli todas as anotações que fiz durante a entrevista e encontrei cada frase colocada na reportagem. A respeito da polêmica em torno da retirada da espécie da lista de extinção do Ibama, sua colocação foi a seguinte: “A população da Mata Atlântica não deveria ter saído da lista de animais ameaçados. O Ibama não tem embasamento elaborado para fazer isso.”

Em determinado trecho, o senhor coloca que a reportagem é “um incentivo à suposta proposta do referido médico em exportar tão rara serpente, uma vez que o leitor isso conclui ao ver citado no texto o americano Dean Ripa – comerciante de serpentes neotropicais”. Quero deixar claro que no parágrafo em que menciono o pesquisador Dean Ripa estou falando do reconhecimento internacional do trabalho do médico, da troca de experiências com outros criadores de serpentes. Ao contrário do que o senhor disse, a reportagem mostra que, segundo o que foi apurado, não há atividades comerciais envolvendo as cobras e seus subprodutos (como veneno). A matéria diz ainda que o médico pretende transformar o serpentário em criatório comercial, mas, como ainda não obteve autorização do Ibama, não comercializa nada. E o objetivo dele será comercializar apenas o veneno das serpentes. O médico, inclusive, tem de dar satisfação ao instituto de cada animal que aloja em seu serpentário, inclusive em caso de óbito. Desta forma, de acordo com o papel que lhe é atribuído, o Ibama deve estar ciente da situação de cada exemplar do animal.

Além disso, permita-me contestar a idéia de que a matéria tem por finalidade denegrir a imagem dos criadouros oficiais ou até mesmo exaltar o trabalho de um médico. A minha intenção, acima de tudo, foi colocar para o leitor os fatos como eles realmente são, de maneira imparcial, clara e objetiva. Além disso, a reportagem não tem como objetivo criticar este ou aquele instituto. Apenas mostrar qual a situação atual da surucucu nos locais cuja obrigação é, entre outras, lutar pela preservação da espécie.

Desde já, obrigada pela atenção. Espero poder continuar a contar com sua colaboração em outras eventuais reportagens.

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