Notícias

Fotografar o Cebus Flavius

As reproduções históricas da nossa fauna e flora, feitas pelos antigos naturalistas que passaram por aqui em séculos anteriores sempre me...

Adriano Gambarini ·
16 de maio de 2008 · 18 anos atrás

As reproduções históricas da nossa fauna e flora, feitas pelos antigos naturalistas que passaram por aqui em séculos anteriores sempre me fascinaram. A perfeição de detalhes, as tintas que não desaparecem no tempo, o papel de fibra dando textura às nossas mãos; tal precisão só não supera as emulsões e pixels fotográficos, vendo como um registro técnico, porque muitas vezes os artistas colocavam suas interpretações às feições dos animais e das paisagens retratadas. Mas aí está a graça da arte, a liberdade de expressão, mesmo no mais alto rigor documental; parece que havia uma intenção subliminar do artista em dar graça, e um tom de bizarrice, para impressionar os czars e imperadores que pagavam por estas empreitadas em terras tupiniquins.

Quando vi a primeira prancha retratando o Cebus flavius pelos artistas de Marcgraave, pensei: “este macaco mais parece uma figura antropomórfica, uma carranca do Velho Chico”. Mas ao lembrar que isto ocorreu há 370 anos atrás, em terras hostis de mosquitos e doenças tropicais, entendi o conceito e a forma como estes desenhos devem ser interpretados. E foi neste universo de pinturas surreais que os pesquisadores Marcelo e Langguth entraram ao buscar algo que pudesse dar luz àqueles macacos com padrão tão diferente de pelagem. E me levaram junto neste caminho sem volta: entender a complexidade da biodiversidade buscando elementos históricos. Já havia tido esta experiência quando participei de um documentário que refez o trajeto da lendária Expedição Langsdorff, percorrendo milhares de quilômetros de rios brasileiros, descobrindo etnias indígenas e um inventário esplendido da biodiversidade brasileira.

Mas confesso que este trabalho com o Cebus flavius me pegou pelo calcanhar. Os estudos taxonômicos, a prudência e ética dos pesquisadores em vasculhar a história, antes de serem dominados pelo desejo incondicional de cientista em descobrir uma espécie nova. A busca incansável por grupos de macacos em pequenos fragmentos de mata atlântica, oprimidas pela monocultura avassaladora da cana. E conseguir, depois de árduas e desgastantes tentativas vãs percorrendo estas matas, registrar um filhote comendo um pedaço de cana ‘roubada’ do sítio vizinho.

Acompanhar a chegada de um casal de macacos no saguão de carga da TAM, assustados em caixas de madeira. E anos depois, fotografar a docilidade em forma de olhar, num filhote chamado Maria. E sem considerar qualquer analogia ao significado que este nome tem nos registros da história cristã, o fato é que este filhote nasceu banhado de esperança, um sopro de luz ao futuro da espécie de primata mais ameaçado do planeta.

Somos privilegiados em recontar, criar e fazer parte desta história.

  • Adriano Gambarini

    Fotógrafo profissional desde 1991. Vencedor do Prêmio Comunique-se, é geólogo de formação, com especialização em história natural e espeleologia, autor de 20 livros e diretor de dezenas de documentários.

Leia também

Notícias
19 de dezembro de 2025

STF derruba Marco Temporal, mas abre nova disputa sobre o futuro das Terras Indígenas

Análise mostra que, apesar da maioria contra a tese, votos introduzem condicionantes que preocupam povos indígenas e especialistas

Análises
19 de dezembro de 2025

Setor madeireiro do Amazonas cresce à sombra do desmatamento ilegal 

Falhas na fiscalização, ausência de governança e brechas abrem caminho para que madeira de desmate entre na cadeia de produção

Reportagens
19 de dezembro de 2025

Um novo sapinho aquece debates para criação de parque nacional

Nomeado com referência ao presidente Lula, o anfíbio é a 45ª espécie de um gênero exclusivo da Mata Atlântica brasileira

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.