Montanhistas, trilheiros de primeira viagem, crianças e estrangeiros. A Trilha Transcarioca tem espaço para todo mundo, inclusive para a equipe de ((o))eco, aproveitou para cobrir as histórias do grande mutirão que ajudou a sinalizar esta trilha que corta a cidade do Rio de Janeiro da Barra de Guaratiba até o Morro da Urca. Em um belo domingo, cerca de 600 voluntários trabalharam no Mutirão.
Os membro da equipe de ((o))eco contaram, cada um do seu jeito, um pouco do que viram no mutirão, das situações que viveram e das pessoas que encontraram nas trilhas.
Em vídeo: os líderes e o mutirão da Transcarioca, por Marcio Isensee e Sá
As lições da Transcarioca, por Paulo André Vieira
O trecho Primatas – Paineiras da Trilha Transcarioca, para alguém que já subiu os 4800 metros do Mont Blanc, localizado na divisa entre a Itália e a França, é uma brincadeira de criança. Isto posto, pense duas vezes antes de tentar acompanhar Marcio Carrilho, 46, que há cerca de um mês alcançou o ponto culminante da Europa Ocidental e também participava do Mutirão de sinalização da Trilha Transcarioca. Foi uma lição que aprendi enquanto esperava que minhas pernas recarregassem as baterias e observava sentado as belezas do Parque Nacional da Tijuca.
Os primeiros trechos da trilha foram bem tranquilos, o ritmo ditado tanto pelas paradas para que os voluntários aprendessem a aplicar a sinalização utilizando o estêncil (molde recortado em plástico duro) com a logomarca da trilha em rochas e árvores, quanto pela equipe de televisão que rodava uma reportagem sobre o mutirão. Este primeiro trecho é bem movimentado. É frequente cruzar com famílias subindo em direção à Cachoeira dos Primatas, um belo ponto para aproveitar o calor daquele domingo carioca. A vista do Mirante da Lagoa também recompensa quem percorre este trecho da trilha, onde eu e minha Nikon FM10 “de filme” chamaram a atenção de alguns companheiros de mutirão.
A partir do mirante as paradas eram menos frequentes, os voluntários seguindo na frente dos guias para treinar os olhos e escolher os melhores lugares para aplicar a sinalização. Durante minha adolescência andei muito pelo meio do mato na fazenda de meu pai para aproveitar alguma cachoeira, conhecer uma nascente de rio, ou simplesmente pra chegar do outro lado de algum morro. Caminhos nem de perto tão limpos ou contando com qualquer tipo de sinalização, mas que acostumaram meus olhos a enxergar a trilha e me deixaram seguro de estar no rumo certo.
Sem fôlego (ou pernas) para encarar a descida de volta ao Parque Lage, o som do trem do Corcovado e a visão familiar das Paineiras surgindo por entre as árvores foi o suficiente para dar a injeção de adrenalina necessária para vencer os últimos metros da jornada. Um copo de mate gelado depois, a bela vista da cidade registrada nas últimas poses do filme Kodacolor 200 e com o ingresso da van de descida na mão, dei por encerrada minha aventura Transcarioca, já com planos de voltar um dia, com um preparo físico mais condizente, e conferir a sinalização que os colegas de mutirão fizeram no trecho de decida.
As diversas mãos por detrás das pegadas da Transcarioca, por Duda Menegassi
Domingão de sol no Rio de Janeiro e os cariocas que não foram pra praia estavam nos parques da cidade, desses, muitos foram para a Floresta da Tijuca. Lá, os visitantes espiavam com curiosidade um grupo de 14 pessoas vestidas com blusas brancas e dedos amarelos. Agachados no asfalto ou na ponta do pé apoiados nos postes, voluntários pintavam com as mãos as pegadas da Transcarioca que irão sair do seu habitat natural de floresta e passearão pelo cimento. O trecho entre trilhas sai do setor da Floresta, no Parque Nacional da Tijuca, e leva até a trilha do Amado Nervo, no setor Serra da Carioca.
O mutirão de sinalização da Transcarioca espalhou cerca de 600 voluntários por trechos que irão constituir a trilha de longa curso que corta o Rio de Janeiro. A multidão voluntária tinha desde “trilheiros” engajados e experientes, até pessoas que se arriscavam na mata pela primeira vez. Luciana Pereira era uma dessas “trilheiras” de primeira viagem, denunciada pelo seu tênis All Star e óculos de perua. Contagiada pelo seu marido, que é brigadista no parque, ela estava animada com a oportunidade de conhecer melhor a floresta. “Quando você conhece, você divulga, chama as pessoas, e dá mais valor à preservação do patrimônio”, disse.
Teve também quem veio de fora só para ajudar no mutirão. Os paulistas, Rita Zanetti, Davis Santana e Ana Paula Bechara, nunca tinham vindo ao Rio, e só vieram para engrossar a mão de obra em prol da Transcarioca. Nada de Corcovado e praia de Ipanema, o Rio lhes foi apresentado a partir da Floresta da Tijuca. E muito bem apresentado, por sinal. Os três nunca tinham feito voluntariado em parque, mas vão levar para São Paulo a satisfação em ajudar esta causa. “Os voluntários ajudam a viabilizar um serviço que às vezes falta, e quem faz curte, não é uma coisa chata. É um lugar que a gente usa, que a gente gosta”.
Nem todos os voluntários conheciam previamente os planos da Transcarioca e seus 180 quilômetros de extensão, mas todos sonhavam com o dia em que poderiam completá-la, de Barra de Guaratiba ao Pão de Açúcar. No meio do caminho poderão orgulhosamente apontar para uma das pegadas amarelas que confirmarão que estão na direção certa e dizer “fui eu que fiz”. Ana Luiza Cavalcanti, de apenas 9 anos, afirma rápido quando pergunto se ela pretende completar a Transcarioca. A criança que cresceu em trilhas, não tem dúvida sobre sua parte favorita: “no final, poder entrar na cachoeira”. Não se preocupe, Ana, no caminho das pegadas da Transcarioca não faltarão cachoeiras para você.
Uma figueira de perder o rumo, por Eduardo Pegurier
E lá estava ela à minha frente: a figueira centenária, com direito a placa e tudo. Depois de cerca de duas horas acompanhando o mutirão de sinalização da Transcarioca, a figueira parecia conversar comigo. “E aí, gostando do passeio? Você imaginava que ia encontrar árvore tão imensa e frondosa no seu caminho e ao mesmo tempo tão perto do coração da cidade?” Tratava-se de uma árvore vaidosa, não há dúvida. Mas com razão, pois nesse momento, caminhando sozinho e afastado dos grupos, não consegui deixar de parar e admirá-la por minutos, antes de seguir e… me perder do destino almejado.
A caminhada havia começado no fim da Rua Sara Vilela, no Jardim Botânico. Uma rua de mansões que devem ter uma vista espetacular da Lagoa Rodrigo de Freitas e, por cima dos prédios, do mar de Ipanema. Lá, no fim da rua, estava a placa indicando o caminho para a Cachoeira dos Primatas, uma caminhada descrita como “leve”.
Ao entrar na trilha, logo à frente, encontro com Pedro Menezes, idealizador da Transcarioca, e Christiano Brandão, monitor do Parque Nacional da Tijuca, os dois concentrados em fazer novas marcações e reforçar as antigas. Logo, fomos alcançados por dois voluntários do mutirão: Bernardo Senra, 25, e Eduardo Azevedo, 23. Os dois amigos eram experientes em fazer trilhas na região serrana do Rio e também conheciam as mais clássicas do Parque Nacional da Tijuca, como a trilha da Pedra da Gávea, Pico da Tijuca e Corcovado. Foram logo postos para trabalhar, e não escondiam a satisfação de participar do evento. Depois de penar um pouco com a primeira ou segunda marcação, rápido pegaram o jeito de escolher um bom lugar nas árvores e pedras do caminho para as marcações em forma de botinha ou de seta.
Pedro puxou uma escova de metal e mostrou como “reavivar” uma antiga marcação sem precisar refazê-la. Basta escovar a pedra. Mais um truque aprendido pelos voluntários. Na sequência, fomos ultrapassados por um grupo de quatro andarilhos bem jovens e aloirados. A menina que liderava perguntou a Pedro: “A trilha tem site?”. Ele respondeu: “Ainda não”. E completou, “Você é francesa”. A moça resmungou de volta, “Como você sabe?”, “Ora, porque você tem sotaque”. Pelo tom da resposta, ela já se considerava uma perfeita carioca.
Ao longo do caminho, encontramos conhecidos, falamos um pouco de política, muito sobre o futuro da Trilha Transcarioca, e fomos cruzando com voluntários e frequentadores que saíram de casa sem imaginar que se misturariam a um mutirão de 600 participantes determinados a sinalizar a trilha no melhor padrão.
Christiano tem aquela atitude de mateiro, de quem já acumulou muita quilometragem de trilha fechada e não teme obstáculos. Dito e feito. Ele carregava um enorme facão. No meio do caminho surgiu uma árvore caída e atravessada no caminho, com um caule de uns bons 10 ou 15 cm de diâmetro. Não era qualquer galinho. E foi vapt, zupt. No tempo em que olhei pro outro lado, distraído com a paisagem, sob os olhares pasmos de vários presentes, Christiano cortou com o facão o pedaço do caule que barrava a passagem e limpou o caminho.
Nesse ponto, deixei o grupo e tentei alcançar um amigo que havia disparado na frente. Encontrei a figueira centenária e parei encantado. Acabei errando numa bifurcação que, diga-se, precisa de uma placa nova.
Em vez de chegar ao Parque Lage, acabei a 400 metros de altura, na Estrada das Paineiras. Meia hora depois, de van que leva e trás turistas para o Cristo, estava de volta ao Cosme Velho. Morto, mas feliz. Aquele tipo de felicidade que vem do esforço físico, de encontrar camaradas, pegar sol e se surpreender. Foi necessário um sorvete, um cachorro-quente de carrocinha e uma cerveja (nesta ordem) para recuperar as energias. Estava de volta à cidade, que no fundo é uma extensão das suas florestas, montanhas e mares. É um luxo de carioca viver em uma metrópole tão perto da natureza. Aproveitei e passei o fim do domingo jogando sinuca.
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