Manaus, AM — A dourada (Brachyplatystoma rousseauxii), um bagre que atinge cerca de 1,5 metro de comprimento e nada tem a ver com seu quase xará do Pantanal, praticamente atravessa o continente sul-americano, de leste a oeste, para depositar os ovos nas cabeceiras dos rios, perto dos Andes, na maior rota migratória de um peixe de água doce já confirmada pela ciência.
A desova ocorre durante o período de cheia, no sopé da Cordilheira dos Andes. As larvas, que nem bem chegam a 6 milímetros de comprimento, vai se desenvolver ao longo do trajeto que pode chegar a 11,6 mil quilômetros. O destino é o rico ecossistema do estuário do Rio Amazonas, onde os peixes vão viver pelos próximos dois ou três anos.
Quando estão entre 60 e 80 centímetros de comprimento, as douradas já estão grandes o suficiente para iniciar o trajeto de volta. Mas elas vão passar ainda mais um ou dois anos amadurecendo e ganhando corpo no interior da Bacia Amazônica. Com três ou quatro anos de idade, medindo em média 1 metro de comprimento, os adultos maduros aproveitam a estação de cheia para chegar às cabeceiras onde nasceram e dar vida a novos indivíduos.
A descoberta foi publicada nesta terça-feira no jornal aberto Scientific Reports da Nature por uma equipe de pesquisadores coordenada pela Iniciativa Águas Amazônicas, liderada pela Wildlife Conservation Society (WCS). O estudo analisou também a migração de três outros grandes bagres amazônicos, que desovam em cabeceiras ocidentais da Bacia Amazônica, piraíba (B. platynemum), o jundiá (B. juruense) e a piramutaba, (B. vaillantii).
A novidade não chegou a surpreender os pesquisadores, que já imaginavam essa possibilidade. A confirmação veio com auxílio de dados estatísticos e ao mapeamento dos movimentos das quatro espécies, considerando larvas, jovens e adultos. Os pesquisadores acreditam que outros bagres amazônicos apresentem comportamento parecido.
Os quatro bagres estudados estão amplamente distribuídos pela Bacia Amazônica e são importantes para a indústria pesqueira. “Estas descobertas podem agora nos dar os princípios para estratégias efetivas de manejo desses peixes, alguns deles muito importantes para a indústria pesqueira da região”, afirma o zoólogo Ronaldo Barthem, do Museu Paraense Emílio Goeldi, que fica em Belém (PA).
Os autores do estudo alertam para o risco a essas espécies, oferecido pela construção de barragens dos rios, atividade de mineração e o desmatamento, principalmente nas cabeceiras onde ocorre a desova dos peixes. É bom lembrar que existem projetos de hidrelétricas para quase todos os grandes rios da Amazônia.
O estudo vai servir de base para novas pesquisas sobre a migração de bagres na Amazônia, que devem usar indivíduos marcados e análises de otólitos (formações de cálcio dentro do ouvido interno dos peixes). Entre as questões que ainda precisam ser resolvidas estão o motivo desta viagem tão longa.
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