O Brasil deu esta semana mais um passo para cumprir o compromisso, assumido junto à Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) da ONU, de elaborar até 2020 uma lista completa das espécies da flora brasileira ameaçadas de extinção. Lançado oficialmente pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) em 3 de dezembro, o Livro Vermelho da Flora Brasileira traz a avaliação dos riscos enfrentados por 4.617 espécies nacionais e classifica 2.118 delas nas categorias Vulnerável (VU), Em Perigo (EM) ou Criticamente em Perigo (CR). O resultado desse levantamento, realizado a partir do trabalho conjunto de 200 pesquisadores do Brasil e do exterior, servirá como base para uma atualização da Lista Oficial das Espécies Brasileiras Ameaçadas de Extinção, documento legal do governo brasileiro cuja versão atual, elaborada em 2008, aponta somente 470 espécies.
Não se trata de um catálogo definitivo, posto que o trabalho de identificação e classificação das cerca de 40 mil espécies da flora no Brasil, ameaçadas ou não, ainda é um processo em curso. Mesmo abrangendo um universo de 10% da flora nacional, no entanto, o Livro Vermelho, elaborado pelo Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora), órgão subordinado ao instituto federal de pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), já pode ser considerado o principal instrumento para a orientação de políticas públicas voltadas à conservação dessas espécies, pois identifica os principais fatores que as levaram à atual situação de risco de extinção.
O Livro Vermelho elencou 5.642 fatores de ameaça à flora brasileira. Mais de 60% desses fatores (3.400) pressionam espécies consideradas em risco de extinção. Citada em 2.970 casos, a perda de habitat e a degradação das espécies vegetais são provocadas preferencialmente pelo avanço da fronteira agrícola (36,1%), pela execução de obras de infraestrutura e planos de desenvolvimento (23,5%), pelo uso intensivo de recursos naturais (22,3%) e pelas queimadas provocadas por pessoas (11%). Além disso, o estudo conclui que “as espécies ameaçadas freqüentemente se concentram em áreas específicas, onde os altos níveis de endemismo coincidem com altos níveis de risco, sobretudo impactos do uso da terra”.
Os pesquisadores concluem ainda que diversas espécies com habitats e áreas de distribuição similares enfrentam ameaças similares. A maioria das espécies ameaçadas se concentra nos sete estados das regiões Sudeste e Sul. Minas Gerais é o estado que apresenta a maior quantidade de espécies classificadas nas três categorias de risco de extinção (VU, EN e CR), em um total de 810, seguida por Espírito Santo (500), Rio de Janeiro (490), Bahia (480) e São Paulo (480).
Na análise por bioma, a Mata Atlântica e Cerrado são os que reúnem o maior número de espécies ameaçadas. Em seguida, aparecem no ranking a Caatinga e os Pampas, e só na quinta posição a Amazônia. É justamente no bioma amazônico, no entanto, que o estudo do MMA se revela mais frágil, devido às difíceis condições de acesso a determinadas regiões e também às inúmeras lacunas de informação científica ainda existentes no que diz respeito às espécies amazônicas. Outro fator que pode explicar a posição da Amazônia no ranking é o grande número de unidades de conservação e outras áreas protegidas (38% do território) existentes naquele bioma.
No que diz respeito aos grupos de espécies avaliados, as Pteridófitas (samambaias, avencas e xaxins, entre outras) são as mais ameaçadas nas três categorias de risco de extinção levadas em consideração pelo Livro Vermelho. A família das Bromeliaceae (bromélias), no entanto, é a que apresenta o maior número de espécies (60) classificadas como CR, ou “Criticamente em Perigo”, seguida pelas famílias Orchidaceae (orquídeas) com 55 espécies e Asteraceae (margaridas, crisântemos e girassóis) com 45 espécies. O estudo afirma ainda que entre as asteráceas encontra-se a maior quantidade de espécies (145) classificadas como EN ou “Em Perigo”, enquanto o maior número de espécies classificadas como VU ou “Vulneráveis” pertencem à família das Orchidaceae (55). Em números absolutos, o livro aponta o gênero Begoniaceae (begônias) como aquele que tem mais espécies ameaçadas (36), seguido pelo gênero de bromélias Vriesea (35) e pelas Xyridaceae (Xyris, com 27 espécies ameaçadas).
Metodologia
O Livro Vermelho da Flora Brasileira é dividido em três partes. A primeira delas, segundo seus organizadores, “reúne capítulos que contextualizam a importância das avaliações de risco de extinção para a conservação de plantas no Brasil e no mundo, e apresenta as metodologias de trabalho e os principais resultados alcançados”. A segunda parte é composta por capítulos específicos sobre cada uma das famílias botânicas avaliadas e traz o resultado das avaliações nacionais de risco de cada espécie apontada como ameaçada de extinção. A estrutura do livro se completa na terceira parte, que esclarece aspectos técnicos da obra e traz o “Sistema de Categorias e Critérios de Risco de Extinção” adotado para as avaliações, além de tabelas de classificação de habitats e de um índice remissivo.
O instrumento mais prático do Livro Vermelho, entretanto, parece ser mesmo a lista das ameaças que incidem sobre a flora brasileira, acompanhada pelas respectivas ações de conservação sugeridas pela equipe de pesquisadores do CNCFlora. Para a classificação do nível de ameaça, foi utilizado o sistema da Lista Vermelha da União Internacional para Conservação da Natureza (UICN), método considerado mais rigoroso que os anteriormente usados no Brasil: “Esse sistema permite que as informações sobre a flora brasileira sejam comparadas às de outras regiões do mundo e incluídas em análises globais de espécies ameaçadas”, afirma Gustavo Martinelli, coordenador do CNCFlora e organizador, ao lado de Miguel Ávila Moraes, do Livro Vermelho.
Metas
De acordo como o pretendido pelo governo, o Livro Vermelho da Flora Brasileira é a primeira etapa para a elaboração de uma atualizada e bem estruturada Lista Oficial das Espécies Brasileiras Ameaçadas de Extinção, compromisso assumido pelo governo brasileiro durante uma das Conferências das Partes (COPs, na sigla em inglês) da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU: “A previsão é que o Livro Vermelho seja renovado a cada cinco anos, mas uma versão on-line, que estará disponível no site do CNCFlora na internet, terá contribuições permanentes e será atualizada anualmente”, diz Martinelli.
A ministra Izabella Teixeira qualificou o livro como “um marco na pesquisa brasileira”, e afirmou que, com esse lançamento, cumpre “o desafio de resgatar a pesquisa” assumido quando chegou ao MMA: “Nós temos no Brasil a nata da pesquisa na área tropical”, celebrou, antes de dar um recado a todos os pesquisadores: “Apliquem bem o conhecimento adquirido a partir deste livro e continuem trabalhando e construindo um caminho de consolidação do resgate da biodiversidade da flora brasileira”.
O lançamento do Livro Vermelho também foi saudado pela presidente do JBRJ, Samyra Crespo: “Quando assumi, a ministra me pediu que investisse em pesquisa e ensino de qualidade. Com o lançamento dessa publicação, me sinto orgulhosa de estar cumprindo essa missão e de ser a guardiã de coisas boas que já eram feitas no Jardim Botânico. Agradeço e parabenizo todos os pesquisadores envolvidos nesse trabalho”, disse. O JBRJ, órgão subordinado ao MMA, é um dos responsáveis pela execução das políticas públicas brasileiras relativas ao estudo e à conservação da biodiversidade.
O livro está disponível para download aqui
Leia Também
O tamanho do problema
Museu Goeldi alerta para a extinção da árvore Virola
Flora quatro vezes mais ameaçada
Leia também
Nova meta de redução de emissões brasileira não tem alinhamento com o 1.5°C
Governo brasileiro anunciou sua nova NDC na noite desta sexta-feira, véspera da Conferência do Clima da ONU. Sociedade civil pedia meta mais ambiciosa →
A pressa para catalogar espécies de insetos antes que sejam extintas
Editores de 𝘐𝘯𝘴𝘦𝘵𝘰𝘴 𝘥𝘰 𝘉𝘳𝘢𝘴𝘪𝘭, professores pesquisadores da UFPR estimam que há mais espécies para serem descobertas do que as mapeadas até agora →
Obstrução da COP16: a distância entre o discurso e a prática
Nem os países ricos nem os países demandadores de recursos, em boa parte, têm dado uma demonstração mais efetiva de que estão realmente determinados a gerar alterações em seus modelos de desenvolvimento →