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Entrevista com Iukio Ogawa

Como é o trabalho da Eletronuclear? Iukio Ogawa: Bom, a Eletronuclear tem várias áreas de atuação. A gente começa desde as aplicações médicas,...

Felipe Lobo ·
28 de março de 2008 · 17 anos atrás

Como é o trabalho da Eletronuclear?

Iukio Ogawa: Bom, a Eletronuclear tem várias áreas de atuação. A gente começa desde as aplicações médicas, que é uma ferramenta importantíssima para salvar vidas, e passa pelo uso industrial (principalmente para avaliação, por exemplo, de soldas e funcionamento de equipamentos). Hoje, o Brasil também é privilegiado por dominar tecnologias do uso do urânio para geração de energia elétrica. Vivemos em um país beneficiado por uma rede hidrológica muito importante. Temos 90% da geração de energia elétrica oriunda a partir das hidrelétricas. Mas, de qualquer forma, a energia térmica é uma importante forma de geração para compor a matriz. Isso provoca um equilíbrio na matriz e reduz os riscos do fornecimento da energia elétrica.

O senhor poderia explicar como é o processo de geração de energia elétrica em uma usina nuclear?

Ogawa: O urânio é um minério natural e, com uma parte dele, temos um processo chamado enriquecimento isotópico para aumentar a capacidade energética desse urânio a fim de ter a fissão nuclear. Ao sofrer esta fissão, o urânio gera calor. Esse calor aquece a água do reator, ela transforma-se em vapor, que movimenta as turbinas e o gerador que produz a energia elétrica. O funcionamento de uma usina nuclear é o mesmo que qualquer usina térmica. Por exemplo, uma planta a carvão queima o carvão para gerar calor, que aquece a água para gerar vapor, movimentar as turbinas e o gerador. Quer dizer, só a fonte de aquecimento é diferente: carvão, gás, óleo e urânio.

A afirmação de que a energia nuclear não emite gás estufa é correta?

Ogawa: Sim. Ela não sofre processo de combustão. A geração de calor ocorre através da fissão do átomo, e não através da queima de um combustível fóssil. Todo o processo de combustão emite carbono, mas como a energia nuclear não tem isso, não lança carbono para a atmosfera.

Não há qualquer emissão indireta de gás carbônico?

Ogawa: A gente pode considerar que existe uma emissão de gás carbônico, sim. Temos alguns geradores movidos a diesel, e para movimentar gerador diesel é preciso utilizar óleo. Então, nesse processo, nós emitimos CO2. No entanto, geradores desse tipo são de emergência, só funcionam durante a fase de testes e na eventualidade de termos um black out. Neste caso, precisamos gerar energia pelos geradores de diesel. Por isso, é correto dizer que a usina nuclear não lança gás estufa.

E como foram as experiência com as centrais de Angra 1 e 2 até hoje, no que diz respeito a impactos ambientais e geração de energia?

Ogawa: O resultado é muito positivo. Angra 1 foi uma experiência pioneira importantíssima para a fixação da tecnologia no país e contribuiu para a formação de vários pesquisadores, universidades, institutos de pesquisa e de nossos engenheiros, que se aprimoraram na implantação desta usina. Angra 2 já é a coroação deste projeto. Foi ousado e acho que foi feliz. O Brasil é hoje um dos poucos países do mundo que detém a tecnologia de todo o ciclo do combustível. Temos minérios e um potencial de expansão para composição da matriz energética. Angra 2 começou a operar em 2001, e a gente tem gerado com altos níveis de rendimentos e capacidades.

Um dos maiores temores, quando se pensa em usina nuclear, é risco de acidentes. Caso Angra 3 seja aprovada, como será sua segurança?

Ogawa: A segurança é prioritária em qualquer projeto nuclear. É o único empreendimento industrial, e eu posso afirmar isso com bastante segurança, no qual todos os componentes da segurança já estão inseridos desde a fase de planejamento. Então, para conter a radiação, nós temos várias barreiras, os operadores são treinados para enfrentar essas situações anormais, e há vários sistemas de alarme, detenção e monitoração para poder orientar a ação de nossos operadores e trabalhadores. Então, o projeto já é voltado para reduzir a níveis insignificantes a possibilidade de um acidente.

Vamos supor que um acidente pode, de fato, acontecer. Existe um plano para evacuar os habitantes de Angra dos reis e municípios próprios?

Ogawa: Isso é uma matéria para físicos e engenheiros, mas a segurança, como eu disse, começa no planejamento. Então, quando se faz um projeto de uma usina, é também feito um projeto assumindo que o sistema pode falhar e qual a medida para evitar esta falha. São várias barreiras físicas para conter e evitar a liberação de radiação para o meio ambiente. Passado isso, temos várias outras estruturas que são considerados como círculos de tiro ao alvo: o alvo é o acidente e os círculos em volta são as barreiras de proteção, avaliadas através de treinamentos, conscientização, manutenção e sistemas para nos informar a tempo de agir preventivamente. Um acidente em uma usina do tipo de Angra 1 e Angra 2 ocorreu nos Estados Unidos (em Tree Mile Islands). Na época, houve a fusão do núcleo do reator, mas não aconteceu liberação de material radioativo para o meio ambiente – porque falhou o sistema mas o projeto funcionou. Então, nenhuma ação da população contra a usina é considerada porque foi comprovado que não houve liberação de material radioativo para o meio ambiente. Essa é uma decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos.

A energia nuclear não é renovável. Porque investir nela agora?

Ogawa: O mundo, hoje, tem reservas muito grandes do minério. Nós temos no Brasil, considerando que apenas 30% do território nacional foi prospectado, a sexta maior reserva de urânio no mundo. O que precisamos considerar é que o urânio é um minério altamente energético: uma tonelada de urânio equivale a três mil de carvão em termos energéticos.

E o impacto da mineração no meio ambiente?

Ogawa: A área de prospecção é muito pequena, infinitamente menor do que a necessária para outros tipos de material, como alumínio e ferro. Isso porque precisamos de um pequeno volume para gerar uma grande massa de energia. Não há necessidade de grandes escavações. Falo, por exemplo, de escavar uma área 10, 100 mil vezes menor do que uma prospecção de ferro ou alumínio.

A destinação dos rejeitos radioativos também é um sério problema. Como a Eletronuclear lida com essa situação?

Ogawa: Os rejeitos são muito pequenos. Como eu estava dizendo, Angra 1 começou a operar comercialmente em 1985 e Angra 2 em 2001. Essas duas plantas juntas, hoje, têm um volume de lixo muito pequeno. Ele é armazenado em tambores. Até hoje, esses tambores ocupam, aproximadamente, duas quadras de futebol de salão. Ou seja, temos vinte anos de operação em uma usina, sete anos em outra, e temos rejeitos em um depósito que é do tamanho de uma quadra dessas de esporte.

Há algum risco desses rejeitos escaparem?

Ogawa: Não, nenhum, porque esse rejeito só sai de dentro da usina na forma sólida. Então, tudo o que é líquido, tudo o que é gás, é evaporado e processado para se transformar em uma matéria sólida dentro dessas embalagens. A radiação é contida e guardada em depósitos que são permanentemente fiscalizados pela Eletronuclear.

Depois que a vida útil da usina chega ao fim, o lixo radioativo continua sendo monitorado?

Ogawa: Sem dúvida, essa é uma questão institucional, de governo. As usinas fazem uma provisão de um ponto de descomissionamento. Quer dizer, depois de 60 anos que elas foram desligadas, desconectadas do sistema, os rejeitos são tratados e armazenados adequadamente.

Certo, mas ainda assim há um mínimo risco de ocorrer a liberação de material radioativo. O que será feito se isso acontecer?

Ogawa: Caso ocorra, a liberação será contida. Se vazar um pouco, temos um plano de remoção de pessoal, que começa em um sistema de monitoramento permanente e vai até a ação preparada e treinada de órgãos como Corpo de Bombeiros, Defesa Civil, e dos técnicos da Eletronuclear. A população é acionada através de alarmes, da informação da mídia e também podemos utilizar, em determinados momentos, carros de som para remover os moradores do local contaminado para um outro. Só que essa ação ocorre antes de haver a efetiva contaminação. Quanto a gente tiver com uma indicação, o planejamento de emergência é avisado. Vale lembrar que o plano conta com vários grupos treinados que se reúnem periodicamente para discutir suas ações e responsabilidades. Existe uma coordenação central do governo, em Brasília, através do Ministério da Ciência e Tecnologia e nós temos também a Defesa Civil estadual, que é a responsável operacional pelo plano e a Defesa Civil municipal, que também colabora com a estadual. A Eletronuclear é responsável pela sua área de propriedade e vai prestar apoio a essas outras instituições.

Para as pessoas que ainda vêem Chernobyl, na Ucrânia, como o maior exemplo de usina nuclear, o que o senhor tem a dizer?

Ogawa: A população e as pessoas devem se tranqüilizar. A empresa vai estar aberta para instituições, universidades e colégios interessados em visitá-la, quando poderemos prestar maiores esclarecimentos. Mas o que posso dizer é o seguinte: a população pode ficar tranqüila porque o projeto de Angra não tem nada a ver com Chernobyl. Lá, o projeto era antigo, não tinha esse sistema de segurança e nem sequer a contenção prévia para segurar o material radioativo. Era um projeto antigo, em uma região carente de tecnologia, que tem um inverno rigorosíssimo, com cerca de 30 ou 40 graus negativos. Quer dizer, era preciso gerar calor queimando qualquer coisa. E lá, efetivamente, eles queimaram o reator. Por isso que teve aquela dimensão. Não há possibilidade de acontecer isso com um reator do tipo do projeto de Angra.

  • Felipe Lobo

    Sócio da Na Boca do Lobo, especialista em comunicação, sustentabilidade e mudanças climáticas, e criador da exposição O Dia Seguinte

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