O Brasil está cada vez mais seco – e a tendência é piorar. A constatação foi obtida através de uma análise inédita de imagens de satélite do território nacional entre 1985 e 2020, feita pela equipe do MapBiomas Água, e traz contornos ainda mais críticos para o atual panorama de crise climática. De acordo com o levantamento, divulgado nesta segunda-feira (23), o país perdeu 15,7% da superfície de água entre 1991, quando houve o pico máximo registrado, e 2020. A extensão de água continental, que era de 19,7 milhões hectares no começo da década de 90, foi reduzida para 16,6 milhões no último ano, uma perda de 3,1 milhões hectares, equivalente a mais de três vezes a área da Região Metropolitana de São Paulo ou mais de 1,5 vezes a superfície de água de toda a região nordeste em 2020. A redução foi registrada em todos os biomas e em 9 das 12 regiões hidrográficas do país.
Por trás dessa diminuição estão motivos como: expansão da fronteira agrícola, fogo, desmatamento, construção de estruturas como barragens, além, é claro, das mudanças climáticas em curso, que tem tornado o país cada vez mais seco.
Ao longo de todos os 36 anos analisados (1985-2020), o estado que registrou a maior perda de superfície de água, em termos absolutos e proporcionais, foi o Mato Grosso do Sul, com uma redução de 57%. Em 1985, o estado que abriga quase dois terços do Pantanal – a maior planície alagável do mundo – possuía mais de 1,3 milhão de hectares cobertos por água. Em 2020, restavam cerca de 589 mil hectares apenas. E foi justamente no Pantanal, que no último ano viu cerca de 30% do seu território ser atingido por queimadas, onde se concentrou a maior parte dessa redução. No vizinho pantaneiro, Mato Grosso, também houve uma perda expressiva, com diminuição de quase 530 mil hectares de superfície de água no período.
“Os ciclos de fogo e água estão interligados e se retroalimentam. Menos água deixa a terra e a matéria orgânica que se depositam sobre ela mais vulneráveis ao fogo. Mais fogo suprime a vegetação, que tem papel crucial para perenizar nascentes e mananciais”, explica Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas.
Na relação entre biomas, o Pantanal é o bioma com a situação mais crítica, com uma perda de 68%, seguido de longe pela Caatinga, onde houve uma redução de 17,5% da superfície de água entre 1985 e 2020. Na Amazônia, bioma com a maior área coberta por água no Brasil, a diminuição foi de 10,4%. Apesar de menores, também houve decréscimo na superfície de água na Mata Atlântica (-1,4%), Cerrado (-1,3%) e no Pampa (-0,5%).
Os dados levantados pela série histórica mensal apontam uma tendência predominante de redução de superfície de água no Brasil, em todas as regiões hidrográficas. Entre 1990 e 2020, nove delas registraram perda na superfície de água. A bacia hidrográfica do Paraguai, que abrange a região do Pantanal, foi a que registrou a maior redução: menos 65%.
O padrão se repete nas sub-bacias, onde 54 das 76 sub-bacias hidrográficas perderam superfície de água nas últimas três décadas, sendo a do Alto Paraguai a com maior perda. Os dados consideram apenas superfície e não volume de água, tampouco a água subterrânea.
O mapeamento também identificou que vários pontos de maior redução da superfície de água estão próximos de fronteiras agrícolas. “A dinâmica de uso da terra baseada na conversão da floresta para pecuária e agricultura interfere no aumento da temperatura local e muitas vezes altera cabeceiras de rios e de nascentes, podendo também levar ao assoreamento de rios e lagos”, explica o coordenador do Grupo de Trabalho de Água do MapBiomas, Carlos Souza. O pesquisador cita também a construção de represas em fazendas para irrigação e, em maior escala, de grandes represas para produção de energia, como fatores que diminuem o fluxo hídrico.
“Mudanças no uso e cobertura da terra, construção de barragens e de hidrelétricas, poluição e uso excessivo dos recursos hídricos para a produção de bens e serviços alteraram a qualidade e disponibilidade da água em todos os biomas brasileiros. Ao mesmo tempo, secas extremas e inundações associadas às mudanças climáticas aumentaram a pressão sobre os corpos hídricos e ecossistemas aquáticos”, continua Carlos.
Os pesquisadores destacam também que a perda da superfície de água natural por causa da água armazenada em estruturas construídas pelo homem, como barragens, açudes e reservatórios, tem consequências preocupantes para o regime hídrico, com potenciais prejuízos sobre a biodiversidade e a dinâmica dos rios.
Atualmente, a superfície de água natural (rios e lagos naturais) corresponde a cerca de 76%. Outros 17,7% são de hidrelétricas e 5,9% de reservatórios. Os locais onde houve ganhos de superfície de água estão predominantemente associados com hidrelétricas.
A série histórica levantada pela equipe do MapBiomas está disponível online (acesse aqui) e pode ser acessada livremente. Um dos objetivos da iniciativa é justamente disponibilizar os dados, mapas e estatísticas para gestão sustentável dos recursos hídricos no Brasil, além de contribuir para entender os impactos do aquecimento global, das mudanças no uso e cobertura da terra e da construção de infraestrutura nos ecossistemas aquáticos do Brasil. Os dados serão atualizados mensalmente, com diferenciação entre corpos hídricos naturais e antrópicos.
“O primeiro passo é ter um diagnóstico do problema na escala de bacias hidrográficas para identificar quais fatores estão comprometendo a disponibilidade de recursos hídricos. Segundo, é possível desenvolver um plano de ação multissetorial para mitigar e até mesmo reverter o problema. Mas, não podemos nos esquecer que boa parte da solução vai depender em reduzir as emissões de gases estufa para controlar o aumento da temperatura global”, acrescenta o coordenador do MapBiomas Água.
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