O novo cenário político brasileiro colocou os problemas ambientais no centro das pautas jornalísticas. Entre os exemplos estão o repique do desmatamento na Amazônia, o esvaziamento do Ministério do Meio Ambiente e da Funai, o sucateamento do Ibama e do ICMBio, às invasões em terras indígenas e unidades de conservação, fora as ameaças do governo Bolsonaro de deixar o Acordo de Paris e a repetição da tragédia de Mariana em Brumadinho. São assuntos que fizeram a mídia nacional e internacional reforçarem a cobertura de meio ambiente no país.
Os desafios são enormes, porém jornalistas sediados em São Paulo, Brasília ou Rio de Janeiro, cidades que concentram o maior número de redações, têm conhecimento limitado do que acontece no Norte do país. A própria dinâmica da ocupação da floresta – grilagem, retirada da madeira, plantação do pasto, implementação da pecuária e quem sabe da soja – pode ser um mistério para profissionais acostumados às coberturas da violência urbana, das enchentes de São Paulo ou das intrigas palacianas da capital federal.
Esses fatores podem explicar a lotação do auditório da segunda edição do Seminário Jornalistas em Diálogo: A pecuária na Amazônia — os avanços e os desafios no combate ao desmatamento, realizado na última terça-feira (19), no Hotel Ninety, em São Paulo. Uma iniciativa do site ((o))eco e do Imazon, o evento reuniu cerca de 30 jornalistas, que puderam ouvir e questionar representantes da comunidade científica, sociedade civil, produtores rurais, indústria da carne e sistema financeiro, ligados à cadeia da pecuária.
Depois de anos de intensas articulações decorrentes dos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) firmados a partir de 2009 entre o Ministério Público Federal (MPF) e os frigoríficos e da pressão exercida pelo Greenpeace sobre a indústria da carne e as redes de supermercados, hoje a busca de soluções para reduzir o desmatamento ligado à pecuária caiu no marasmo.
“Não precisa mudar a regra, é só dizer que não vai aplicar”, resumiu Paulo Barreto, pesquisador do Imazon, ao se referir à postura do governo Bolsonaro sobre a legislação ambiental. “A regra está lá mas o atual governo chama o Ibama de fábrica de multas. […] O lado governamental está muito frágil, muito vulnerável. […] E isso vai cair no colo do setor privado”, diz, lembrando que 20% da carne produzida no Brasil é exportada e pode ser barrada por razões ambientais.
Barreto lembra que o Brasil conseguiu reduzir o desmatamento e mesmo assim aumentar o valor da produção agrícola entre 2008 e 2012. A partir daí, no entanto, a derrubada da floresta aumentou em 71%, estimulada por sucessivos perdões aos grileiros e desmatadores ilegais, que costumam ocupar a terra com gado.
Evitar o gado de desmatamento tem soluções disponíveis e baratas, como colocar um brinco em cada boi que possibilita monitorar onde o animal nasceu e por onde ele passou até o abate.
O rastreamento do gado com essas técnicas aumentaria apenas R$0,10 por quilo de carne. Mas por enquanto os bancos que irrigam o campo com o crédito rural e as grandes redes de supermercados não exigem a técnica, limitando o seu alcance a uma pequena parcela da produção pecuária voltada aos países importadores mais exigentes. O BNDES até incluiu o rastreamento entre as exigências de financiamento para frigoríficos. A diretriz deveria ter entrado em vigor em 2016, o que nunca aconteceu. Adriano Carnaúba, que representou o banco no seminário, disse que o BNDES vai esperar o governo criar uma base de dados oficiais para depois cobrar o rastreamento individual do gado.
Caio Penido, produtor rural do Grupo Roncador e presidente do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS), se opôs ao slogan do “Desmatamento Zero”, que norteia as discussões sobre pecuária na Amazônia e sugeriu a sua substituição por “Código Florestal já”. Penido criticou os relatórios do Greenpeace que denunciaram o desmatamento associado à pecuária na Amazônia, e propôs um discurso mais amistoso aos pecuaristas: “Não de uma forma impositiva, não através do medo, não através de moratória, de relatórios bombásticos, amarrar toda a cadeia e humilhar o Brasil internacionalmente”.
Há oito anos, Penido ajudou a criar a Liga do Araguaia, movimento de produtores do Mato Grosso que desenvolve um modelo de pecuária sustentável. Ele desabafou: “Como o Estado Islâmico consegue motivar tanta gente a fazer terrorismo e a gente não consegue mobilizar pessoas para lutar por isso, juntas? […] Como a gente não consegue? […] Eu me sinto um fracasso, sabia? Estou articulando isso há mais de dez anos. Estou precisando de ajuda”.
Já Ivaneide Bandeira Cardozo se destacou pela experiência de quem há décadas atua junto às comunidades indígenas de Rondônia através da ONG Kanindé. Neidinha, como é mais conhecida, afirma que as invasões aumentaram muito após a vitória de Bolsonaro: “Todas [as invasões] justificadas dizendo que têm o apoio do governo. […] As pessoas estão apostando que o governo vai diminuir as terras indígenas, não vai mais demarcar, e apostando na impunidade, de que nada vai acontecer”.
Participaram ainda do seminário Marco Barbosa, Procurador do Ministério Público Federal no Mato Grosso, Adriana Charoux, do Greenpeace, Mathias Almeida, Diretor Executivo na Natcap Soluções Sustentáveis e Paulo Pianez, Diretor de sustentabilidade do Carrefour Brasil.
Após um dia todo de debate, os jornalistas que participaram do evento saíram com as mãos cheias de informação para inspirar reportagens sobre como mitigar o impacto da pecuária sobre o desmatamento da Amazônia, a atividade associada a dois terços do desmatamento já ocorrido na região.
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