O Parque Nacional do Iguaçu entrou em rota de colisão com seu título de Patrimônio Natural da Humanidade. Aposta essa reputação em mesas avulsas, que o acaso juntou este mês em Brasília, a capital dos desencontros.
Numa rodada, o governo afia a língua para convencer a comissão da Unesco, instalada na cidade nesta virada de mês, que o parque vai bem, obrigado. Há queixas contra ele nos relatórios técnicos que precederam o encontro. Eles lamentam, para começo de conversa, a afobação para bater recordes de visitação ano após ano, em prejuízo da conservação da fauna e da flora.
Mas, até aí, a Garganta do Diabo fala mais alto. O título continuaria no papo, se não tivesse chegado a Brasília, pouco antes da comissão, mais uma proposta para reabrir a Estrada do Colono, cortando ao meio a floresta do Iguaçu. À Unesco se creditou, nove anos atrás, o empenho do governo brasileiro para interditar depressa a estrada, com Exército e a Polícia Federal.
A idéia de reabri-la apresentou-se no Ministério do Meio Ambiente pela mão do desembargador Álvaro Eduardo Junqueira. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região encarregou-o de promover a conciliação entre o parque e seus tradicionais invasores, em vez de julgar o processo. E ele passou a cuidar disso pessoalmente.
Com a conciliação em marcha o projeto, que era assunto de políticos locais, ganhou padrinho federal. E mudou de estilo. A reabertura da estrada agora de chama “restauração”. Dispensa a força e a coreografia da luta armada que usou para ocupar o parque em 1997 e 2001. Mas não perdeu ao ar de fato consumado.
Semanas atrás, os municípios paranaenses ouviram do desembargador, em assembléia, a sugestão de que se contentassem com uma estrada “mais ecológica”. Imediatamente, materializou-se o projeto de Estrada Ecológica, assinada pelas associações de municípios do Oeste e do Sudoeste do Paraná. O deputado paranaese Assis do Couto, de quebra, apresentou na Câmara o projeto de lei 7.123, que cria a “Estrada-Parque Caminho do Colono”. Vai relatá-lo outro deputado paranaense, o engenheiro Eduardo Sciarra – que, como sócio da construtora CRE, tem um pé na Cataratas S/A, a empresa que explora legalmente os serviços turísticos terceirizados no Iguaçu. E agora outro pé na informalidade.
A estrada-parque é um atalho para a entrada no parque de concessionários que se credenciam, sobretudo, como detentores da “memória dos prioneiros”. Em outras palavras, da lenda que atribui aos colonos gaúchos e catarinenes a iniciativa “histórica” de rasgar na selva o tal caminho, aberto em terras da União pelo governo estadual. Isso, na década de 1950. Portanto, no mínimo 11 anos depois do decreto que instituiu o parque.
Mas trunfo histórico nunca falta, como ensinou o historiador Sérgio Buarque de Holanda em Visões do Paraíso. Arisco mesmo é o futuro. E ele escapa pelas frinchas do projeto, que fala em calçar os 17,6 quilômetros do caminho de terra com lascas de balsalto, para que o piso irregular obrigue os veículos a trafegar em baixa velocidade. Garantindo, portanto, “a travessia segura da fauna”. Mas, por via das dúvidas, manda cortar todas as árvores a um metro e meio da pista, “para evitar acidentes”.
Indica “ônibus elétricos” nos passeios turísticos, sem dar a menor pista de onde pretende encontrá-los. Enumera 15 investimentos. Não apresenta um só custo. Cabe inteiro em menos de 10 páginas, apesar da farta ilustração. Dá para atravessá-lo, de ponta a ponta, em minutos. Se cair nas mãos da Unesco, o governo brasileiro terá muito o que exlicar à comissão do Patrimônio Natural da Humidade.
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