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Após consulta pública, Equador decide não explorar petróleo em parque amazônico

Resultado de plebiscito é resposta dos equatorianos à inação do governo no combate às mudanças climáticas. Brasil precisa seguir o mesmo caminho, dizem especialistas

Cristiane Prizibisczki ·
21 de agosto de 2023

Os equatorianos decidiram neste domingo (20) acabar com a exploração de petróleo no Parque Nacional Yasuni. Situado no coração da Amazônia equatoriana, o parque é uma das áreas mais biodiversas do planeta e casa de várias populações indígenas, algumas ainda em isolamento voluntário. O resultado da consulta pública é um recado para o mundo sobre a necessidade de uma efetiva transição energética, avaliam especialistas.

A Consulta Pública aconteceu junto com as eleições presidenciais – a serem decididas em segundo turno. Nela, os equatorianos tinham que responder à seguinte pergunta: “Você concorda que o governo equatoriano mantenha o petróleo ITT, conhecido como Bloco 43, indefinidamente no subsolo?”.

A apuração das urnas, finalizada na manhã desta segunda-feira no horário brasileiro, indicou que 59% dos equatorianos responderam “Sim” ao questionamento..

Recado ao mundo

Com o resultado deste domingo, o Equador torna-se o primeiro país do mundo a banir, por plebiscito, a exploração de combustíveis fósseis em uma região ambientalmente sensível.

Esta também foi uma grande conquista da sociedade civil. Há uma década o coletivo Yasunidos lutava na justiça pelo direito da população de decidir sobre a continuidade da exploração.

Em 2019, os povos Waorani, que habitam o noroeste do país, já haviam obtido uma decisão judicial contra a abertura de mais um bloco de petróleo no parque, mas esta é a primeira vez que a população como um todo é ouvida sobre o assunto.

“A consulta popular sobre Yasuní é importante para o Equador, mas também para o mundo inteiro. Diante da inação dos diferentes governos do mundo, os equatorianos estão decidindo tomar medidas reais contra a mudança climática. ”, diz Antonella Calle Avislés, da ONG Yasunidos.

Brasil na direção contrária

O primeiro ano do novo governo Lula segue marcado pela briga por uma nova fronteira de exploração petrolífera no país. O governo federal e políticos dos estados amazônicos tentam viabilizar a exploração de petróleo e gás na Foz do Amazonas, uma bacia sedimentar no litoral do Pará e do Amapá. Em meados de maio, o Ibama vetou um pedido da Petrobrás para um dos blocos.

“Esperamos que o governo brasileiro se mire no exemplo equatoriano e decida fazer a única coisa compatível com um futuro para a humanidade e com a liderança que o Brasil quer ter na luta contra a crise climática: deixar o petróleo da Foz do Amazonas no subsolo e apoiar, quando assumir a presidência do G20, no mês que vem, um pacto global pela eliminação gradual de todos os combustíveis fósseis”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo da organização brasileira Observatório do Clima.

A organização considera que, embora tenha ocorrido tarde demais para influenciar o resultado da Cúpula da Amazônia, realizada no início deste mês no Brasil e que falhou em decidir pela suspensão da exploração de óleo e gás na região, o voto equatoriano também engrossa o coro por uma Amazônia sem petróleo. 

Até agora, a Colômbia estava isolada em defender o fim dos fósseis na bacia.

“Temos de comemorar o resultado da consulta pública no Equador. Os conflitos sobre a continuidade ou não da exploração de petróleo no Parque Yasuní são muito parecidos com os que ocorrem hoje no Brasil na Foz do Amazonas e em outras bacias sedimentares da Margem Equatorial. Em um mundo atingido pela crise climática e por eventos extremos sucessivos, tenta-se impor uma ideia equivocada e anacrônica de que a produção de petróleo resolve problemas sociais. Não resolve”, diz Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima. 

Foto aérea da plataforma petrolífera Ishpingo da estatal Petroecuador no Parque Nacional Yasuni, nordeste do Equador, tirada em 21 de junho de 2023. Foto – Rodrigo BUENDIA / AFP

Parque Nacional de Yasuni 

O Parque Nacional de Yasuni, um dos símbolos do Equador, fica no sudeste do país e protege uma área de mais de 1 milhão de hectares de floresta tropical. Por abrigar uma das áreas mais megadiversas do planeta, em 1989 ele foi designado pela Unesco como reserva mundial da biosfera. 

Segundo estudos, são mais de 2 mil espécies de árvores e arbustos, 204 mamíferos, 610 espécies de aves, 121 espécies de répteis, 150 espécies de anfíbios e mais de 250 espécies de peixes. 

A área também é habitada pelos povos Tagaeri e Taromenane, que vivem em isolamento voluntário. 

Nas profundezas desta imensa área protegida, também está a maior reserva de petróleo do país. Acredita-se que mais de 1,7 milhão de barris possam ser extraídos da região, o que potencialmente a tornaria a maior área de exploração de petróleo da história do Equador.

O Bloco 43, conhecido como ITT – sigla para os campos petrolíferos de Ishpingo, Tambococha e Tiputini – se estende por quase dois mil hectares, cem dos quais dentro do parque.

De seu subsolo, são extraídos 55.000 barris de petróleo bruto por dia, o equivalente a cerca de 11% da produção nacional de petróleo do Equador, que é de quase 480.000 barris por dia. Isso deu ao Estado, de acordo com o governo, lucros no valor de US$ 1,2 bilhão, embora os ambientalistas acreditem que a renda seja muito menor e possa ser compensada por um imposto sobre a riqueza.

A consulta pública nacional sobre o incremento na exploração do Bloco 43-ITT foi promovida pelo coletivo ambiental Yasunidos, após reunir mais de 750 mil assinaturas e travar uma batalha jurídica de dez anos com os órgãos eleitorais do Equador.

O resultado é um golpe para o atual presidente do Equador, Guillermo Lasso, que defendeu a exploração de petróleo, dizendo que suas receitas eram cruciais para a economia do país. 

Com o resultado da votação deste domingo, a empresa petrolífera estatal Petroecuador terá que desmantelar suas operações na área em até um ano, a contar de 4 de outubro de 2023.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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