A menos de 20 dias da COP30, quando o Brasil promete liderar o debate global sobre transição energética e proteção da Amazônia, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) divulgou nota defendendo a Licença de Operação concedida nesta segunda-feira (20) pelo Ibama à Petrobras. A autorização permite a perfuração do poço Morpho, no bloco FZA-M-59, localizado na Bacia da Foz do Amazonas, na costa do Amapá, uma das regiões de maior sensibilidade ecológica do país.
Segundo o MMA, a licença é resultado de “um rigoroso processo de análise ambiental” conduzido pelo Ibama desde 2014, inicialmente sob responsabilidade da BP Energy e transferido à Petrobras em 2020. O procedimento, diz o texto, envolveu a elaboração do EIA/RIMA, três audiências públicas e 65 reuniões técnicas em municípios do Pará e do Amapá. O ministério também destacou exigências adicionais impostas à estatal, como a criação de um novo Centro de Reabilitação e Despetrolização (CRD) em Oiapoque (AP) e o reforço de embarcações dedicadas ao resgate de fauna oleada em caso de acidentes.
A nota enfatiza o caráter técnico da decisão, afirmando que “não cabe ao órgão licenciador analisar aspectos de oportunidade e conveniência”, já que a definição sobre a exploração de petróleo é atribuição do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). O discurso, entretanto, revela o desconforto dentro do próprio governo, que busca equilibrar compromissos climáticos e interesses energéticos em um momento de forte escrutínio internacional.
A concessão da licença reacendeu críticas de organizações ambientais e movimento indígena. Em nota, o Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam) manifestou “intensa preocupação” com a liberação da pesquisa que viabiliza a extração de petróleo na Margem Equatorial. Segundo a entidade, o potencial de exploração na região gira em torno de 30 bilhões de barris, o que pode gerar entre 420 e 430 quilos de carbono por barril, totalizando cerca de 13 bilhões de toneladas de carbono lançadas na atmosfera.
O presidente do Proam, Carlos Bocuhy, afirma que o impacto estimado “gira em torno de US$ 15 trilhões, considerando os custos globais do aquecimento defendidos por pesquisadores da Universidade de Stanford”. Ele acrescenta: “Às portas da COP30, ocorre o imponderável: o Brasil abre portas para a extração petrolífera no coração de sua maior riqueza, a Amazônia, vulnerabilizando a maior floresta tropical global, que abriga a maior biodiversidade planetária.”
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) também divulgou uma nota de repúdio, classificando a decisão como um “projeto de caráter predatório” que ignora a voz, os direitos e as vidas dos povos indígenas. A entidade afirma que a autorização “escancara ao mundo as contradições do Brasil no que diz respeito à política ambiental e climática” e denuncia o desrespeito à Convenção 169 da OIT, que garante o direito à consulta prévia, livre e informada.
“Esperamos que seja revista essa autorização, pois os nossos direitos não podem ser negociados. O direito de quem cuida e vive naquele território há milhares de anos não pode ser ignorado; um empreendimento como esse não pode passar por cima de nós como se a nossa vida não existisse”, declarou Luene Karipuna, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Amapá e Norte do Pará (Apoianp).
“A Amazônia e seus povos não podem pagar a conta de uma ação de destruição que não é dela. Toda energia produzida por essas grandes empresas é direcionada para o sul, não acessamos essa energia, mas somos nós que pagamos a conta quando nosso território é destruído e impactado pela crise climática”, completou.
A Coiab alerta ainda que o avanço do projeto “coloca em risco milhares de vidas indígenas”, expondo territórios a impactos como insegurança alimentar, conflitos territoriais, aumento da violência e invasões, com consequências “irreversíveis para a vida e a cultura dos povos originários”.
A nota do MMA, ao reafirmar a legalidade e o rigor técnico do processo, busca blindar o ministério e o Ibama de críticas num momento sensível. Mas a autorização, em plena contagem regressiva para a COP30, expõe a contradição entre o discurso de transição verde e as práticas que mantêm o país atrelado à economia fóssil.
Um teste para a coerência climática brasileira
A concessão da licença em plena contagem regressiva para a COP30 evidencia a tensão entre o discurso e a prática da política ambiental brasileira. O governo que promete liderar a transição energética e cobrar compromissos climáticos mais ambiciosos de outros países é o mesmo que autoriza a abertura de uma nova fronteira petrolífera em um dos ecossistemas mais sensíveis do planeta.
Essa contradição ecoa o discurso do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva na COP28, em 2023, quando ele cobrou do mundo uma ação concreta para reduzir a dependência global dos combustíveis fósseis.
“É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis. Temos de fazê-lo de forma urgente e justa. Quantos líderes mundiais estão de fato comprometidos em salvar o planeta?”, disse Lula em Dubai.
O discurso foi proferido horas depois de o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, confirmar a intenção do Brasil de aderir à Opep+, grupo de países aliados da Organização dos Países Exportadores de Petróleo. A contradição já expunha o dilema que agora se materializa na Amazônia: um país que busca liderança climática global, mas continua ampliando sua fronteira de exploração fóssil.
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