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O homem (ainda) no centro do mundo
Há alguns dias, participei aqui em São Paulo de um evento sobre seguros para jornalistas, onde foram apresentados os resultados de uma importante pesquisa sobre mudanças climáticas, num tom bastante conservacionista. Mas o que me chamou mesmo a atenção foram algumas conversas cruzadas que ouvi na hora do coffee-break
Entre um lanchinho e outro, um senhor muito distinto, figura importante no evento, disse para seu interlocutor, que concordava com movimentos de cabeça, algo como: absurdo fazerem um estardalhaço pra salvar a tal ararinha-azul enquanto tem um monte de criança morrendo no mundo. Meu desgosto foi alimentado ainda outro momento, quando o mesmo senhor, desta vez para toda platéia, soltou: não concordo com os africanos se mobilizando pra salvar o mico-leão-dourado lá deles enquanto tem 500 mil crianças morrendo de fome na África.
Símbolo nacional do esforço pela preservação, o mico-leão-dourado é exemplo emblemático do impacto do homem na natureza. A espécie, endêmica da Mata-Atlântica brasileira (esqueceram de avisar ao distinto senhor), chegou a contar com apenas 250 exemplares na década de 1970, vítima do tráfico de animais e da perda de habitat. Atualmente, segundo a Associação Mico-Leão-Dourado, existem cerca de 1.500 exemplares na natureza. Para que ele deixe de ser considerado sob ameaça de extinção, a população em vida livre tem que chegar a pelo menos dois mil indivíduos.
O caso da ararinha-azul é ainda mais grave. Espécie natural da Caatinga, sua população foi praticamente dizimada, também pela caça e destruição de habitat. Faz nove anos que um exemplar da espécie foi visto pela última vez na natureza, no sertão da Bahia. Hoje, existem apenas 68 ararinhas oficialmente registradas pelo programa de reprodução em cativeiro do governo brasileiro. Destas, apenas seis exemplares estão no Brasil. Isso mesmo, apenas 68 ararinhas em todo o mundo! E quantos nós somos, mesmo? Às 15h36 (GTM) de hoje (17), o site do governo americano U.S. Census Bureau contabilizava 6,771 bilhões de habitantes.
Não estou aqui defendendo a morte de criancinhas inocentes – no Brasil ou na África - em favor da salvação de micos-leões ou ararinhas-azuis. Mas sim a necessidade de uma visão global da preservação da natureza, independentemente da espécie. O homem depende, sim, da sobrevivência de ararinhas e micos, por serem eles importantes atores na intrincada rede de manutenção da biodiversidade. Me pergunto quantas espécies ainda vão desaparecer para sempre, até que o antropocentrismo (declarado ou não) e a visão fragmentada da realidade deixem de dar o tom em debates sobre preservação.