Manaus, AM — No meio das amostras de crânios de anta juntados no início do século para estudos na Universidade Federal de Rondônia, alguns intrigavam o paleontologista Mario Cozzuol. Apesar de diferentes dos demais, era incrível que alguns vinham de animais mortos recentemente. Isto significava que essa anta diferente era um animal vivo e não um mamífero extinto há milhares de anos, como aqueles que Cozzuol já estava habituado a estudar.
Foram necessários dez anos de análises da morfologia e genética de antas ainda vivas e também extintas, mas o resultado foi uma descoberta considerada entre as mais importantes do ano: uma nova espécie de anta que ainda povoa a Floresta Amazônica. “O paleontólogo está acostumado a reconhecer animais do passado, descobrir um que ainda está vivo é realmente diferente”, afirma o pesquisador, hoje professor da Universidade Federal de Minas Gerais.
A descoberta foi publicada esta semana no Journal of Mammalogy, voltado para pesquisas sobre mamíferos. A Tapirus kabomani é a primeira espécie da ordem Perissodactyla, que inclui cavalos e rinocerontes, encontrada nos últimos cem anos e a primeira anta dos últimos 150 anos. Ela é menor do que o Tapirus terrestris, ou anta-brasileira, e possui as pernas mais curtas. Enquanto a espécie já conhecida pode pesar até 300 quilos, a nova tem a metade desse peso. Possui também uma coloração mais escura e uma crista menos proeminente.
Os estudos que se iniciaram em Rondônia levaram também a descoberta de uma anta já extinta, a Tapirus rondoniensis. O paleontólogo explica também que a nova espécie se diferenciou da anta-brasileira há cerca de 300 mil anos. Na América do Sul existe ainda outra espécie de tapir, o Tapirus pinchaque, que vive nas montanhas desde a Venezuela até o Peru. Existem também registros na Colômbia do Tapirus bairdii, que vive na América Central.
A pesquisa confirmou uma diferença que índios Karitiana e ribeirinhos já conheciam, mas que para cientistas se tratava apenas de variações de uma mesma espécie. “Os índios nos traziam crânios de animais caçados e diziam quais eram da nova espécie e quais eram da outra. E essa divisão era verificada também nos testes que fazíamos”, conta Cozzuol. Ribeirinhos já tinham até nome para essa espécie: anta-pretinha.
E agora já se sabe que a espécie foi até alvo de um presidente americano: Quando Theodore Roosevelt, no início do século XX, esteve no Brasil, abateu uma anta que hoje está no Museu Americano de História Natural, em Nova Iorque. Era uma anta-pretinha.
Esta é a terceira espécie de anta viva reconhecida na América do Sul e a quinta em todo o mundo. Apesar de ter sido descoberta na divisa dos estados de Rondônia e Amazonas, Cozzuol acredita que esteja distribuída por toda a Amazônia. “A nova anta vive em mosaicos, com áreas de floresta e mata mais baixa, enquanto a anta-brasileira prefere vegetação mais uniforme”, diz o paleontólogo argentino.
Mas para conhecer melhor os hábitos e a distribuição desta espécie vão ser necessários mais estudos. “Nossa próxima etapa da pesquisa é determinar a distribuição real de ocorrência e o status de conservação da nova espécie, que deve estar provavelmente ameaçada, já que a espécie mais comum na América do Sul, a Tapirus terrestris, já é considerada de vulnerável à extinção pelo livro vermelho [Livro vermelho da fauna brasileira ameaçada de extinção, organizado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)]”, antecipa Flávio Rodrigues, professor de ecologia da UFMG e coautor do artigo.
O estudo foi financiado parcialmente pela Fundação O Boticário, entre 2010 e 2012, o que possibilitou análises mais completas de DNA, além de estudos sobre a distribuição da espécie e visita a alguns locais de ocorrência. O estudo também contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
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Saiba Mais
Artigo. MARIO A. COZZUOL, CAMILA L. CLOZATO, ELIZETE C. HOLANDA, FLÁVIO H.G. RODRIGUES, SAMUEL NIENOW, BENOIT DE THOISY, RODRIGO A.F. REDONDO, FABRÍCIO R. SANTOS. 2013. A new species of tapir from the Amazon. Journal of Mammalogy.
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