Terminou sem acordo, nesta quinta-feira (13), a Conferência de Bonn, evento que antecede as negociações da Cúpula do Clima e que era responsável por definir os encaminhamentos técnicos a serem levados para a COP29, a ser realizada este ano na cidade de Baku, Azerbaijão.
Durante 10 dias, representantes de 200 países discutiram na Alemanha uma longa lista de temas, entre eles como avançar o programa de trabalho em agricultura, destravar duas regulações cruciais do mercado de carbono, produzir textos que pudessem ser negociados na COP29 sobre a meta global de adaptação e transição justa.
O ponto principal das discussões, no entanto, era a nova meta de financiamento climático. O chamada “Nova Meta Quantificada Coletiva” (NCQG, na sigla em inglês) é o item principal da agenda da COP29, em Baku.
Esta meta definirá quanto dinheiro os países desenvolvidos precisam prover aos países em desenvolvimento para financiar o cumprimento de suas metas climáticas e a adaptação às mudanças climáticas, aquém de lidar com as perdas e danos recorrentes dos eventos extremos que já não podem ser evitados.
A NCQG – mais uma sigla ao já complexo dicionário das negociações climáticas – vai valer para o período de 2026 e 2030 e deve substituir os US$ 100 bilhões por ano prometido, e nunca cumprido, na Conferência de Paris, para o período de 2020-2025.
Grande parte das negociações de Bonn girou em torno da escala do financiamento. Isto é, quanto será necessário para enfrentar os desafios das mudanças climáticas.
Estudos científicos indicam que a necessidade de financiamento climático – que em Bonn ganhou o jargão de “Quantum” – já está na casa dos trilhões. Um estudo do think tank Climate Policy Initiative, publicado em 31 de maio, estima que esse valor pode chegar a US$ 8,5 trilhões em 2030.
Durante os dias de negociação em Bonn, diferentes países, e grupos de países, em desenvolvimento colocaram seus valores na mesa. A Índia já havia sugerido, anteriormente a Bonn, que a nova meta seja de US$ 1 trilhão por ano a partir de 2025. Na Alemanha, o Grupo Árabe sugeriu uma meta de financiamento público de US$ 441 bilhões mais a mobilização privada, igualando a quantia de US$ 1,1 trilhão por ano.
O Grupo de Negociadores da África e o grupo dos Países Menos Desenvolvidos (LDCs) também defenderam um aumento significativo nos investimentos para as nações africanas e vulneráveis, tendo as finanças públicas como ponto central.
Por outro lado, países ricos – leia-se Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido, Austrália e Noruega – concentraram seus esforços na necessidade de revisão, segundo eles, da definição do que é país rico e país pobre
Sob o argumento de que o conceito de “países desenvolvidos” é dinâmico e de que a classificação da ONU para “países em desenvolvimento” está ultrapassada, eles se negaram a avançar nas discussões sobre a meta de financiamento. O que eles querem mesmo é que países do Golfo, China e até o Brasil, passe para o grupo de países doadores.
Segundo análise do Climainfo, organização brasileira presente no evento, para o Brasil, o mais importante não é nem definir quantidades, mas sim o conceito e os mecanismos pelos quais a nova meta vai funcionar. O valor, embora dominante nas discussões, foi definido pelo Itamaraty como uma preocupação secundária.
“Se a meta [anterior] de US $100 bilhões tivesse sido, quem sabe, de US $150 bilhões, faria alguma diferença? O fracasso da meta anterior não está em seu valor, mas nas indefinições que não queremos ver em NCQG”, disse Túlio Andrade, negociador chefe do Itamaraty em Bonn.
De acordo com o Observatório do Clima, o fiasco da conversa sobre finanças causou um efeito-dominó em Bonn. Discussões sobre a implementação do Balanço Global – orientação para a formulação dos novos planos climáticos nacionais, a serem apresentados pelos países até fevereiro de 2025 – não avançaram porque havia uma componente de financiamento nas discussões, assim como a meta global de adaptação, que parou quando a questão do dinheiro estava na mesa.
“O resultado das negociações de clima de Bonn é um reflexo de uma luta de décadas para que as nações ricas cumpram suas obrigações e ajudem os países em desenvolvimento a agir contra a crise climática. Até que esse impasse seja solucionado, todos os outros temas permanecerão reféns”, disse Tasneen Essop, diretora-executiva da Climate Action Network, a maior rede ambientalista do planeta.
Segundo o Observatório do Clima, as conversas sobre o “quantum”, ou o total de dinheiro a ser mobilizado, vão seguir após Bonn, em encontros de alto nível entre ministros e chefes de estado.
No mês que vem, negociadores de diferentes países se encontram em Baku, a sede da próxima Conferência do Clima da ONU, para tentar limpar um pouco da bagunça deixada em Bonn e avançar nas discussões, para que o encontro do final do ano seja mais produtivo.
O que se sabe é que o resultado da COP29 será essencial para a COP brasileira, a ser realizada em 2025 na cidade de Belém.
“Perdemos mais uma oportunidade de avançar em Bonn, só que a atmosfera não vai esperar; a janela de oportunidade para limitar o aquecimento global a 1,5ºC, como manda o Acordo de Paris, está quase fechada. Isso põe pressão adicional sobre a COP30, em Belém, e sobre a necessidade de liderança brasileira no processo internacional. Só que isso não vai acontecer com o presidente Lula dizendo que não pode ‘perder a oportunidade’ de abrir novas fronteiras de óleo e gás”, disse Claudio Angelo, coordenador de Política Internacional do OC.
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