De José Augusto Pádua
Prezado Marc,
Grato pela resposta cordial e ponderada, como eu já esperava. Ela facilita um diálogo mais construtivo sobre o tema. Vejo que são dois assuntos diferentes, apesar de próximos: a figura histórica de Chico Mendes e o resultado prático das reservas extrativistas.
No primeiro ponto, creio que a sua concordância com algumas das minhas colocações ajuda a posicionar melhor a imagem do nosso personagem. Não gostaria que as pessoas, especialmente os jovens que não viveram os acontecimentos da época, ficassem com a idéia de que seu ambientalismo não era genuíno.
O segundo ponto merece um exame mais cuidadoso e isento. Será que a morte do Chico foi em vão e que as reservas extrativistas não valeram de nada para a conservação da Floresta Amazônica? Não posso concordar com isso, apesar de saber dos muitos problemas que existem e de não as considerar uma panacéia (nunca considerei, aliás). Mas veja que estamos falando de mais de 20 milhões de hectares. Para começo de conversa, você acha que toda essa área teria se transformado em unidades de proteção integral? É muito mais provável que a maior parte dela teria caído na vala comum e lamentável da fronteira da destruição.Em outras palavras, é importante avaliar as reservas extrativistas no contexto geral da história recente da Amazônia, não de maneira isolada. Basta comparar a situação das reservas extrativistas mais consolidadas com o que está acontecendo ao seu redor para saber do que estou falando. Mesmo considerando a existência de focos de desmatamento em algumas delas, não vejo como se pode afirmar que é tudo a mesma coisa. No caso desses focos, ademais, é preciso diferenciar o que são simples invasões externas, o que são pressões externas que as comunidades acabam aceitando e o que são iniciativas geradas pelas próprias comunidades. De maneira geral, porém, a condição ambiental das reservas é incomparavelmente melhor que a da fronteira. Para avaliar com justiça o seu resultado, além disso, é necessário reconhecer que as reservas extrativistas e os assentamentos extrativistas do Incra são bem diferentes na sua concepção e gestão, não devendo ser colocados no mesmo saco.
De maneira geral, parto do seguinte princípio. Só vejo esperança de salvação da Floresta Amazônica nas áreas reservadas. A fronteira aberta é incontrolável. E imagino que você concorda comigo, juntando idealismo com realismo, que não existem condições políticas e econômicas para transformar toda a floresta em área de preservação integral. Mesmo assim devemos lutar para que uma enorme área seja integralmente preservada, usando o argumento dos serviços ambientais e da biodiversidade. Espero também que a ameaça do aquecimento global se transforme em um novo diferencial em favor do financiamento e da implementação desse objetivo. Mas é fundamental associar a proteção integral com outras reservas de uso sustentável, criando uma constelação de reservas que ordene a ocupação territorial da região. Ou seja, reservas de proteção integral e reservas que permitam uma geração maior de trabalho, renda e saudável desenvolvimento para as populações locais, ao mesmo tempo em que se conserve ao máximo a base florestal. Aqui entram as reservas extrativistas, quilombos e outras unidades de uso comunitário. Além, é claro, das áreas indígenas, apesar dessas possuírem evidentes especificidades. Penso que nessa constelação será necessário definir melhor, com base nas figuras jurídicas que já existem e em outras que podem ser criadas, as áreas reservadas para atividades empresariais controladas de mineração, corte de madeira etc. Mas em todos os casos, inclusive no relacionamento com as áreas de proteção integral, é preciso respeitar os justos direitos das populações locais, no sentido de buscar transformá-las em aliados da política ambiental, não em adversários (até mesmo tendo em conta a carência de recursos humanos para a fiscalização e implementação de uma verdadeira política ambiental para a região).
Vou ficar por aqui, pois a carta já está grande. Mas seria bom que outras pessoas participassem do debate, para podermos analisar o tema de maneira mais ampla, racional e positiva. A radicalização leva rapidamente ao sectarismo. Considero altamente contraproducente promover um antagonismo radical entre os conservacionistas e as reservas extrativistas. Essas últimas, assim como todos os outros tipos de reserva, devem ser apoiadas no sentido de enfrentar os seus problemas, ao invés de serem estigmatizadas. Pois enquanto os ambientalistas disputam entre si, quem mais avança é a fronteira aberta da destruição, o grande inimigo da floresta.
Cordialmente
Leia também
STF derruba Marco Temporal, mas abre nova disputa sobre o futuro das Terras Indígenas
Análise mostra que, apesar da maioria contra a tese, votos introduzem condicionantes que preocupam povos indígenas e especialistas →
Setor madeireiro do Amazonas cresce à sombra do desmatamento ilegal
Falhas na fiscalização, ausência de governança e brechas abrem caminho para que madeira de desmate entre na cadeia de produção →
Um novo sapinho aquece debates para criação de parque nacional
Nomeado com referência ao presidente Lula, o anfíbio é a 45ª espécie de um gênero exclusivo da Mata Atlântica brasileira →





