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Antes de retorno de Castro, vice tentou pressão por publicação de decreto contra incêndios

Thiago Pampolha (MDB), então governador em exercício do RJ, enviou ofício à presidente da Imprensa Oficial determinando publicação; outro ofício pediu à procuradoria estadual que tentasse obrigá-la judicialmente

Gabriel Tussini ·
1 de julho de 2024

A tentativa de publicação de um decreto que cria um comitê de combate e prevenção a incêndios florestais segue causando desentendimentos no governo do Rio de Janeiro. Após o vice-governador Thiago Pampolha (MDB) – que ocupava a cadeira de governador durante viagem do titular Claudio Castro (PL) – publicar o decreto no jornal Extra da última sexta (28), alegando que a Casa Civil se recusava a publicá-lo no Diário Oficial, foi a vez dele subir o tom contra Patrícia Damasceno, presidente da Imprensa Oficial do estado.

Como explicamos ainda na última sexta (link acima), o decreto previa a criação de um Comitê Permanente de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais, que contaria com participação de 7 secretarias estaduais e 7 entidades públicas, como o Corpo de Bombeiros e o Instituto Estadual do Ambiente (INEA). 

Procurado por ((o))eco nesta segunda, o governo do estado afirmou (íntegra abaixo) que “o texto publicado em jornal impresso não tem efeito legal perante o Estado e a publicação não foi custeada com recursos públicos”. A assessoria não respondeu se o governo Castro dará continuidade no processo de publicação do decreto, afirmando apenas que “a Casa Civil informou ao governador em exercício que os autos do processo encontram-se na PGE”.

Pouco tempo após a equipe de Pampolha responder, às 20:32 de sexta, um questionamento feito por ((o))eco sobre a validade de um decreto publicado em um jornal privado – quando afirmou que a lei estadual 3153/98, que obriga a publicação de atos oficiais no Diário Oficial, dá um prazo de 30 dias para esta publicação, e que “caso a Casa Civil não cumpra até o prazo final, conforme determina a lei, cabe acionar judicialmente a mesma para que seja compelida a fazer” –, o vice-governador passou a pressionar imediatamente a responsável pelo Diário Oficial fluminense.

Ainda no mesmo dia, às 21:57, o vice-governador encaminhou um ofício a Patrícia Damasceno, presidente da Imprensa Oficial do estado, onde determina a publicação do decreto em edição extra do Diário Oficial naquele mesmo dia, “impreterivelmente e improrrogavelmente”. No documento, Pampolha afirmou que “o não cumprimento desta determinação incorrerá nas medidas administrativas e demais cabíveis para todos os servidores envolvidos, que têm a delegação de prover a publicação em Diário Oficial”, anexando trechos da Constituição Estadual – no artigo que trata da competência do governador para expedir decretos – e da Lei de Improbidade Administrativa – no artigo sobre “negar publicidade aos atos oficiais”.

Ainda na mesma noite, segundo a coluna de Lauro Jardim no Jornal O Globo, o então governador em exercício oficiou a Procuradoria-Geral do Estado – que, como informamos na sexta, pediu para analisar autos do processo que trata do decreto na quinta-feira (27), o que foi utilizado pela Casa Civil estadual para justificar a não-publicação no Diário Oficial – para que entrasse com mandado de segurança contra Patrícia Damasceno, para que ela seja obrigada judicialmente a publicar o decreto.

De acordo com a coluna, Pampolha afirmou, no ofício à PGE, que Damasceno, “de modo deliberado e consciente, deixou de publicar decreto inadiável, de relevância ambiental, sob pífio argumento de que a Casa Civil é quem deteria a competência de encaminhar para publicação, não obstante a objetiva e direta ordem”. O prosseguimento da ação que o vice-governador pede depende do procurador-geral do estado, Renan Miguel Assad – subordinado do governador Cláudio Castro, que está rompido com Pampolha desde o início do ano.

No dia seguinte – sábado (29) –, Castro retornou de viagem a Lisboa, onde participou de evento organizado pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, reassumindo o posto de governador. Pampolha voltava ao cargo de vice sem conseguir publicar o decreto, assim como aconteceu em maio, durante viagem de Castro aos EUA – é desta época o início do processo de criação do decreto, de acordo com dados do Sistema Eletrônico de Informações (SEI) estadual.

Na noite de sábado, às 21:14 – e após o fim do prazo dado por Pampolha, que já não era mais governador àquela altura –, Damasceno pediu à Divisão de Produção do Diário Oficial (DIVDOI) para que verificasse se a matéria foi protocolada por meio do sistema de envio de documentos oficiais (e-Dofs), meio que é, segundo ela, exclusivo para envio de publicações. A resposta da DIVDOI, enviada 17 minutos depois, foi negativa.

Diante disso, a presidente da Imprensa Oficial do estado enviou ofício ao governador Cláudio Castro, ao secretário da Casa Civil, Nicola Miccione, e ao Procurador-Geral do Estado, Renan Miguel Saad, para prestar “esclarecimentos” sobre a não publicação do decreto, apesar da determinação de Pampolha. Segundo ela, a presidência da Imprensa Oficial não tem “meios técnicos” para publicar documentos enviados pelo SEI, “já que toda operacionalização do DOERJ depende do envio direto via sistema [e-Dofs]” – processo que, de acordo com Damasceno, é “de conhecimento público e de todo governo”, e que ela própria teria orientado a equipe de Pampolha sobre isso.

A presidente da Imprensa Oficial, então, passa a subir o tom contra Pampolha, afirmando que “rechaça toda e qualquer forma de desqualificar o trabalho sério de uma instituição quase centenária como a Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro”, criticando ainda o fato de ter sido “nominalmente citada em veículo jornalístico” por ter, segundo Pampolha, se negado a publicar o decreto.

“Como titular desta empresa pública apenas cumpri meu papel institucional, e de forma alguma, promovi qualquer obstrução à publicação do decreto estadual em comento, que só não se efetivou pela falta de envio da matéria pela via oficial e técnica (sistema e-Dofs). Logo, não houve qualquer óbice ao cumprimento da determinação do Poder Executivo, que não ocorrera por ausência de atendimento de critérios legais e técnicos”, conclui Damasceno.

Com mais esse capítulo da saga do rompimento entre Castro e Pampolha – que começou após Castro desconfiar que seu vice estaria se preparando para substituí-lo, após ele trocar o União Brasil pelo MDB em meio a denúncias de corrupção contra o governador –, não fica claro como Castro lidará com a questão. 

Como mencionado acima, a reportagem entrou em contato com a assessoria do governo do estado para saber se o governador pretende dar prosseguimento ao processo de publicação do decreto no Diário Oficial, ao que ainda aguardamos resposta. A assessoria do Palácio Laranjeiras explicou apenas que, devido à forma da publicação, o decreto “não tem efeito legal”, e que a publicação não foi paga com recursos públicos. Os incêndios florestais no RJ, vale lembrar, tiveram um aumento de 360% nos primeiros 6 meses do ano, segundo dados do INPE.

A validade do decreto é alvo de controvérsia, como mostramos na sexta. Enquanto Pampolha o considera plenamente válido, já que foi “a única forma” de publicação em meio à “recusa” da Casa Civil de publicá-lo, atendendo ao princípio constitucional da publicidade, o governo do estado deixou claro que considera o oposto. Na mesma linha, um especialista ouvido por ((o))eco, o advogado constitucionalista Antônio Carlos de Freitas Junior, afirmou que a lei estadual não permite a publicação de atos oficiais fora do Diário Oficial. Segundo Freitas Junior, o caminho deveria ser o de denunciar uma possível prevaricação de agentes públicos que estivessem se negando a cumprir um dever de ofício.

Íntegra da resposta do Governo do Estado do Rio de Janeiro

“O processo trata de iniciativa do governador em exercício para criar um comitê de combate a incêndios florestais com a participação de órgãos do governo (secretarias e entidades da administração indireta). A Casa Civil encaminhou a matéria para a secretaria do Ambiente e Sustentabilidade, ao Inea e à Defesa Civil para que dessem pareceres a respeito da iniciativa.

Considerando a transversalidade da política pública proposta, a Procuradoria Geral do Estado requisitou o processo para análise e manifestação. Deste modo, a Casa Civil informou ao governador em exercício que os autos do processo encontram-se na PGE.

É importante ressaltar que o texto publicado em jornal impresso não tem efeito legal perante o Estado e a publicação não foi custeada com recursos públicos. O decreto estadual 46.550/2019 estabelece que o serviço de matéria legal é de publicidade e que todos os contratos de publicidade do governo são privativos da Secretaria da Casa Civil. Acrescenta ainda que cabe privativamente à Casa Civil promover licitação para contratação de serviços de publicidade e propaganda da Administração Direta e Indireta”.

*Atualizado às 00h18 do dia 02 de julho de 2024, para acrescentar a resposta do governo do estado do Rio de Janeiro.

  • Gabriel Tussini

    Estudante de jornalismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), redator em ((o))eco e interessado em meio ambiente, política e no que não está nos holofotes ao redor do mundo.

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