O segundo maior manto de gelo da Terra está em colapso e, mesmo que as emissões de gases de efeito estufa parassem hoje, seu derretimento acrescentaria 27 centímetros ao nível do mar. A conclusão é de um novo estudo liderado por pesquisadores da Dinamarca, que obteve estimativas mais precisas do comportamento do gelo da Groenlândia.
A maior ilha do mundo tem mais de 80% de seu território coberto por uma camada de gelo cuja espessura em alguns lugares ultrapassa os 2 quilômetros. O manto groenlandês acumula 10% da água doce do planeta e, se derretesse inteiro, poderia elevar o nível do mar em quase 10 metros.
Desde os anos 1990 as geleiras da Groenlândia vêm dando sinais de instabilidade, e hoje seu manto é o maior contribuinte individual com o aumento do nível do mar no globo, respondendo por cerca de 25% do total da água em excesso aportada aos oceanos desde 1993. Para dar uma ideia, é a mesma quantidade que todas as geleiras de montanhas juntas no mundo inteiro despejam a mais nos mares todos os anos, e que já agravam problemas como ressacas em Santos e no Rio de Janeiro e alagamentos em dias de sol em Miami.
Segundo o IPCC, o painel do clima da ONU, o mar já subiu 20 cm no último século e, a cada 15 centímetros adicionais de elevação, aumentaria em 20% o número de pessoas expostas corriqueiramente a inundações catastróficas – que de outra maneira só ocorreriam uma vez a cada cem anos. Portanto, 27 cm a mais fariam uma diferença enorme para as populações costeiras.
Estimar o aporte dos mantos de gelo polares para o nível do mar, porém, tem sido um problema sério para os cientistas. Os modelos computacionais mais usados pelos cientistas, conhecidos como “modelos de processo”, não conseguem reproduzir a elevação observada nas últimas décadas. Um outro tipo de modelo, chamado “semiempírico”, tem dificuldades em projetar a elevação no futuro.
Na Groenlândia há uma complicação adicional: até o começo deste século, o derretimento do gelo na ilha ocorria “de baixo para cima”: água quente do oceano penetrava sob a foz das geleiras, acelerando seu colapso. Nos últimos anos, no entanto, o derretimento do gelo da superfície passou a predominar. Em 2012, por exemplo, uma onda de calor causou degelo superficial em virtualmente toda a Groenlândia, até nos lugares mais altos e mais frios.
O grupo de pesquisadores liderado por Jason Box, do Serviço Geológico da Dinamarca, conseguiu contornar a deficiência dos modelos de processo. Eles alimentaram os programas computacionais com dados de satélite coletados entre 2000 e 2019 sobre altitude do gelo, fluxo de gelo na zona exposta a marés e degelo superficial. Então eles calcularam o quanto o clima atual da terra já força o “emagrecimento” do manto de gelo, ou seja, a diferença entre o que a Groenlândia ganha por precipitação de neve e perde pelo derretimento.
A conclusão foi que o manto de gelo já está em débito, ou seja, o clima atual já garante que uma perda de gelo equivalente a 27 cm de elevação do nível do mar vá ocorrer, independente do que ocorra no combate ao aquecimento da Terra neste século. “É o mínimo dos mínimos, uma estimativa muito conservadora”, disse Box ao jornal britânico The Guardian. “Na realidade, o que veremos é esse número mais do que dobrar neste século”, prosseguiu.
Apenas como exercício do que poderia acontecer, Box e seus colegas calcularam quanto a Groenlândia sozinha elevaria os mares caso o degelo visto em 2012 se repetisse todos os anos. A resposta é depressivos 78 centímetros, praticamente a mesma elevação que o IPCC projeta para este século somando todas as outras contribuições ao nível do mar (incluindo geleiras de montanha, degelo da Antártida e a expansão do volume de águas mais quentes).
O estudo, publicado na última segunda-feira no periódico Nature Climate Change, não estima a velocidade em que esse degelo ocorrerá: a Groenlândia tem relativamente poucas áreas de seu manto em contato direto com o oceano, então ela tende a perder gelo mais devagar que a Antártida, por exemplo.
A importância do novo trabalho é mostrar que, independentemente do que se faça para cortar emissões agora, é preciso adaptar regiões costeiras, porque em algum momento essa elevação ocorrerá.
No caso dos países mais pobres, trata-se de computar a subida dos mares nas “perdas e danos” climáticos, e cobrar a conta dos países desenvolvidos, que mais contribuíram historicamente para a situação atual. Neste ano, 197 nações se reúnem para conversar sobre o assunto na COP27, a conferência do clima do Egito. Os países desenvolvidos, para variar, vêm se recusando a botar dinheiro na mesa para remediar o problema.
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