Na medida em que o mês de julho avança, as notícias de queimadas se tornam mais comuns nos noticiários e oficializam o início da temida “temporada de incêndios”. O tema do fogo, entretanto, não deve ser um debate restrito aos momentos em que o país está em chamas e apostar no correto manejo desse fogo é o caminho para reduzir os estragos causados por incêndios em áreas naturais. O alerta foi feito por 11 pesquisadores que assinam uma análise publicada nesta quarta-feira (21) sobre os fatores que levaram ao aumento de incêndios nos últimos anos no Brasil e como o fogo atua e impacta de formas diversas os diferentes biomas e ecossistemas brasileiros.
O extenso estudo foi publicado na revista científica Perspectives in Ecology and Conservation e tem como objetivo servir de embasamento para que cientistas, gestores ambientais, tomadores de decisão e formuladores de política possam entender melhor os diferentes efeitos do fogo, de acordo com o ecossistema, além de desmistificar questões sobre o fogo e propor soluções para que o país avance na prevenção de incêndios e no desenvolvimento de estratégias de manejo de fogo bem-sucedidas.
Os pesquisadores alertam que as queimadas não naturais têm graves consequências, como a perda de biodiversidade, a degradação ambiental e danos à saúde humana, e que as decisões de manejo adequadas devem considerar os processos naturais e socioculturais envolvidos – como as mudanças climáticas, ciclos de seca, tipo de vegetação, desmatamento para o avanço da fronteira agrícola, usos tradicionais na pecuária ou para extrativismo, por exemplo – e requerem uma base científica sólida.
“Os efeitos do fogo, tanto positivos quanto os impactos negativos, variam muito de acordo com o ambiente. Nós temos ambiente onde o fogo é um processo natural e é necessário para manutenção da biodiversidade típica, que seriam as savanas, principalmente, os campos, mas temos outros ambientes, principalmente os florestais, onde o fogo é um processo extremamente negativo, geralmente associado à degradação ambiental, e muitas vezes causado por humanos. Nesse cenário, o Manejo Integrado do Fogo tem uma perspectiva mais ampla, que integra várias perspectivas e fatores que influenciam as áreas naturais, inclusive as mudanças climáticas, que tendem a agravar esse cenário”, explica ao ((o))eco o pesquisador Gerhard Overbeck, do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e um dos autores do estudo.
O Brasil possui uma grande diversidade de biomas e, dentro deles, de ecossistemas, cada qual com uma resposta diferente ao fogo. Enquanto ambientes de floresta, que predominam na Amazônia e na Mata Atlântica, são extremamente vulneráveis às queimadas, ambientes de campos naturais e savanas, como os que ocorrem no Cerrado, nos Campos Sulinos e no próprio Pantanal, apresentam adaptações ao fogo e têm muitos de seus processos ecológicos dependentes dele. No entanto, mesmo os ecossistemas adaptados ao fogo respondem diferentemente, dependendo do tipo, frequência, sazonalidade, intensidade e extensão do mesmo.
“Nós devemos buscar, com o Manejo Integrado do Fogo, reduzir a ocorrência do fogo ou até eliminar nos ecossistemas onde o fogo não é um processo natural, como nas florestas da Amazônia, e sim antropogênico, e tem efeitos negativos, de degradação ambiental; e tentar manejar melhor o fogo naqueles ecossistemas onde ele ocorre de forma natural que seria, principalmente, no Cerrado e no Pantanal, por exemplo. Porque mesmo nesses ecossistemas que são adaptados ao fogo, muitas vezes ele ocorre num regime e numa frequência grande demais ou numa época em que ele é prejudicial para a biodiversidade, então precisamos manejá-lo melhor”, ressalta Gerhard.
“Algumas pessoas são bastante contrárias ao uso do fogo, o que é compreensível pois ele pode ser muito destrutivo e danoso. Porém é muito importante que possamos discutir onde o fogo ocorre e como ele ocorre, pois os efeitos são completamente diferentes em cada ambiente”, aponta Vânia Pivello, pesquisadora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e uma das autoras do artigo.
De acordo com a análise dos pesquisadores, há cinco pontos essenciais para o gerenciamento eficaz dos incêndios em áreas naturais no país: ter uma base de informações científicas e dados em tempo real; trabalhar o manejo do fogo de forma integrada com outras agendas como a das mudanças climáticas e da fiscalização de incêndios ilegais; investir para manutenção de agências governamentais devidamente equipadas e treinadas, assim como sistemas de monitoramento e programas de capacitação local; definir uma agenda de pesquisa nacional que integre diferentes áreas do conhecimento para desenvolver paisagens mais resistentes ao fogo; e promover educação e divulgação sobre o tema entre todos os profissionais que atuam na conservação da natureza e manejo do fogo para fomentar um entendimento mais profundo sobre o papel do fogo nos diferentes ambientes.
“É importante entender que o fogo não é uma questão isolada do resto, ele depende do manejo da terra e está diretamente relacionado com as mudanças climáticas, então a gente precisa de agendas integradas para trabalhar com o fogo e em alguns casos, em alguns biomas, a gente precisa desmistificar também o fogo”, continua o pesquisador da UFRGS.
Desde 2008, há um programa piloto no Brasil para implementação do Manejo Integrado do Fogo, porém que atua apenas em áreas protegidas, como unidades de conservação e terras indígenas. O objetivo é eliminar de forma controlada o combustível da vegetação seca e diminuir o risco de incêndios em áreas naturais. Os pesquisadores ressaltam, entretanto, que essa estratégia ainda não foi amplamente implementada no país e que é necessário desenvolver diretrizes para trabalhar com o fogo também em terras privadas.
“As queimadas prescritas [uma das estratégias do Manejo Integrado do Fogo], que aplicam o fogo no melhor momento para otimizar os efeitos positivos, têm funcionado em unidades de conservação, já temos vários exemplos, o desafio são as áreas particulares onde não existe uma instituição que poderia estar aplicando esse manejo e facilitando isso”, aponta o pesquisador.
Gerhard reforça ainda que é necessário avançar com o Projeto de Lei nº 11.276/2018, em tramitação parada na Câmara dos Deputados, que institui a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, para criar uma base nacional para trabalhar e manejar o fogo, e que é necessário ter uma atenção contínua ao tema, não apenas durante os incêndios. “Agora estamos começando a época do fogo, então vai ter fogo na mídia por alguns meses e depois vai desaparecer, quando acabar a época do fogo. Nós temos que sair dessa estratégia reativa e desenvolver uma estratégia proativa, o que já acontece com o Manejo Integrado do Fogo, que não é só combater os incêndios, mas trabalhar antes para evitar queimadas catastróficas e se preparar para a época de fogo”, acrescenta.
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