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Declaração de Belém frustra pela falta de metas conjuntas, avaliam organizações

Países presentes na Cúpula da Amazônia concordam em evitar que floresta tropical entre em colapso, mas não encontram consenso sobre como fazê-lo

Cristiane Prizibisczki ·
9 de agosto de 2023

Belém – A Declaração de Belém – documento que contém o entendimento dos oito países amazônicos em relação ao futuro da floresta, divulgado no final da tarde de terça-feira (8) durante a Cúpula da Amazônia – frustrou pela falta de metas comuns sobre fim do desmatamento e de um compromisso mais robusto em relação à eliminação de combustíveis fósseis. Esta é a análise de diferentes organizações ambientalistas, que usaram expressões como “falho”, “desperdício de oportunidades” e “bonita carta de intenções” para classificar o documento. Apesar das críticas, a articulação política entre as nações em prol do bioma foi comemorada.

Declaração de Belém

O documento, negociado entre Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, possui 113 parágrafos operativos, sobre 18 temas, entre eles mudanças do clima, proteção dos ecossistemas amazônicos, cooperação no combate a crimes ambientais e reconhecimento da cultura amazônica.

  • Desmatamento zero

Um dos pontos mais esperados pela sociedade civil era a forma como os países iriam se posicionar em relação ao combate ao desmatamento. A expectativa era que as oito nações se comprometessem com uma meta comum. O documento não traz isso. 

Ele diz apenas que é necessário salientar a “urgência de pactuar metas comuns para 2030 para combater o desmatamento, erradicar e interromper o avanço das atividades de extração ilegal de recursos naturais e promover abordagens de ordenamento territorial e a transição para modelos sustentáveis, tendo como ideal alcançar o desmatamento zero na Região”.

A declaração foi considerada vaga e fraca. Organizações esperavam metas concretas.

“Os líderes dos países amazônicos reunidos em Belém não conseguiram concordar com algo que deveria ser óbvio, a necessidade de zerar o desmatamento até 2030. A maior parte dos países da região já havia se comprometido com essa meta ao assinar a Declaração de Líderes de Glasgow em 2021, que fala em zerar e reverter a perda de florestas até 2030. A Declaração falha com a floresta e com o planeta”, diz o Observatório do Clima.

Atualmente, cada país da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica possui suas metas internas. A do Brasil é zerar o desmatamento na Amazônia até 2030, prazo proposto de forma genérica na Declaração.

Para Frineia Rezende, diretora-executiva da TNC Brasil, o ponto positivo foi que o documento trouxe a defesa do “desmatamento zero” e não do “desmatamento ilegal zero”, uma sutil diferença na redação que tem grande impacto quando se fala em quantidade de floresta perdida.

  • Combustíveis Fósseis

A Declaração de Belém também não avançou em estabelecer compromissos firmes com o fim da exploração de combustíveis fósseis na região. O tema foi exortado pelo presidente da Colômbia, Gustavo Petro, que pediu comprometimento dos países signatários nesse sentido. Não foi ouvido.

O assunto teve espaço tímido no documento, que fala apenas em “iniciar um diálogo” sobre a “sustentabilidade de setores tais como mineração e hidrocarbonetos”.

Com projetos internos de exploração de petróleo na Foz do Amazonas, o Brasil foi uma das nações que não se esforçou para avançar no assunto.

  • Pontos positivos 

Apesar das críticas, diferentes organizações comemoraram o fortalecimento da OTCA, o estreitamento das relações diplomáticas entre os países membros e o reconhecimento de que é urgente implementar medidas para evitar que a floresta chegue ao chamado “ponto de não-retorno”, quando deixará de prover seus serviços ecossistêmicos.

Repercussão

Veja abaixo o comentários de algumas organizações sobre o documento:

“Esse é um acordo bastante inicial. Um primeiro passo, mas que ainda não endereça nenhuma resposta concreta ao mundo em que estamos vivendo. O planeta está derretendo, estamos batendo recordes de temperatura todos os dias. Não é possível que, num cenário como esse, oito países amazônicos não consigam colocar numa declaração, em letras garrafais, que o desmatamento precisa ser zero e que explorar petróleo no meio da floresta não é uma boa ideia.  Em resumo,  o documento pecou pela falta de contundência. Ele é uma lista de desejos, e os desejos são insuficientes.” – Márcio Astrini, Secretário-Executivo do Observatório do Clima.

“A Declaração de Belém é um compromisso importante das lideranças públicas, evidenciando um caminho para evitar o ponto de não retorno da Amazônia. Mas a maneira como a Cúpula será lembrada depende, em última instância, do que será feito a seguir […] Teremos que estabelecer metas intersetoriais específicas, com um cronograma rígido […] Há ainda muitas perguntas por responder. Mas algo se tornou claro nesta Cúpula: Não há mais tempo a perder ou agendas a serem adiadas. Qualquer coisa menor que a ação imediata e transformadora vai nos deixar sem floresta em pé,  ameaçando a saúde global e das comunidades que dela dependem” – Rachel Biderman – Vice-presidente Sênior da Conservação Internacional.

“A Declaração de Belém não traz medidas claras para responder à urgência das crises que o mundo vem enfrentando. Não há metas ou prazos para zerar o desmatamento, nem menção ao fim da exploração de petróleo na região. Sem essas medidas, os países amazônicos não conseguirão mudar a atual relação predatória com a floresta, a sua biodiversidade e seus povos. Pior, os compromissos assumidos na declaração não dão uma sinalização clara de como os governos amazônicos pretendem agir em conjunto para responder à crise climática, que já é uma realidade para a população amazônica, principalmente para aquelas que vivem nas periferias das cidades da região” – Leandro Ramos, Diretor de Programa do Greenpeace Brasil.

“A Declaração de Belém resultou em uma carta de intenções, sem compromissos efetivos. Embora apresente pontos relacionados a energias renováveis, não há metas e prazos claros para uma transição justa e equitativa, já que estariam relacionadas à proposta de desenvolvimento de uma ‘nova economia’ para a Pan Amazônia. Não fica explícito, tampouco, o compromisso com a descarbonização, bandeira da Colômbia. […] As menções a respeito aos direitos indígenas e povos tradicionais são positivas, mas ainda é preciso garantir a promessa de inclusão” – Frineia Rezende, Diretora-Executiva da TNC Brasil.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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