Cena 1 – Metrô de São Paulo, Estação da Sé, 17h. Com uma corda na mão, um dos funcionários responsáveis por organizar a multidão separa a próxima leva a ocupar a área de embarque. É tanta gente que, para ajudar a administrar o fluxo, foram instaladas grades de ferro. O trem para e, com cotovelos, empurrões e muito aperto, uma leva entra. Sobram rostos apertados contra o vidro quando a porta fecha. Nem todos conseguem embarcar e, quem ficou no cercadinho, pelo menos consegue garantir um espaço perto da porta para ser tragado pelo próximo vagão que parar. O fiscal mais próximo sua. Uma senhora tenta fragilmente avançar na gaiola. Ninguém se mexe. Ninguém consegue se mexer. Até chegar o trem seguinte.
Cena 2 – Avenida Doutor Arnaldo, 9h, dia de chuva. O vidro do ônibus parece mais grosso, o vapor quente e abafado gruda na janela feito cola velha. O cheiro de suor se mistura com um perfume doce demais e o cheiro de goiaba da sacola da moça da frente; a manhã é quente demais, mesmo com o temporal lá fora. De dentro, dá para ver o próximo grupo de passageiros. As pessoas se acumulam no ponto de ônibus, em uma crescente de guarda-chuvas e calças molhadas. É preciso equilíbrio e cuidado para não molhar e não ser molhado com o entra-e-sai constante de gente e respingos. Tudo é apertado. Do lado de fora, carros vazios com motoristas cansados. O trânsito trava. Ninguém se mexe.
Cena 3 – Rua Apinagés, 18h30, dia de muita chuva. A pé, é difícil cruzar alguns trechos. A rua é íngrime e a velocidade da água assusta. São poças que viram correntes, que quase viram rios. Mesmo na ladeira, a corredeira chega na canela. É preciso atenção com possíveis bueiros abertos ou com objetos levados. O temporal é lindo de ver. No começo, as gotas são como milhares de agulhas, uma explosão de sensações nervosas e frio. Depois que a pele acostuma, a constante é até agradável. As poucas árvores do caminho estão sobrecarregadas de água. Não dá para ver grama ou canteiros, é só asfalto. Casas ameaçam alagar, moradores improvisam sacos para conter a enxurrada e motoristas hesitam antes de cruzar as ruas-rios. Asfalto demais. Um motorista avança e levanta água em três moças desajeitadas, dividindo a breve cobertura de um sobrado. Molhadas, elas soltam um palavrão.
Cena 4 – Metrô de São Paulo, Linha Amarela, manhã. Formigas. Ou gado. Do embarque na Estação Pinheiros até o desembarque na confusa e tumultuada Estação Consolação (ou Estação Paulista?), não dá para decidir se fomos todos transformados em formigas ou gado. A Estação Pinheiros parece um formigueiro. É um buraco profundo, com escadas prolongadas subindo e descendo, com gente-formiga subindo e descendo sem parar. Filas de formigas. Na Paulista (ou Consolação?), o povo se transforma em manada, seguindo caminhos com cercas, sem opção, sujeitos ao ritmo dos demais. É um caminhar constante, reto, seco. E perigoso, sujeito a um estouro como todo estouro de manada. Sensação de claustrofobia, vontade de sair daquele conjunto de passadas constantes. Gente demais. Todos se mexem. Mas ninguém se mexe.
Leia também
Fungos querem um lugar ao sol nas decisões da COP16
Ongs e cientistas alertam que a grande maioria das regiões mundiais mais importantes para conservá-los não tem proteção →
Parque Nacional do Iguaçu inaugura trilha inédita
Trilha Ytepopo possui um percurso de 5 km que segue caminho às margens do Rio Iguaçu e poderá ser feita pelos visitantes do parque →
Entrando no Clima #29 – Eleições americanas e a luta por maior proteção à biodiversidade do planeta
De Cali, Aldem Bourscheit traz os resultados parciais da COP de Biodiversidade. Neste episódio, ((o))eco também debate o futuro da luta climática diante das eleições nos EUA →