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Carta – Verde Para Sempre até quando? V

De André MuggiatiNos últimos meses as páginas virtuais de O Eco foram tomadas por intensa polêmica. Não é um novo debate. Trata-se da discussão do...

Redação ((o))eco ·
20 de agosto de 2006 · 18 anos atrás

De André Muggiati

Nos últimos meses as páginas virtuais de O Eco foram tomadas por intensa polêmica. Não é um novo debate. Trata-se da discussão do preservacionismo versus conservacionismo. Ou da proteção integral em comparação com o uso sustentável dos recursos naturais em unidades de conservação. Visivelmente, têm os colunistas de O Eco tomado partido da primeira opção.

Não vamos discutir aqui nestas linhas se um modelo tem vantagens sobre o outro, embora em nossa visão ambos representem distintas estratégias de conservação, válidas para áreas com especificidades diferentes, conforme prevê o Snuc (Sistema Nacional de Unidades de Conservação). Mas na semana passada, em busca de defender suas convicções pró preservacionismo, o colunista e editor de O Eco, Marcos Sá Corrêa, forçou a mão. No artigo “Verde Para Sempre: Até Quando?” atribuiu os desmatamentos identificados pelo Imazon na Resex Verde Para Sempre ao fato de estar esta unidade de conservação enquadrada no segundo grupo. Estaria, segundo o colunista, entregue aos “próprios moradores, submetidos pela ausência das autoridades a um teste perigoso e ameaçando a lenda de que o uso tradicional preserva a natureza.” O site ainda editorializou o caso em seu boletim, Novidades em O Eco. O estudo demonstraria que as Reservas Extrativistas “protegem a mata menos do que deveriam”.

Marcos Sá Correa atribuiu os desmatamentos aos moradores da Resex e ao “modelo predileto de conservação da ministra Marina Silva” sem se aprofundar nos dados do Imazon, citados por ele. Os desmatamentos ocorridos nos dois últimos anos estão na região sul da Verde Para Sempre, onde não há habitantes e o acesso é difícil para seus moradores. As estradas clandestinas de acesso a essa área, citadas na reportagem, partem da rodovia Transamazônica e de Vitória do Xingu. “A análise dos mapas demonstra que os moradores não podem ser responsabilizados”, diz Paulo Amaral, do Imazon. Na verdade, os habitantes da Resex sequer têm condições de saber o que se passa na área em questão.

Os desmatamentos na Verde Para Sempre são realizados por invasores, principalmente madeireiros e pecuaristas, de fora da Resex. Se enquadram na mesma categoria daqueles que têm acabado com a Estação Ecológica da Terra do Meio, uma unidade de conservação de proteção integral, vítima de sucessivos incêndios nas duas últimas semanas. Deste ponto de vista, a Esec Terra do Meio também está protegendo a floresta menos do que deveria.

Atribuir os problemas ambientais da Resex a seus moradores é também injusto. Em abril e junho, o Greenpeace organizou duas reuniões com líderes comunitários da Verde Para Sempre, representantes de ONGs, de movimentos sociais, do Ministério Público Federal e do Ibama. Na última dessas reuniões, os moradores da Resex puderam falar sobre todos os problemas existentes na área. Há pesca predatória por barcos de fora, disputas por terra e, dizem, novas investidas de madeireiros. Todos estes dados foram apresentados aos funcionários do Ibama presentes.

Faltavam, porém, informações sobre a região sul da Resex. Por este motivo, o Imazon se prontificou a realizar o estudo sobre o incremento no desmatamento e exploração madeireira ilegal na área. O dado de que o desmatamento permanece o mesmo de antes da criação da Resex é chocante, mas não chega a ser surpreendente. O posto de fiscalização prometido pela ministra Marina Silva em visita a Porto de Moz em fevereiro de 2005, até hoje não se consolidou. Operações de fiscalização do Ibama foram pontuais e esporádicas.

Portanto, o caso da Verde Para Sempre é exatamente o mesmo da Esec Terra do Meio: ausência de fiscalização e lentidão na implementação. Outras promessas feitas pela ministra Marina, pelo presidente do Incra Rolf Hackbart e por outras autoridades presentes à reunião na Resex no início de 2005 permanecem apenas boas intenções. Na ocasião foram prometidos R$ 22 milhões em investimentos do Governo Federal, o que incluiria os créditos da reforma agrária para os moradores, até hoje não depositados para as associações. Com mais de 1.200 famílias cadastradas, prontas para receber os benefícios, o Incra acaba de anunciar a liberação do crédito para apenas 550 famílias, ou aproximadamente R$ 4 milhões.

Outra ação do governo que continua emperrada é a efetivação do registro civil dos moradores. Até hoje, pelo menos 1.100 pessoas não possuem sequer uma certidão de nascimento. Não existem para o Estado brasileiro, não têm quaisquer direitos ou prerrogativas constitucionais. São “não cidadãos”. Em reuniões recentes com autoridades federais e estaduais, o Greenpeace se prontificou a pagar os custos cartorários desses registros. A lentidão dos governos em assegurar a realização da expedição de documentação pode por tudo a perder: com o nível das águas baixando rapidamente na estação seca, os moradores já começam a adiar o sonho da certidão de nascimento para o ano que vem.

É verdade que algumas ações do governo, com apoio do Programa Arpa (Áreas Protegidas da Amazônia), têm andado mais rápido que em outras áreas. O Plano de Manejo da unidade está sendo elaborado, todos os moradores foram cadastrados, há uma advogada trabalhando na regularização fundiária e uma consultora organiza o conselho gestor da Resex.

Apesar da proteção da área ser menor do que deveria, não se deve desprezar os avanços obtidos com a simples criação da unidade de conservação. Antes da criação da Resex, mais de 60 madeireiras frequentavam a área, derrubando árvores ilegalmente. Hoje, o movimento de balsas carregadas com toras no rio Jaurucu diminuiu muito, é quase inexistente. Na semana passada uma dessas madeireiras, a Porto de Moz, de Foad Tachy, anunciou que vai fechar as portas. Alegam seus proprietários que a operação se tornou inviável devido à criação da Verde Para Sempre. Portanto, embora uma vitória ainda não esteja assegurada, não se pode dizer que o resultado da Resex, até agora, é apenas um empate.

Para além do bem e do mal, qualquer que seja o modelo de unidade de conservação, de uso sustentável ou de proteção integral, a preservação ambiental só estará garantida na Amazônia, no longo prazo, caso o governo esteja de fato presente na região, implementando essas unidades, fiscalizando os ilícitos ambientais e garantindo alternativas de desenvolvimento econômico para os povos da floresta.

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