Os Coronavírus são uma família de vírus que causa infecções respiratórias e está dividida em quatro grandes grupos: Alpha, Beta, Gama e Delta, que infectam diferentes grupos de hospedeiros. Em dezembro de 2019, o COVID-19, um Betacoronavírus relacionado aos tipos que causam a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) e a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), atingiu a população humana de Wuhan, na China, e desde então vem se espalhando pelo mundo. Contudo, a chance de o COVID-19 infectar aves é muito remota. Investigações após o surto de SARS em 2002, 2003 o encontraram apenas em mamíferos. Portanto, há uma grande probabilidade de o COVID-19 também ser um vírus de mamíferos e estar se espalhando somente pelo contato entre humanos.
Já os Coronavírus que infectam aves são monitorado há muitos anos nos criadouros domésticos devido ao seu possível impacto na produção e na economia. Porém, em aves silvestres, há poucos estudos disponíveis. O artigo “Divergent coronaviruses detected in wild birds in Brazil, including a Central Park in São Paulo” (Coronavírus divergentes detectados em aves silvestres no Brasil, inclusive em um Parque no Centro de São Paulo, em português), publicado na revista Veterinary Microbiology em 2019, apresentou uma retrospectiva da presença de um Coronavírus conhecido como Vírus da Bronquite Infecciosa (IBV) em aves silvestres no ambiente natural. Das 746 aves amostradas, coletadas de 2006 a 2013 em diferentes regiões do Brasil, apenas 6 tiveram a presença de Coronavírus dos grupos Delta e Gama confirmadas, nos estados do RS e SP.
“Estes vírus encontrados no Parque do Ibirapuera tem uma importância maior na parte ecológica, para o entendimento da disseminação [do vírus] entre as aves silvestres e domésticas. Em outras palavras, o que queremos mostrar é que temos um vírus (não patogênico para humanos), que circula entre as aves e pode causar problemas econômicos futuros”, explica Jansen de Araujo, um dos autores do estudo.
Muitos grupos de aves migratórias passam por localidades na América Central, nos Estados Unidos e no Canadá antes de chegarem ao Brasil para passar o período não reprodutivo nos trópicos. Um dos locais de pousio no Brasil é o Parque Nacional da Lagoa do Peixe (RS), no qual a pesquisa detectou a circulação Coronavírus em aves migratórias como o talha-mar (Rynchopus niger), o maçarico-branco (Calidris alba) e o maçarico-de-sobre-branco (Calidris fuscicollis). A pesquisa também encontrou o Coronavírus em três indivíduos de ganso-chinês (Anser cygnoides) no Parque Ibirapuera em São Paulo.
Em entrevista para ((o))eco, Jansen de Araujo, pesquisador do Laboratório de Virologia Clínica e Molecular da Universidade de São Paulo e um dos autores do artigo, esclarece estas e outras questões relacionadas à pesquisa.
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((o))eco: Qual a relação entre vírus foco da pesquisa, o Vírus da Bronquite Infecciosa (IBV) que atinge frangos e aves migratórias, e o COVID-19, responsável pelo atual surto em humanos?
Jansen de Araujo: Os Coronavirus (CoVs) são sim vírus importantes e associados a outros animais. Atualmente são divididos em 4 grandes grupos: Alpha, Beta, Gama e Delta. Assim você já tem uma separação entre eles de patogenicidade (grau de agressividade) e também de grupos de hospedeiros (aves, morcegos, humanos, etc..). Como possuem divergência genética, os Coronavirus que nosso estudo encontrou provenientes de aves são muito distintos do COVID-19 proveniente de Wuhan, na China. O Vírus da Bronquite Infecciosa (IBV) aviário é um Coronavírus de grande importância econômica, encontrado também em aves silvestres e domésticas. As aves podem portar CoVs, que causa lesões em trato gastrintestinal, respiratório, urinário e reprodutor, levando a taxas de mortalidade de cerca de 30% e quedas bruscas na produção de ovos (em granjas).
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Das 746 amostras de aves utilizadas no estudo, apenas seis confirmaram a presença de Coronavírus dos grupos Delta e Gama, diferentes do Betacoronavírus que atinge humanos e possivelmente está restrito a mamíferos. Esses vírus detectados em aves provenientes inclusive de locais com alta densidade de pessoas, como o Parque Ibirapuera em São Paulo, representam algum perigo para humanos?
Nosso estudo foi destinado a entender a possibilidade de disseminação deste vírus carreados por aves migratórias. Observamos que é possível um vírus que está circulando no hemisfério Norte viajar até o hemisfério Sul através de rotas migratórias. Os vírus que encontramos pertencem ao grupo Gama e Delta. O Coronavirus circulante atualmente, COVID-19, está em outro grupo. Portanto, para que fique claro, estes vírus encontrados no Parque do Ibirapuera tem uma importância maior na parte ecológica, para o entendimento da disseminação entre as aves silvestres e domésticas. Em outras palavras, o que queremos mostrar é que temos um vírus (não patogênico para humanos), que circula entre as aves e pode causar problemas econômicos futuros.
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Os vírus detectados no Parque do Ibirapuera e no Parque Nacional Lagoa do Peixe, no Rio Grande do Sul, representam risco para as colônias de aves migratórias presentes nesses locais? E os criadouros de aves domésticas, podem vir a ser contaminados por vírus de aves migratórias?
Este é o ponto no qual poucos estudos no Brasil são conduzidos. Nós fomos pioneiros na detecção de vírus da Influenza aviária, Doença do West do Nile e Doença de Newcastle e de Coronavirus nesses grupos de aves. Acreditamos sim que aves migratórias podem trazer vírus de outros continentes para nosso país e infectar outras aves de houver o contato direto. O que na minha opinião é importante, é que fiquemos atentos para que estes eventos sejam monitorados para que medidas de controle possam ser tomadas rapidamente.
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É possível que aves domésticas ou migratórias também sejam capazes de hospedar o COVID-19?
Neste caso eu não posso afirmar, pois não temos nenhum estudo relacionado a isso aqui no Brasil ainda. Eu particularmente acredito que não, pelo fato da divergência do COVID-19. Mas não tenho como garantir ainda com poucos estudos sobre aves.
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