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“Área com mais espécies de anfíbios ameaçados do país está desprotegida”, alerta biólogo

Local de ocorrência de anfíbios raros como a perereca Bokermannohyla vulcaniae, os últimos remanescentes de Mata Atlântica da região de Poços de Caldas, em Minas, estão fora de Unidades de Conservação

Carolina Lisboa ·
14 de junho de 2018 · 7 anos atrás
Bokermannohyla vulcaniae, criticamente ameaçada de extinção e endêmica de Poços de Caldas. Foto: Renato Gaiga.

Apesar do nome forte, cujo epíteto faz referência à região vulcânica onde pode ser encontrada, a perereca Bokermannohyla vulcaniae é extremamente frágil. A espécie só existe em remanescentes de Mata Atlântica no Planalto de Poços de Caldas, em Minas Gerais, e está criticamente ameaçada de extinção. Apenas uma Unidade de Conservação municipal protege 253 hectares da área de ocorrência da espécie, enquanto o restante segue desprotegido e vulnerável à destruição. Atualmente, apesar das várias expedições dos especialistas aos locais de ocorrência, poucos exemplares da espécie vem sendo encontrados. A situação de B. vulcaniae se assemelha a de outras espécies de anfíbios da região.

“Poços de Caldas é a localidade no Brasil com o maior número de espécies de anfíbios sob risco de extinção”, explica Lucas Ferrante, biólogo especialista em anfíbios, membro da União Internacional para a Conservação Natureza (UICN) e doutorando em Ecologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).

No mês passado, Lucas Ferrante conversou com ((o))eco sobre a ausência de proteção das matas de Poços de Caldas e como isso ameaça pelo menos cinco espécies de anfíbios.

((o))eco: Me fale um pouco sobre a região de Poços de Caldas. O que a faz tão importante para a conservação dos anfíbios?

Lucas Ferrante: Poços de Caldas é uma região de endemismo de espécies, ou seja, ela concentra várias espécies que só ocorrem lá. Isso acontece por causa da geografia especial da região, formada por uma cratera vulcânica e uma região de montanhas que funcionam como barreira geográfica, isolando as populações de espécies. Há milhões de anos, algumas populações de anfíbios e outros animais do platô de Poços de Caldas ficaram isolados de outras populações de fora do platô. Com o passar do tempo, foram surgindo mutações pelo cruzamento entre indivíduos dessas populações e acabaram surgindo novas espécies. Por isso, o planalto de Poços de Caldas tem uma fauna única de anfíbios e de outros organismos endêmicos. Daí a importância de conservar o platô, por ser o único lugar do mundo onde elas ocorrem e por não haver outras espécies que possam fazer o papel delas.

Dado a esse fato e ao nível de degradação ambiental que se encontra o município, quase todas as espécies endêmicas estão ameaçadas. Na localidade-tipo [local de onde os espécimes utilizados na descrição foram coletados] de Bokermannohyla vulcaniae, em Morro do Ferro, por exemplo, as últimas expedições não encontraram o animal. As áreas estão severamente fragmentadas e a qualidade do habitat vem declinando rapidamente devido à mineração e agropecuária. Por isso, a espécie foi categorizada como Criticamente em Perigo (CR) na Lista das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção de 2014.

Que tipo de ameaça atinge a região?

“Poços de Caldas é uma região de endemismo de espécies, ou seja, ela concentra várias espécies que só ocorrem lá.”

Que tipo de ameaça atinge a região?

A região de Poços de Caldas é bastante visada para mineração de bauxita e há sempre um risco iminente de liberação de áreas de mata para lavra. No caso mais recente, houve uma tentativa de mineração em uma área de Mata Atlântica de mais de 200 mil m² na Serra do Selado e no Parque Municipal Florestal da Serra de São Domingos. Houve uma tentativa de obter a anuência via Conselho Municipal de Defesa e Conservação do Meio Ambiente de Poços de Caldas (Codema) através da emissão de uma declaração de conformidade com a legislação municipal para a lavra de 750 mil toneladas de bauxita, apesar de o conselho não ter a prerrogativa de emitir a licença de lavra.

Houve uma grande repercussão e o Ministério Público do Estado de Minas Gerais se manifestou sobre o caso, tendo em vista que um dos conselheiros era representante da Associação das Mineradoras. Atualmente a lavra da região está suspensa e existe um diálogo entre os pesquisadores e as empresas mineradoras sobre as espécies ameaçadas. Juntamente com a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), estudamos iniciativas para conservar as espécies ameaçadas e dar visibilidade para a fauna da região.

E quais seriam as consequências da liberação da lavra?

Na Serra do Selado especificamente, que é um dos principais remanescentes de mata da cidade, ocorrem os anfíbios Bokermannohyla vulcaniae, Boana beckeri e Hylodes sazimai. Nenhum outro lugar do Brasil tem três espécies ameaçadas de anfíbios em uma única localidade. Além disso, ocorrem na área espécies com deficiência de dados, ou seja, que também podem estar ameaçadas. A liberação de atividades em qualquer área, mesmo que pequena, seria um precedente para que a mineração seja realizada em toda a Serra do Selado. O impacto numa pequena área também pode se estender e afetar as espécies. Com isso, perderíamos um dos últimos grandes refúgios de B. vulcaniae e uma área de grande importância para regulação de serviços ecossistêmicos e climáticos para a região.

“Nenhum outro lugar do Brasil tem três espécies ameaçadas de anfíbios em uma única localidade.”

Devemos lembrar ainda que já tivemos diversos surtos de febre amarela silvestre em Minas. Os anfíbios tendem a contribuir para o controle natural, pois os girinos se alimentam das larvas do mosquito e os adultos predam os mosquitos. Em Poços de Caldas temos muitas espécies endêmicas de anfíbios que, se forem perdidas, não existem outras para substituí-las. Portanto, esse serviço ambiental que os anfíbios prestam se perderia. A Serra do Selado tem um papel de regulação do clima, pois é um dos últimos remanescentes de mata contínua, situado numa região de altitude elevada. A cidade de Poços de Caldas, que é turística, tem muito a perder em termos de serviços ecossistêmicos e paisagísticos se a Serra do Selado for afetada pela mineração.

Existe algum movimento para a criação de Unidade de Conservação na região?

Sim, o município está inserido no Mapa das Áreas Prioritárias para Conservação, Utilização Sustentável e Repartição dos Benefícios da Biodiversidade Brasileira [no polígono MA-667] do Ministério do Meio Ambiente. A área foi classificada como de prioridade “Extremamente Alta” e a recomendação é a de “Criação de UC”. Portanto, a criação de uma Unidade de Conservação nas Serras do Selado e de São Domingos se faz crucial para manutenção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos da região. Contudo, não há UCs previstas para a área. Também não podemos deixar de considerar a importância de áreas adjacentes, como fragmentos florestais. Temos conversado com a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) para desenvolver estudos faunísticos em uma RPPN no município de Caldas e esta parceria pode ser crucial para protegermos parte da fauna caso ocorram espécies ameaçadas na área.

 

Clique na galeria para ler as legendas das fotos.

 

 

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  • Carolina Lisboa

    Jornalista, bióloga e doutora em Ecologia pela UFRN. Repórter com interesse na cobertura e divulgação científica sobre meio ambiente.

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Comentários 5

  1. T.Rezende diz:

    Considerando a importância ecológica do local e todo o contexto de ameaças de degradação no entorno, acredito que a melhor proposta seria a criação de uma Unidade de Conservação de Proteção Integral (Estação Ecológica ou Reserva Biológica).
    Parabéns ao pesquisador Lucas Ferrante e a matéria, visto que que cenários como esse são cada vez mais comuns no Brasil.


  2. AAI diz:

    Triste!!!

    O Governos Federal e Estadual que decretam as UCs.
    Quem dera fosse atribuição dos órgão de meio ambiente!!!


    1. Marcelo diz:

      As áreas protegidas podem ser municipal ou particular também (RPPN).


  3. Paulo diz:

    Com a resposta o Icmbio e o órgão do Estado.


    1. Coro@ado-MAO diz:

      Esperar pelo ICMBIO é igual esperar pelo Coelhinho endêmico da Páscoa